As Hipermulheres
Trailer legendado em inglês do filme As Hipermulheres, de Takumã Kuikuro, rodado em 2011 na aldeia Ipatse, do povo índio Kuikuro, no Alto Xingu, Brasil
Depois de eu ter postado Os índios do Brasil vistos pelos próprios, em que dou a ver uma curta-metragem de ficção feita por índios do Xingu chamada Língua do Peixe, recebi um comentário de Bernard Belisario, que foi quem, juntamente com o realizador índio Takumã Kuikuro, orientou a oficina de cinema da qual resultou a referida curta-metragem. Nesse comentário, Bernard Belisario recomendou-me um outro filme de Takumã Kuikuro, chamado As Hipermulheres. Vi o filme e fiquei fascinado. Era excelente. Achei que este outro filme tinha que aparecer neste blog, mais tarde ou mais cedo, desse por onde desse. Aqui está ele.
A minha curiosidade pela vida, pela cultura e pelas lutas de resistência dos povos indígenas do Brasil tem sido, de vez em quando, despertada pela leitura de algum artigo de jornal ou de revista ou pelo visionamento de um ocasional programa de televisão. Assim tem sido ao longo dos anos. Mas agora, graças à Internet, tenho podido satistazer a minha curiosidade de forma muito mais cabal. Com o passar do tempo, a curiosidade acabou por se transformar em interesse e este interesse vai sendo cada vez maior, à medida que aprendo novas coisas sobre esses povos. Por fim, quando me deparo com o entusiasmo manifestado em relação aos índios brasileiros, por parte de personalidades tão relevantes como o general Rondon, os irmãos Villas-Bôas ou Darcy Ribeiro, sinto-me também um pouco contagiado por esta sua paixão.
Tudo isto vem a propósito da multiplicação de posts sobre os índios do Brasil que tenho vindo a publicar neste blog. Que querem? Acabei por ficar fascinado pelos índios, pela sua cultura, pela sua filosofia de vida, pelas lutas que travam em defesa dos seus direitos, apesar de viver nesta outra margem do Atlântico e de nunca ter posto os pés no Brasil. E tenho muito mais material que gostaria de publicar, tanto que quase daria para fazer um blog inteiro só sobre índios... Muita coisa vai ter que ficar de fora, pois quero manter este blog tão diversificado quanto possível.
Este é, pois, mais um post sobre índios do Brasil, desta feita por recomendação de Bernard Belisario, e que propositadamente reservei para este Dia Internacional da Mulher. Trata-se do filme As Hipermulheres, feito em 2011 na aldeia Ipatse, do povo Kuikuro ou Kuhi Ikugu, no Alto Xingu, pelo realizador Takumã Kuikuro, o antropólogo Carlos Fausto e o editor Leonardo Sette.
Jamurikumalu (frequentemente chamado também yamurikumã) é um ritual em que as mulheres de uma aldeia "tomam o poder" e afastam os homens. Durante este ritual, as mulheres assumem o controlo da situação, tratam os homens com ares de desafio, usam adornos tipicamente masculinos, empregam as armas que os homens costumam empregar, lutam entre si nas lutas tradicionais xinguanas que os homens costumam lutar e que são chamadas huka-huka, etc.
As Hipermulheres não é um filme de ficção. Também não é um documentário etnográfico no sentido convencional e aborrecido do termo. É um documentário, sim, mas em que se vai acompanhando, de forma viva e animada, como se conseguiu recuperar, in extremis, todo o conjunto de cantos e de danças tradicionais da aldeia, empregue nos ritos do jamurikumalu. Por pouco se tinha perdido para sempre este acervo, porque só uma mulher em toda a aldeia o sabia e esta mulher estava gravemente doente. Felizmente, esta mulher conseguiu transmitir às restantes todas as danças e canções próprias do jamurikumalu. O jamurikumalu acabou por ser feito na íntegra e assistimos no filme à interpretação dos seus cantos e danças num belíssimo e emocionante final.
Há ainda um aspeto sobrenatural que está ligado à mitologia dos Kuikuro e que está subjacente ao ao ritual do jamurikumalu e à vida dos Kuikuro em geral. Bernard Belisario aborda-o numa sua comunicação a um encontro que houve sobre cinema, a qual tem por título Os lugares do bicho-espírito e que se encontra em http://www.academia.edu/8616551/Os_lugares_do_bicho-esp%C3%ADrito.
E agora, sim, assistamos ao filme As Hipermulheres.
As Hipermulheres, filme de Takumã Kuikuro
Comentários: 4
Maravilha! Maravilha! Maravilha!
Concordo plenamente, "Chama a Mamãe".
O nome dado ao Amazonas, como sabe, deveu-se ao facto de o conquistador espanhol Francisco de Orellana ter afirmado que, nas margens do rio, combateu e foi derrotado por uma tribo de mulheres guerreiras, que não aceitavam a presença masculina. Baseado neste relato, o imperador Carlos V batizou o rio com o nome de Amazonas, que era o nome dado a mulheres guerreiras da mitologia grega. Ver, por ex., em http://pt.wikipedia.org/wiki/Icamiabas. Quem Orellana talvez tenha combatido, teriam sido mulheres que estavam a celebrar o ritual do yamurikumalu ou yamurikumã.
Uma coisa assim, humana, demasiado humana, só poderia mesmo encontrar em “A Matéria do Tempo” um blog excepcional e profundamente Humano!
Vou levar a postagem para Cores & Palavras, se me permitir, fazendo referência ao seu blog, claro.
Não é por acaso que o moto deste blog é o verso de Sophia: “De tudo quanto vejo me acrescento” e eu acrescentaria a voz de Públio Terêncio: “Sou homem: nada do que é humano me é estranho.” (Homo sum: nihil humani a me alienum puto).
Kandandu
N. F.
Agora fiquei corado, amigo Namibiano. Eu limitei-me a postar um vídeo que me recomendaram. Nem sequer o descobri. É claro que pode levar a postagem para onde quiser. Esta ou qualquer outra que desejar.
Retribuo o kandandu
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