20 setembro 2025

O homem que busca estremecer


(Imagem de autor desconhecido)


Era um homem rico e tinha um filho que nunca estremeceu com nada. Dava-lhe o signo dele de ir passar muitas terras e não seria timorato, nunca teria medo a cousa nenhuma. Disse para o pai: «Meu pai dê-me o que me pertence, que eu cá vou viajar.» Deu-lhe moço e cavalo e dinheiro; chegou a uma terra; pediu se o acolhiam; disseram-lhe que não; que havia aí uma casa rica, mas que a família que não vivia lá; andava lá um diabo estoirando dentro das casas. Ele foi pedir à dona da casa se ela lá o deixava ficar; ela consentiu. Foi e tarde da noite ouviu dizer: «Eu caio.» Disse ele: «Cai para aí!» «Caio junto ou aos bocados?» «Cai aos bocados.» «Depois caiu uma perna; daí a bocado caiu outra e por fim caiu o resto. O rapaz disse: — «Da parte de Deus te requeiro que te ponhas a pé e digas o que queres.» Uniram-se as partes do corpo e ficou um homem que disse: «Eu sou o dono desta casa; possuía uma quinta alheia, que não me pertencia; se a minha mulher não a restituir, vou para o inferno e toda a minha família; se a restituir, vamos para o céu.» O rapaz disse-lhe: «Pois eu digo-lho e estou certo que ela a há de restituir.» — «Na adega está também um caneco cheio de dinheiro debaixo da cuba grande; vai buscar um ramo de oliveira para eu o ir lá pôr.» O rapaz foi buscar um ramo de oliveira e o medo foi o pôr na adega para se saber onde estava enterrado o dinheiro. Ao outro dia o rapaz foi ter com a viúva e disse-lhe todo o transe como se passara e que restituísse a quinta aos pobres a quem ela pertencia, senão vai o seu marido para o inferno e toda a sua família.» — «Pois, Senhor, fico-lhe muito obrigado.» Foram à adega e acharam no sítio onde estava o ramo de oliveira o dinheiro enterrado e nos sítios onde o tal sujeitinho tinha deixado as pegadas estava queimado no chão. A senhora disse‑lhe: «Há de demorar-se até fazermos entrega da quinta aos seus donos.» Depois que isso fizeram, disse a senhora ao rapaz: «Eu de mim não tenho que lhe dar, só se quer a minha filha.» Ele disse: O meu signo dá-me de andar ver muitas terras e eu quero ir solteiro para a minha terra. A filha disse: «Nós não temos nada que dar àquele senhor; demos-lhe um casal de pombas fechadas num gigo.» Ele levou o gigo e caminharam. Chegados a certo sítio disse o criado para o amo: «Ó meu amo! vamos a ver o que vai aqui; ele, o quer que é, bole.» O amo pegou no gigo, vai a desatá-lo e as pombas esvoaram-lhe por a cara e ele estremeceu; volta para casa agradecer à tal senhora o obséquio que lhe fez com o presente que lhe quebrou o fado e casou com a filha dela e depois voltou para a terra.



Conto popular recolhido em Ourilhe, Celorico de Basto, por Adolfo Coelho (1847–1919)

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