05 janeiro 2016

«Juntei-me um dia à flor da mocidade»

Juntei-me um dia à flor da mocidade
partindo para Angola no Niassa
a defender eu já não sei se a raça
se as roças de café da cristandade

a minha geração tinha a idade
das grandes ilusões sempre fatais
que não chegam aos anos principais
por defeito da própria ingenuidade

a guerra era uma coisa mais a Norte
de onde ela voltaria havendo sorte
à mesma e ancestral tranquilidade

azar de uns quantos se pagaram porte
esses a que atirou a dura morte
diz-se que estão na terra da verdade

Lisboa, 28 de abril de 1994

Fernando Assis Pacheco

Partida de tropas portuguesas de Lisboa para Angola, em 1962 (Foto de autor desconhecido)

Comentários: 3

Blogger Chama a Mamãe! escreveu...

Todas as guerras são sem sentido, ainda que alguns levem n´alma a espada embainhada de patriotismo, levam os corações ensanguetados de saudades, desde a partida.

05 janeiro, 2016 16:23  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Para ajudar a compreender melhor este poema de Fernando Assis Pacheco, talvez convenha explicar um ou dois aspetos do amargo sarcasmo que ele contém.

Assim, quando o poeta fala da raça, está a referir-se ao caráter fascista da ditadura de Salazar. À imagem e semelhança do que faziam os fascistas italianos e os nazis alemães, a máquina de propaganda da ditadura em Portugal também enaltecia a raça... portuguesa. Como se tal coisa existisse! Depois do início da guerra colonial em 1961, a ditadura abandonou oportunisticamente o discurso da raça, para passar a proclamar que Portugal era uma nação multirracial e que as suas colónias eram parte integrante do seu território.

Com a sua referência às roças de café da cristandade, Fernando Assis Pacheco põe a ridículo a reiterada afirmação, por parte da ditadura, de que Portugal defendia em África a civilização cristã contra o comunismo ateu.

Fernando Assis Pacheco foi um poeta e jornalista nascido em Coimbra, que teve uma vida boémia, pelo menos em parte. Durante o seu serviço militar obrigatório, Pacheco foi enviado para Angola, logo no início da guerra colonial, em 1961 ou 1962. Esteve colocado durante algum tempo na zona mais "quente" da guerra, concretamente em Nambuangongo, no norte de Angola. Apesar de ser militar e de ter estado debaixo de fogo em diversas situações de combate, Fernando Assis Pacheco recusou-se sempre a empunhar uma arma. Andou sempre desarmado, para onde quer que fosse e fossem quais fossem as circunstâncias. A guerra marcou-o profundamente com o seu cortejo de horrores, razão pela qual ela está presente em muita da sua poesia.

06 janeiro, 2016 02:15  
Blogger Chama a Mamãe! escreveu...

Obrigada. Só reforça o que penso sobre... guerras. Tem sempre um objetivo obscuro, que não pe aquele dito às tropas.
A sua "aula" valeu um semestre em banco de escola!
(claro está que não me refiro a todas as instituições de ensino)

06 janeiro, 2016 13:47  

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