01 agosto 2006

Lenda índia do Brasil

Ilustração de Marcos Jardim
"É imenso, variado e pitoresco o lendário indígena criado em torno da lua cheia. Uma das suas mais interessantes manifestações encontra-se entre os índios Inay e me foi narrada pelo paulista Pedro Faber Halembeck, que com eles convive e se faz revelador de seus costumes bem como de um curioso sistema de contagem pelas rotações do sol. Vede como é delicioso em sua ingenuidade este conto colhido entre os índios Inay, esta umbesáua cheia ao mesmo tempo, de ternura e malícia:

OS MARIDOS DA LUA

O indiozinho deitado na rede de tucum, está quase dormindo. A índia moça canta junto, sob uma árvore uma coisa esquisita que ninguém entende. De repente, um raio da lua, sem pedir licença entra pelas folhas e vai bater na rede em que o indiozinho está quase dormindo.

O menino esfrega os olhinhos espia pela fresta e aponta para o alto, perguntando o que é aquilo redondo, bonito, prateado, que esta lá em cima no céu...

E a mãezinha dele explica. Explica lá na sua língua, que ninguém entende. Aquilo é a moça lua. Sim, a moça lua. Uma moça que tem dois maridos. O primeiro é um tipo mau, escasso, brabo. Nada lhe dá pra comer. Promete-lhe surras. E a pobrezinha vai ficando magra, delgada, fina, doentinha que é uma tristeza. Faz até dó. A gente olha cá de baixo e vê a coitadinha. Parece um esqueleto, um esqueletinho curvo, suspenso no céu.

Quando ela já está quase na espinha aparece então o outro marido. Esse é bonzinho meigo, carinhoso. Leva-a para casa. Trata bem dela. Dá-lhe ervinhas macias, frutas gostosas, leite de castanha. E a lua começa então a engordar e a ficar outra vez bonita, nova, clara, leitosa, redonda como uma bola que a noite iluminasse com leite.

É assim como essa imaginação fácil, curiosa e espontânea que a mãe do indiozinho lhe ensina aquilo que nós por aqui, chamamos quarto minguante e quarto crescente, isto é, as fases da lua no seu movimento de translação em torno da terra.

(ORICO, Osvaldo. Vocabulário de crendices amazônicas)"


In Jangada Brasil, Nº 18, Fevereiro de 2000


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