28 março 2025

O primeiro faraó


As duas faces da chamada Paleta de Narmer, placa egípcia de siltito com formato de escudo, gravada com baixos-relevos em ambas as faces. Datada dos séculos XXXI ou XXXII antes de Cristo, mais século, menos século. Museu do Cairo, Egito
(Clicar na imagem para ampliá-la)

A paleta de Narmer é uma placa de siltito (uma rocha sedimentar, cuja granularidade se situa entre a do arenito e a da argila) que contém, em ambas as faces, baixos-relevos egípcios datados de há cerca de 5100 anos!

Segundo a maioria dos egiptólogos, Narmer foi o primeiro faraó que reinou sobre todo o Egito, depois de fazer a unificação do Alto Egito, que vai desde Assuão até ao delta do Nilo, com o Baixo Egito, que corresponde à região do delta. A seguir a Narmer, sucederam-se dinastias e mais dinastias de faraós, até à conquista do Egito por Alexandre o Grande no séc. IV A.C.

O nome deste faraó, Narmer, está inscrito em carateres hieroglíficos em ambas as faces da paleta, no topo, entre duas cabeças de bovino, o que não deixa qualquer margem para dúvidas sobre quem é o homenageado. Numa face da paleta, Narmer está representado como soberano do Alto Egito (a figura maior na face reproduzida à esquerda) e na face oposta como soberano do Baixo Egito. As "coroas" correspondentes, que ele ostenta na cabeça, devem significar isto mesmo.

A paleta de Narmer é de uma extraordinária violência, apesar da sua inquestionável qualidade artística. No baixo-relevo da esquerda, vê-se Narmer a preparar-se para desferir um golpe na cabeça de um homem que, aparentemente, agarra pelo cabelo. Trata-se, certamente, da morte de um rei inimigo às mãos do novo faraó.

Na face contrária da paleta, que se vê à direita, a violência é ainda maior. Na verdade, ela chega a ser arrepiante. Ao cimo e à esquerda, vê-se Narmer com a "coroa" do Baixo Egito na cabeça, avançando para a direita, no que parece ser um desfile em sua honra, porque à sua frente seguem vários homens segurando em altos paus o que poderemos interpretar como uma espécie de estandartes. Ainda mais à direita, e aparentemente sem relação com o desfile, vemos dez corpos deitados e sem cabeça! Observando melhor, as cabeças deles estão lá, mas representadas entre as pernas dos corpos!

Narmer foi o primeiro faraó do Egito, numa longuíssima lista de muitos mais faraós. Esta paleta, feita em sua honra, mostra-nos que as suas conquistas e o seu poder foram feitos à custa da morte de outras pessoas. Na verdade, todos os impérios se ergueram à custa da morte de muitas pessoas. Foi assim há mais de 5000 anos e é assim agora: todos os impérios assentam sobre uma pilha de cadáveres.

As paletas eram placas de pedra originalmente usadas no Egito para conterem cosméticos, à semelhança das paletas dos pintores, que contêm tintas de várias cores e permitem a mistura das tintas. A paleta de Narmer, porém, não parece ter sido feita com este fim, mas sim como placa votiva ou ritual. É uma das mais antigas obras da arte egípcia de sempre e está magnificamente bem conservada. Foi encontrada no Alto Egito no séc. XIX e encontra-se presentemente no Museu do Cairo.

Comentários: 2

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

É impressionante o belíssimo estado de conservação desta paleta. E não menos impressionantes são as figuras e as barbaridades que nos narra, Fernando.
Mas tem toda a razão: todos os impérios se erguem sobre pilhas de cadáveres...

Um abraço

28 março, 2025 10:44  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Eu não sei em que condições esta paleta foi encontrada, mas dado o seu magnífico estado de conservação, podemos supôr que ela tenha estado no interior de um túmulo, ou então permaneceu soterrada na areia do deserto, que a protegeu da erosão. De qualquer modo, a qualidade artística da paleta é extraordinária, se levarmos em conta a sua antiguidade, pese embora a barbárie que retrata, que, essa, é de todos os tempos.

Um abraço

30 março, 2025 03:22  

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