29 setembro 2025

Porque no mundo mengou a verdade

Porque no mundo mengou a verdade,
punhei um dia de a ir buscar,
e, u por ela fui [a] preguntar,
disserom todos: — Alhur la buscade,
ca de tal guisa se foi a perder
que nom podemos en novas haver,
nem já nom anda na irmaindade.

Nos moesteiros dos frades negrados
a demandei, e disserom-m'assi:
Nom busquedes vós a verdad'aqui,
ca muitos anos havemos passados
que nom morou nosco, per bõa fé,
[nem sabemos u ela agora x'é,]
e d'al havemos maiores coidados.

E em Cistel, u verdade soía
sempre morar, disserom-me que nom
morava i havia gram sazom,
nem frade d'i já a nom conhocia,
nem o abade outrossi, no estar,
sol nom queria que foss'i pousar,
e anda já fora d[a] abadia.

Em Santiago, seend'albergado
em mia pousada, chegarom romeus.
Preguntei-os e disserom: — Par Deus,
muito levade'lo caminh'errado!
Ca, se verdade quiserdes achar,
outro caminho convém a buscar,
ca nom sabem aqui dela mandado.

Airas Nunes, trovador galego do séc. XIII

NOTA
[nem sabemos u ela agora x'é,] — verso que falta nos manuscritos que chegaram até aos nossos dias, reconstituído pelo prof. Rodrigues Lapa


GLOSSÁRIO
mengou — minguou
punhei — esforcei-me
u — onde
alhur — alhures, noutro lugar
ca — pois
guisa — maneira
en novas — notícias sobre esse assunto
frades negrados — frades vestidos de negro, da ordem beneditina
nosco — connosco
al — outras coisas
Cistel — Cister (ordem religiosa)
soía — era frequente
i — aí
gram sazom — muito tempo
sol nom — nem mesmo
romeus — romeiros
ca nom sabem aqui dela mandado — porque aqui nada sabem dela



O mundo mengou a verdade, sirventês (género poético medieval) do trovador galego Airas Nunes (séc. XIII), musicado por Xosé Quintas-Canella e interpretado pelo agrupamento DOA, da Galiza

Comentários: 0

Enviar um comentário