11 dezembro 2024

A magia da miniaturização


Um microprocessador nu tem este aspeto. Microfotografia de uma das versões do microprocessador Pentium 4, que foi fabricado pela Intel entre 2000 e 2007. Dependendo da versão, este microprocessador tinha entre 42 milhões e 188 milhões de transistores, numa área de 112 mm2 a 146 mm2. Agora está ultrapassado. Já é uma "peça de museu"!

Quase todos os circuitos microeletrónicos e alguns dispositivos óticos são feitos de silício, um elemento de símbolo químico Si, número atómico 14 e que é semicondutor, o que quer dizer que é condutor da eletricidade em algumas circunstâncias e é isolador em outras. Para que os dispositivos eletrónicos e óticos possam fazer aquilo que queremos que eles façam, manipulam-se as propriedades elétricas do silício através da chamada "dopagem", que consiste na adição criteriosa de átomos de outros elementos químicos à estrutura cristalina do silício. Desta forma, conseguem-se fabricar transistores, díodos, memórias, microprocessadores, microssistemas eletromecânicos, painéis solares e um sem-número de outros dispositivos e equipamentos, tudo de silício.

O silício é o segundo elemento mais comum existente na crosta terrestre, mas não se consegue encontrar em estado puro, porque reage facilmente com o oxigénio. O resultado desta reação é o dióxido de silício, que também se chama sílica e que se apresenta sob diversas formas: o mineral quartzo é sílica, os copos que colocamos na mesa de jantar são sílica, o betão com que se constroem os edifícios é sílica, etc. etc. Até o material granulado que se põe no caixote onde os gatos domésticos fazem as necessidades é sílica! Nuns casos a sílica é mais pura, noutros casos ela é mais impura, mas o que é um facto é que nós vivemos rodeados de sílica por todos os lados.

É a partir da sílica que se extrai o silício. Uma tão extraordinária abundância de sílica poderia levar-nos a supor que seria fácil extrair o silício da sílica. Nada mais errado. Esta extração é um processo que consome muita energia, porque é preciso começar por aquecer a sílica até ela entrar em fusão, tal como se faz para o fabrico do vidro. A sílica só funde à temperatura de 1713 °C, um calor de fazer literalmente derreter as pedras da calçada... É por esta razão que as fábricas de semicondutores são chamadas foundries ("fundições" em inglês) e não factories.

Para a extração do elemento silício, a sílica é fundida em fornos apropriados juntamente com carvão. Como é constituída por dióxido de silício, a sílica reage com o carvão num processo químico chamado redução, que é o contrário da oxidação: o carbono existente no carvão combina-se com os átomos de oxigénio presentes nas moléculas de sílica, dando como resultado monóxido de carbono e dióxido de carbono, que se libertam como gases, e silício, que é o que fica.

Um bloco irregular de silício

O silício assim obtido ainda não tem as características necessárias para a sua utilização na eletrónica e na ótica. É preciso purificá-lo tanto quanto possível e fazê-lo cristalizar numa estrutura única e sem defeitos. É preciso, portanto, obter com ele um monocristal que seja constituído por mais de 99,9999999 % de silício puro. Isto consegue-se retirando as impurezas ao silício bruto em fusão por meio de um processo engenhoso, enquanto o silício vai arrefecendo muito lentamente.


Dois "cilindros" de silício puro monocristalino

Antes de começar a ser trabalhado, o silício apresenta-se com uma configuração cilíndrica mais ou menos irregular. Começa por ser lixado e alisado até se tornar num cilindro circular perfeito, com um diâmetro que pode ir de 100 mm a 450 mm, sendo o diâmetro de 300 mm o mais comum atualmente.

Uma vez obtido um cilindro perfeito, este é cortado em fatias como quem corta chouriço. As rebarbas resultantes do processo de corte são cuidadosamente aparadas. Cada fatia fica com o aspeto de um disco perfeitamente circular e é chamada "bolacha", wafer em inglês.

Uma das faces de cada bolacha é seguidamente alisada e polida até se tornar um espelho extremamente plano e liso. É sobre este espelho que irão ser gravados os chips a fabricar. Qualquer irregularidade que ficar num espelho, por mais insignificante que seja, arruinará todo o trabalho subsequente.

Uma "bolacha" polida de silício, pronta a ser gravada

Entra-se então na fase mais delicada de todo o processo, que é o fabrico dos microcircuitos propriamente ditos na superfície alisada da bolacha de silício. Este fabrico é feito por vários processos, consoante a função que deverá desempenhar cada pedaço e cada traço da superfície da bolacha: fotolitografia, implantação de iões, gravação por ácido, "dopagem", deposição de filme fino, etc.

Uma "bolacha" de silício que, após ter sido fotolitografada e processada, está pronta para ser cortada em chips. Cada um dos quadrados que preenchem a "bolacha" é um chip, que depois de encapsulado irá dar origem a um circuito integrado. Neste caso os chips são todos iguais, mas podem ser diferentes. Os chips incompletos, que estão na periferia da "bolacha", deitam-se fora

Todos estes processos são extraordinariamente delicados e exigem equipamentos especiais que são astronomicamente caros. Quanto mais reduzidas forem as dimensões dos traços a imprimir no silício, maiores se tornam as dificuldades de fabrico e mais avultados serão os investimentos necessários.

Chegamos agora a um ponto tal, que até as empresas mais experientes neste domínio começam a não conseguir acompanhar a evolução conseguida por algumas das suas concorrentes mais diretas. É o caso da pioneira Intel, nomeadamente, que tem vindo a registar fracassos sucessivos nos últimos anos e está a ficar cada vez mais para trás nesta corrida por uma miniaturização sempre crescente. Entretanto, a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) já se prepara para lançar durante o ano de 2025 chips baseados em traços com 2 nanómetros de espessura. Lembremo-nos de que dois nanómetros são dois milionésimos de milímetro! A Apple e a Nvidia já lhe fizeram encomendas.

Só numa das faces da "bolacha" se faz a fotolitografia. Na outra face fica o substrato de silício em bruto como suporte físico da "bolacha". Se retirarmos muito cuidadosamente o substrato, fica apenas uma película fina e transparente com os desenhos gravados. Esta fotografia mostra uma tal película vista em contraluz, parecendo um vitral. Cada retângulo da imagem é um chip (Foto: KC Chng/AMD)

O engenheiro Lan Yin Lee retirou uma camada protetora a um chip e encontrou este labirinto de silício (Imagem obtida por microscópio eletrónico: Lan Yin Lee/AMD)

Comentários: 1

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Todo este processo de miniaturização é realmente fabuloso. E tem a sua poesia, reconheço.

Um abraço, Fernando!

11 dezembro, 2024 21:23  

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