20 maio 2006

José Luandino Vieira, Prémio Camões 2006

Luandino Vieira«De todos os cantos da prisão chegaram vultos que se sentaram, silenciosos, à volta do irmão a morrer. Um moço tirou seu velho casaco de fardo e cobriu com ele o peito pisado e rebentado do tractorista. Só a cara estava agora descoberta, banhada na luz da lua entrando na janela. O velho bêbado continuou a choramingar no seu canto. A lua espreitava nas frinchas, nas janelas altas, e veio cobrir na cara serena e tranquila de Domingos Xavier. O sangue foi correndo, noite fora, cada vez com mais devagar, respiração cada vez mais fraca, a cara esmagada virando naquela cor esbranquiçada da morte. O moço que estava espreitar atrás de várias cabeças arriscou mesmo baixinho:

- Aiuê! Parece é, tá dormir ainda...

Verdade mesmo, Domingos Xavier dormia para os seus irmãos, feliz em sua morte, de madrugada, com a luz da lua da sua terra a sair embora para contar depois, todas as noites, a história de Domingos Xavier.»

(José Luandino Vieira, in A Vida Verdadeira de Domingos Xavier)

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