Terras raras
As terras raras têm sido nos últimos tempos motivo para acaloradas discussões nas redes sociais e órgãos de comunicação. Há quem lhes chame "minerais raros", "materiais raros", "substâncias raras" e até já houve quem dissesse que eram "terrenos"! Há quem chame terras raras ao lítio, ao magnésio, ao titânio ou a qualquer outro elemento que julgue ser raro na Natureza ou que tenha importância estratégica.
A fim de ajudar a esclarecer esta questão, reproduz-se em seguida um texto explicativo do Prof. Galopim de Carvalho, publicado no blog Sorumbático.
Terras-raras é hoje um tema actualíssimo no discurso a circular nos media, sem que muitos dos que falam e escrevem e muitos mais dos que ouvem e lêem, tenham conhecimento do que são. Podia não ser assim, mas lamentável e tristemente é esta a nossa realidade. Há décadas que a nossa escola tem vindo a dar diplomas, nas não deu e continua a não dar cultura, seja humanística, seja a científica. É claro que há excepções, mas é da generalidade que estou a falar.Acontece que, em finais do século XVIII, quer para os químicos como para os mineralogistas, os óxidos da maioria dos metais constituíam um grupo então designado por “terras”, “jorden”, para os suecos, “Erde”, para os alemães, “earth”, para os ingleses, e “terre”, para os franceses. Nós, os portugueses, continuávamos distraídos e já, nessa altura, éramos um povo atrasado, na cauda da Europa.
Face ao qualificativo “raras”, toda a gente será levada a pensar que se trada de substâncias que ocorrem em quantidades ínfimas, mas não é o caso. Por serem de difícil separação e por serem apenas conhecidos em minerais oriundos da Escandinávia, foram então (estamos a falar de finais do século XVIII, nos alvores da Química e da Mineralogia) considerados "raros", qualificação ainda hoje utilizada, apesar de alguns deles serem relativamente abundantes na crosta terreste. Todos eles são mais abundantes do que metais como a prata e o mercúrio, por exemplo.
Os metais destas “terras”, ou seja, destes óxidos, são, de acordo com o que a Química nos ensina, um grupo de 17 elementos da Tabela Periódica dos Elementos Químicos, dos quais, 15 pertencem ao grupo dos chamados lantanídeos, isto é, os que ali vão do lantânio ao lutécio, aos quais se juntam o escândio e o ítrio, todos eles elementos que ocorrem nos mesmos minérios e apresentam propriedades físico-químicas semelhantes.
As principais fontes com interesse económico para serem exploradas são alguns minerais relativamente raros (cujos nomes, para quem quiser saber, se indicam no final do texto) e certas argilas ricas em óxido de ferro, qualificadas de lateríticas.
Apesar da sua abundância relativamente elevada, como se disse atrás, os minerais das terras-raras são mais difíceis de explorar do que os minerais de metais como o cobre, o chumbo, o zinco e muitos outros. Esta dificuldade torna os metais das terras-raras relativamente caros, pelo que o seu uso industrial foi limitado até serem desenvolvidas técnicas de separação de alto rendimento, tais como, cristalização fraccionada, troca iónica, em meados do século XX.
As terras-raras têm aplicação em grande variedade de modernas tecnologias de ponta, mais que evidente interesse económico, justificativo duma procura que ressalta nos noticiários de todos os dias.
Para os geólogos, as terras-raras ajudam a conhecer as fontes magmáticas de certas rochas, permitem datar alguns minerais, entre os quais, certas granadas, através da abundância relativa do par neodímio/samário. Mas o seu interesse científico não fica por aqui. Alarga-se a determinados campos da Biologia, da Medicina e outros.
Estima-se que grande parte das terras-raras esteja localizada na Ásia, com especial destaque para a China.
Cientistas de finais do século XVIII, a que se refere o texto acima:
Karl Wilhelm Scheele, (1724-1786), químico sueco;
Torbern Olof Bergman (1749-1817), químico e mineralogista sueco;
John Lukas Woltersdorf (1721-1772), mineralogista alemão;
Joseph Priestley (1733- 1804), químico inglês);
Antoine Lavoisier (1743.1794,) químico francês.
Principais minerais com elementos da terras-raras:
monazite, bastnasite, xenothyme e loparite. Se quiser saber o que são, procure facilmente na net.
O grupo das terras-raras inclui os seguintes elementos químicos:
Lantânio, Cério, Praseodímio, Neodímio, Promécio,
Samário, Európio, Gadolínio, Térbio, Disprósio,
Hólmio, Érbio, Túlio, Itérbio, Lutécio, Escândio e Ítrio.
Nota: A Tabela Periódica é uma disposição sistemática de pouco mais de uma centena de elementos químicos, iniciada pelo químico russo Dmitri Mendeleev, em 1869.
A. M. Galopim de Carvalho
Permitam-me que acrescente algumas notas complementares ao texto do eminente Professor Galopim de Carvalho, acima transcrito.
O lítio, que é usado sobretudo para fabricar baterias de todos os tamanhos e feitios, não é uma terra rara. Se olharmos para a Tabela Periódica dos Elementos, veremos que o lítio está no canto superior esquerdo da tabela, logo abaixo do hidrogénio. É o metal mais leve que existe, mas não aparece em estado puro na Natureza, porque reage com a água e a atmosfera. É alcalino, tal como os outros metais situados na mesma coluna da Tabela Periódica: sódio, potássio, rubídio, césio e frâncio.
As terras raras ocupam a terceira coluna da Tabela Periódica e possuem propriedades muito diferentes do lítio. São terras raras o escândio, o ítrio e uma série de elementos chamados lantanídeos, já identificados pelo Prof. Galopim de Carvalho. Os actinídios (de entre os quais o urânio e o plutónio são os mais conhecidos) são elementos radioativos e, embora também figurem na terceira coluna da Tabela Periódica, não costumam ser chamados terras raras.
As aplicações que se podem fazer das terras raras são muitas e variadas, o que justifica plenamente o seu valor económico. Só para dar um punhado de exemplos, refiramos que o itérbio é usado no fabrico de lasers empregues nas redes óticas de telecomunicações; o érbio é utilizado no fabrico de amplificadores óticos, nomeadamente nos cabos óticos submarinos; o praseodímio e, sobretudo, o neodímio têm propriedades magnéticas extraordinárias e sem eles a mobilidade elétrica não seria possível; o neodímio, além do mais, é usado no fabrico de lasers; etc. Não admira, por isso, que as terras raras sejam objeto de enorme cobiça.
As terras raras não são raras; o que elas estão, é mal distribuídas pelo mundo. Por si só, a China detém mais terras raras do que todos os outros países do planeta somados! Podemos dizer, sem exagero, que neste domínio o mundo está praticamente dependente da China. A busca por fontes alternativas de terras raras que façam diminuir a dependência da China é, por isso, da maior importância. Os países devem diversificar as suas fontes de fornecimento seja do que for, para que não fiquem dependentes de um só país, por muito amigo que este país seja, mas este é um assunto que já é do domínio da geopolítica e não da ciência.
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