09 novembro 2025

Se eu podesse desamar

Se eu podesse desamar
a quem me sempre desamou
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
          se eu pudesse coita dar
          a quem me sempre coita deu.

Mais sol nom poss'eu enganar
meu coraçom que m'enganou,
per quanto mi fez desejar
a quem me nunca desejou.
E por esto nom dórmio eu,
          porque nom poss'eu coita dar
          a quem me sempre coita deu.

Mais rog'a Deus que desampar
a quem m'assi desamparou,
ou que podess'eu destorvar
a quem me sempre destorvou.
E logo dormiria eu,
          se eu podesse coita dar
          a quem me sempre coita deu.

Vel que ousass'en preguntar
a quem me nunca preguntou,
por que me fez em si cuidar,
pois ela nunca em mi cuidou;
e por esto lazeiro eu:
          porque nom posso coita dar
          a quem me sempre coita deu.

Pero da Ponte (séc. XIII), segrel galego


GLOSSÁRIO
coita — dor, mágoa, sofrimento
sol nom — nem mesmo
vel — pelo menos
ousass'en preguntar — ousasse perguntar sobre isso
lazeiro — em sofrimento



Se eu pudesse desamar, por Pedro Barroso (1950-2020); música de Pedro Barroso para uma cantiga de amor de Pero da Ponte

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