30 julho 2024

«Doeu, ainda hoje dói»


(Foto: autor não identificado)

Já palmilhei tantas estradas, percorri tantos caminhos, hesitei naquela encruzilhada, perdi a direção do norte, mas cheguei sempre ao meu ninho, qual pássaro de arribação que se aventurou na vida.

Tenho histórias que nasceram das caminhadas, de amor, de ilusão, de alegrias e de paixão, de aventuras vividas que marcaram o meu coração, o meu corpo e a minha vida.

Seria de mau gosto, gravar num pequeno texto as personagens que me marcaram, ficam na minha memória, na nuvem que me rodeia, e na vida que vai passando.

Gravado nesta memória, a ferro e fogo, um percalço que hoje 21 de Julho de 1973, qual carrocel barulhento ainda soa naquele megafone — “mais uma corrida, mais uma viagem” — faz-me lembrar aquele dia em que o destino naquele trilho, tinha para mim guardado.

Numa minha caminhada por terras de Angola numa imposta missão dum regime que o 25 de Abril baniu, uma traiçoeira armadilha, “mina” a mais cruel e letal arma que se projeta na guerra, ao detonar espalhou a minha carne pelo chão e o meu sangue pintalgou o capim da picada.

Doeu, ainda hoje dói. Um par de horas esperando a salvação, subi ao céu num pássaro de ferro.

Apaguei, acordei. Foi triste saber que nunca mais correria naquele “pelado”, da minha terra nem sentiria a alegria do marcar um “golo” e abandonei‑me à vida.

Regressei ao ninho, vivo na mesma árvore, e contemplo a minha criação que me chama Pai e Avô. E continuo a amar aquela que ainda hoje me ampara quando tropeço.



Miguel Centeno, Deficiente das Forças Armadas


(Foto: autor não identificado)

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