12 setembro 2022

Sinais de sintonia


A antena emissora rotativa de ondas curtas com 80 m de altura que existia em Sines, juntamente com algumas outras. Esta antena irradiava uma potência de 250 kW e destinava-se a emitir os programas da rádio alemã Deutsche Welle para a América Latina e África. O centro emissor de Sines foi desligado definitivamente em 2011 e seguidamente as antenas foram retiradas, resultando uma sucata de aço com 700 toneladas (Foto de autor desconhecido)

A rádio em AM (modulação de amplitude) está agonizante, tanto em ondas curtas como em ondas médias e em ondas longas (em Portugal nunca houve emissores de ondas longas), mas ainda não morreu. Em ondas médias, ela ainda resiste no Reino Unido e em Espanha, por exemplo, mas em muitos outros países já encerraram todas as estações de ondas médias que havia. Na Noruega, então, até a rádio em FM (modulação de frequência) também já foi extinta, dando lugar à rádio digital DAB (Digital Audio Broadcasting).

Em ondas curtas ainda resistem algumas estações internacionais de rádio, como a Voz da América (que mantém ativo um centro retransmissor em São Tomé e Príncipe, por exemplo), a Rádio Internacional da China, a Rádio Roménia Internacional, a Voz da Turquia e poucas mais. De resto, as ondas curtas estão cada vez mais limitadas a serem usadas apenas por estações religiosas e clandestinas. É verdade que, com a agressão da Rússia à Ucrânia, assistiu-se a uma reativação de algumas estações ocidentais em ondas curtas, como a da austríaca ORF, com vista a cobrirem a Rússia, a Ucrânia e países vizinhos com as suas emissões, mas mais tarde ou mais cedo voltarão a ser desligadas. Portugal, por sua vez, ausentou-se das ondas curtas há alguns anos e assim permanece. A internet e as emissões via satélite suprem a falta que as ondas curtas fazem.

No tempo da chamada guerra fria, havia uma "guerra" paralela nas ondas curtas. Nesse tempo, as emissoras dos mais diversos países atropelavam-se e interferiam-se mutuamente, numa luta feroz por se fazerem ouvir por cima das do "outro lado". Ainda por cima, multiplicavam-se as emissões nas mais diversas línguas. As ondas curtas eram uma impressionante Babel. Só a BBC, a Voz da América ou a Rádio Moscovo transmitiam em mais de quarenta línguas diferentes cada uma, incluindo o português. Além do mais, empregavam os melhores jornalistas e os melhores profissionais de rádio que se podiam encontrar.

Portanto, o espetro de frequências de ondas curtas estava naquele tempo sobrelotado. Havia que arranjar um meio de fazer distinguir cada uma das estações de todas as outras. A solução encontrada consistiu em sinais identificadores facilmente reconhecíveis, que eram transmitidos durante alguns minutos antes da abertura de uma nova emissão, para que os potenciais ouvintes conseguissem encontrá-la no meio da barafunda e pudessem escutar o programa desde o seu início. O nome dado para estes sinais em inglês é interval signals, o que traduzido literalmente para português não quer dizer nada. Prefiro chamar-lhes sinais de sintonia ou identificadores de estação, pois ao escutá-los uma pessoa ficava a saber se aquela era ou não a estação que pretendia ouvir.

Seguem-se os sinais de sintonia de algumas das principais estações de rádio de ondas curtas de há trinta, quarenta ou mais anos. Escolhi alguns dos sinais mais representativos e mais interessantes, de entre o grande número deles que se podem ouvir na internet. Estas gravações foram feitas em Lexington, Kentucky, Estados Unidos, por Jerry Johnston. Como diziam os locutores daquele tempo, desejo uma «boa escuta».



O sinal de sintonia mais facilmente identificável nas ondas curtas era um identificativo que a BBC vinha usando desde a II Guerra Mundial: a letra V, de "Vitória", em código Morse.



Um outro sinal de sintonia usado pela BBC consistia num repicar festivo de sinos.



A Deutsche Welle, da República Federal da Alemanha, identificava-se através de uma curta passagem da Abertura "Fidelio", de Beethoven.



A Rádio Austrália alternava uns acordes da música popular "Waltzing Matilda" com o canto de uma ave chamada kookaburra.



O identificador da Rádio Flandres Internacional, da comunidade de língua flamenga da Bélgica, era cheio de ritmo.



A Rádio Havana Cuba transmitia algumas notas da "Marcha del 26 de Julio", de Agustín Díaz Cartaya.



O sinal identificativo da Rádio Moscovo ouvia-se por toda a banda de ondas curtas, qualquer que fosse a hora e a frequência.



A Rádio Nederland, dos Países Baixos, identificava-se através de uma melodia, tocada em carrilhão, do tempo da Guerra dos Oitenta Anos, que foi a guerra pela qual os Países Baixos se tornaram independentes de Espanha.



A Rádio Pequim identificava-se através dos primeiros acordes do hino "O Oriente é Vermelho".



A Rádio RSA, da África do Sul no tempo do apartheid, alternava o canto de uma ave chamada bokmakierie com uns acordes em guitarra de uma canção africânder.



A Rádio Suíça Internacional identificava-se pelo som de uma caixa de música.



A Rádio Vaticano transmitia os primeiros acordes do hino "Christus Vincit".



A Radiotelevisão Italiana, RAI, dava a ouvir o som de um "canário", produzido por meios mecânicos.



A Voz da América transmitia a marcha "Yankee Doodle".

Comentários: 2

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Que interessante!

Recordo-me de ser pequenina e de ver o meu pai, tanto na casa de Algés quanto na do Dafundo, a tentar sintonizar a BBC e a Rádio Moscovo. Pedia-me para ficar em silêncio e demorava algum tempo, pensava eu que por ter o volume de som muito baixo para não ser ouvido na rua.

Provavelmente, procurava esses sinais de sintonia. Eu não me recordo deles, mas também os devo ter ouvido...

Abç

12 setembro, 2022 11:21  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Maria João,
De uma maneira geral, as estações de ondas curtas tinham duas emissões separadas em português, uma emissão que era destinada a Portugal, Angola, Moçambique, etc., e outra que era dirigida especialmente ao Brasil. A coisa funcionava como se houvesse duas línguas portuguesas diferentes: a língua portuguesa europeia e a língua portuguesa do Brasil. Nas suas emissões para o Brasil, por exemplo, a Rádio Moscovo identificava-se como "Rádio Central de Moscou" (ler com pronúncia brasileira) e captava-se aqui em Portugal em condições espetacularmente boas, muitíssimo melhores do que as emissões destinadas a Portugal, o que não deixa de ser curioso. Porém, o conteúdo das emissões para o Brasil diziam muito pouco aos portugueses e aos africanos, pois o seu público alvo eram os ouvintes brasileiros somente. O mesmo se passava com a BBC e muitas outras estações. Em ondas curtas, o Brasil era um mundo à parte.

15 setembro, 2022 02:00  

Enviar um comentário