23 setembro 2023

"Brundibár", uma ópera infantil no campo de concentração


Um resumo do que se passou no campo de concentração nazi de Terezín (em alemão Theresienstadt) há 80 anos. Vídeo falado em húngaro e legendado em inglês

Terezín, 23 de setembro de 1943. A ópera infantil "Brundibár", de Hans Krása, chega ao ghetto de Terezín para uma estreia — como parte do pérfido plano dos nazis, de apresentar Terezín como ghetto modelo, com uma vida cultural ativa. O compositor Hans Krása foi assassinado em Auschwitz, mas "Brundibár" continua a ser representada — uma tardia vitória da humanidade.

No palco: crianças severamente traumatizadas e esfomedas. No público: prisioneiros judeus e os seus torturadores — membros das SS. Zvi Cohen tocou então harmónica de boca: "Os alemães descobriram que quando se dá cultura aos judeus, eles ficam sossegados", recorda Cohen. "A cultura dá vontade de viver às pessoas em Terezín". Viver para quê? A maior parte dos residentes do ghetto de Terezín foram deportados e portanto assassinados em Auschwitz ou noutro local de extermínio.

Melodias dão alma às barracas

Em 1942 também lá estava Hans Krása, o criador da ópera infantil "Brundibár". Foi representada 55 vezes em Terezín. Oficialmente. Não oficialmente, inúmeras vezes as melodias ecoaram pelas barracas, ruas e quintais. À noite, quando os guardas do ghetto dormiam. "Estávamos contentes por podermos cantar", diz Dagmar Lieblova, antiga menina do coro em "Brundibár". "Nós cantávamos, em especial, sobre uma vida normal, onde se podia comprar pão, se podia comprar leite, comer gelados. Tudo ao contrário do que nós víamos à nossa volta."



Eva Hermanova, sobrevivente de Auschwitz e que fez parte do coro da ópera infantil "Brundibár" (Abelha) no campo de concentração de Terezín (Theresienstadt em alemão), presta o seu testemunho. Vídeo falado em alemão e com algumas imagens impressionantes

Estreia caseira no orfanato

Em 1938, Hans Krása, aluno de Alexander Zemlinsky e antigo ponto no teatro alemão de Praga, compôs a ópera: uma obra esperançosa sobre a vitória do Bem sobre o Mal. No campo de concentração de Terezín, "Brundibár" foi em 23 de setembro de 1943 pela primeira vez levada ao palco no chamado "Quartel de Magdeburgo". Mas antes desta estreia oficial já "Brundibár" tinha sido representada — num orfanato em Praga. Hans Krása não estava lá — já estava em Terezín.

Uma pequena esperança com um enorme resultado

A chegada ao ghetto de uma versão para piano da ópera foi um raio de luz na mais profunda escuridão — e possibilitou a Krása refazer a sua ópera, também oficialmente: os homens das SS no ghetto tinham-lhe dado "autorização". "Brundibár" deveria tornar-se num truque de ilusionismo para efeitos de propaganda. O inferno a fingir de mundo perfeito. Para cúmulo, Goebbels deixou cantar o coro final de "Brundibár", quando chegou a Terezín uma delegação internacional da Cruz Vermelha: música abominada pelos assassinos. Apesar de tudo, "Brundibár" sobreviveu aos nazis e garantiu aos judeus a sobrevivência — uma pequena esperança com um enorme resultado.



Uta Sailer. Texto traduzido do alemão


A ópera infantil em dois atos "Brundibár" (Abelha), do compositor judeu checo Hans Krása (1899–1944), morto no campo de extermínio de Auschwitz, com libreto do escritor checo Adolf Hoffmeister (1902–1973), interpretada em checo

Comentários: 2

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Nasci e cresci entre milhares de livros que sempre estiveram à minha disposição por isso desde muito pequenina tomei conhecimento das atrocidades praticadas pelos nazis. Este pungente testemunho áudio visual deixou-me de lágrimas nos olhos. Não consigo dizer/escrever mais nada...
Obrigada, Fernando.

24 setembro, 2023 16:41  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Os livros e a música foram os meus principais companheiros de infortúnio quando estive na Guerra Colonial no norte de Angola, permitindo-me conservar um mínimo de lucidez e evitando que eu embrutecesse e emburrecesse, ainda mais do que já era.

Um dos livros que li na zona de guerra onde me encontrava chamava-se "Um Requiem em Terezín" ou "Um Requiem por Terezín", já não tenho a certeza. Foi um daqueles livros que, uma vez lidos, nunca mais se esquecem. O seu autor foi um judeu checo chamado Josef Bor. O livro contava a forma como os prisioneiros judeus do campo de concentração de Terezín, na Boémia (na atual República Checa), ensaiaram e interpretaram o impressionante Requiem de Giuseppe Verdi. Um Requiem é uma missa de defuntos. O que os prisioneiros de Terezín cantaram e tocaram, perante os seus companheiros de infortúnio e os seus carrascos nazis, foi um Requiem POR ELES PRÓPRIOS, pois sabiam o destino que lhes estava reservado e efetivamente acabaram por ter.

Todo o Requiem de Verdi merece ser ouvido atentamente do princípio ao fim, tal como outro arrepiante Requiem, o de Mozart, mas a passagem mais dramática de todas é o "Dies Iræ", que tem uma força que faz tremer. O "Dies Iræ" (dia da ira) é o Dia do Juízo Final, em que os criminosos e os assassinos são condenados ao inferno por toda a eternidade. Nem quero pensar no que sentiram os intépretes de Terezín, quando cantaram e tocaram o "Dies Iræ" de Verdi na cara dos seus verdugos.

Eis uma interpretação histórica do "Dies Iræ", do Requiem de Verdi: https://www.youtube.com/watch?v=aVJTQcOMLQw.

28 setembro, 2023 03:10  

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