03 julho 2024

As pirâmides do Sudão


Algumas pirâmides existentes em Meroé, Sudão (Foto: Martin Gray)
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Contrariamente ao que se poderia supor, a maior concentração de pirâmides do mundo não fica no Egito, nem no México, nem na Guatemala. Fica no Sudão, país que está neste preciso momento mergulhado numa terrível guerra fratricida, com muitos milhares de mortos e milhões de deslocados, perante a mais completa indiferença da comunidade internacional. Ao que chegou um país que foi berço de uma das mais antigas civilizações da humanidade!

A Núbia é uma região desértica, que é atravessada pelo rio Nilo, está situada no norte do Sudão e ainda abrange um pouco do Egito, até à Primeira Catarata do Nilo, em Assuão. Tal como no caso do Egito, a Núbia só é habitada porque o Nilo lhe dá vida. Se o rio não existisse, a Núbia e o Egito seriam desertos completamente inabitáveis, a não ser nos poucos oásis existentes. É o Nilo que sustenta muitas dezenas de milhões de pessoas, que vivem e trabalham ao longo das suas margens e no seu amplo delta. É preciso, no entanto, salientar que o Nilo só consegue chegar ao Mediterrâneo porque um seu afluente, chamado Nilo Azul, lhe acrescenta a sua própria água junto a Cartum, a capital do Sudão, trazida dos planaltos da Etiópia. Se não recebesse a água do Nilo Azul, o Nilo propriamente dito, também chamado Nilo Branco, ter-se-ia evaporado e infiltrado por completo nas areias do deserto, antes de conseguir chegar ao mar.


A confluência do Nilo Azul (à esquerda) com o Nilo Branco (à direita). A cidade que se vê ao fundo é Cartum, a capital do Sudão (Foto: David Degner)
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Toda a gente sabe que o rio Nilo foi o berço de uma das mais antigas e mais requintadas civilizações de toda a história, a civilização egípcia. Convencionou-se que esta civilização teve o seu início por volta do ano 3100 A.C., quando se consumou a unificação política do Egito, que incluiu também a Núbia, tendo sido Narmer o seu primeiro faraó. A existência independente do Antigo Egito durou cerca de três mil anos, até à sua conquista pelos romanos, quando Cleópatra era rainha. Não faltam, contudo, indícios da existência no Egito de uma cultura avançada ainda mais antiga, que terá nascido por volta do ano 5500 A.C.

É consensual, também, a afirmação segundo a qual a civilização egípcia deveu a sua existência à agricultura, que era praticada em campos irrigados pelas periódicas cheias do Nilo, as quais traziam o fertilíssimo nateiro vindo da região dos Grandes Lagos, no coração de África, e das terras altas da Etiópia. Poderemos, então, deduzir que a civilização egípcia teve o seu berço na região do delta do Nilo, onde o rio se espraia, deposita a sua carga fertilizante e desagua no Mediterrâneo. Também podemos concluir que a cultura egípcia "saltou" do delta para a ilha de Creta, dando origem a uma nova civilização, a civilização minóica. Provavelmente, a Grécia Antiga não teria sido o que foi, se a civilização do Egito não tivesse existido.

Ficou acima afirmado que o Nilo atravessa inóspitos desertos antes de chegar à sua foz. Isso é o que acontece agora, mas nem sempre foi assim. Quando a antiga civilização egípcia nasceu, as regiões da Núbia e do Egito, que o Nilo atravessa, não eram desérticas, mas sim cobertas por uma savana percorrida por cursos de água, cujos leitos estão agora secos. Nela viveriam pessoas, que se dedicariam à caça e à apanha de frutos e raízes comestíveis, assim como à pastorícia.


Santuário do faraó núbio Aspelta (c. 600 A.C. – c. 580 A.C.). Ashmolean Museum, Oxford, Reino Unido (Foto: Mary Harrsch)
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Na Núbia, o Nilo não é navegável, salvo para as deslocações de âmbito local, por causa das sete cataratas que o rio tem na região. Porém, naqueles remotos tempos, as cataratas deviam poder ser contornadas com facilidade através da savana envolvente. A comunicação entre o Egito e a Núbia existiu de facto e marcou de forma perene as culturas respetivas. A cultura egípcia chegou à Núbia e misturou-se com a cultura local e, inversamente, a cultura núbia chegou ao Egito e misturou-se com a cultura local. Até houve faraós núbios reinando sobre o Egito. A cultura núbia não foi uma mera continuação da cultura egípcia; tinha características próprias, que se misturaram com as do Egito. Houve uma influência mútua entre ambas as culturas.

Estátuas de faraós núbios, também chamados faraós negros, que reinaram sobre o Egito durante a 25.ª Dinastia (744 A.C – 656 A.C.), a partir da cidade núbia de Napata. Museu de Kerma, Kerma, Sudão (Foto: Jac Strijbos8)
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Os vestígios arquitetónicos da antiga civilização núbia são muitos e variados, desde que surgiram na região as primeiras aldeias permanentemente habitadas por volta de 6000 A.C. e que, por conseguinte, eram coevas da cidade mais antiga do mundo, que é Jericó, na Palestina.

À medida que os séculos se foram sucedendo, os núbios foram erguendo cidades, onde construiram templos, palácios e sepulturas para os seus mortos. Exemplo disto é a antiga cidade de Kerma, fundada há cerca de 5500 anos, pelo menos, e que no ano 1700 A.C. devia ter 10 000 habitantes. Kerma foi um centro urbano desenvolvido, com templos e bairros residenciais, e onde foram encontrados artefactos que são diferentes dos do Egito, tanto no tema como na composição.

Vestígios da antiga cidade de Kerma (c. 2500 A.C. – c. 1500 A.C), Sudão (Foto: Lassi)
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As construções antigas que mais se destacam na paisagem da Núbia são as pirâmides. Estas pirâmides não são tão grandes como as do Egito e são mais "bicudas" do que elas. Há duas vezes mais pirâmides na Núbia do que no Egito. As pirâmides núbias têm uma base quadrada, como as suas congéneres egípcias, mas as suas faces laterais são mais inclinadas do que as destas. Os núbios deram um "toque" local às suas próprias pirâmides.

Tal como sucedeu com as do Egito, as pirâmides da Núbia foram construídas para servirem de sepultura a reis, rainhas e destacados dignitários. Só na antiga cidade de Meroé, que floresceu entre 590 A.C. e 350 D.C., existem mais de 200 pirâmides. E há mais pirâmides ao longo das margens núbias do Nilo.


Vista aérea de algumas pirâmides de Meroé, Sudão (Foto: B N Chagny)
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Se olharmos para as fotografias das pirâmides de Meroé, notaremos que muitas estão em ruínas. Importa dizer que essas pirâmides não se desmoronaram sozinhas; foram demolidas de propósito. Um caçador de tesouros italiano, chamado Giuseppe Ferlini, empreendeu a destruição de mais de 40 pirâmides em 1834, para saquear os tesouros que nelas estavam. Costuma-se dizer que «o crime não compensa», mas este crime compensou, e muito. Ferlini apoderou-se de um grande número de artefactos, que levou para a Europa a fim de os vender. Muitos dos potenciais compradores não os quiseram, duvidando da sua autenticidade, porque achavam que tão extraordinárias preciosidades não poderiam ter sido feitas pelas mãos de negros. O racismo é uma merda. Apesar das reticências que encontrou, Ferlini conseguiu vender o produto do seu roubo e os objetos que pilhou estão agora em vários museus, sobretudo em Munique e em Berlim.

Jóias da rainha Amanishakheto encontradas na sua pirâmide em Meroé, Sudão (Foto: Einsamer Schütze)
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Cabeça de um núbio, esculpida em mármore por um artista desconhecido, algures entre os anos 120 A.C. e 100 A.C. Brooklyn Museum, Nova Iorque, Estados Unidos da América (Foto: XXGfHXx)
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