22 agosto 2025

Uma inofensiva batalha musical


Batalha de 6.º Tom, do compositor português Pedro de Araújo (c. 1640 – 1705), pelo organista espanhol Arturo Barba Sevillano, tocando o órgão fabricado em 1706 do Monasterio de las Huelgas Reales, Valladolid, Espanha. Segundo Jorge Alves Barbosa, esta batalha organística é composta pelas seguintes partes:
— Exortação;
— Apresentação dos exércitos;
— Parte central, mais idílica;
— Batalha propriamente dita;
— Toque de vitória e exultação final

20 agosto 2025

A Árvore

Árvore, — amiga constante,
Desde o berço à sepultura!
Bendita a mão que te plante,
Bendita a voz que te cante,
Bendita sejas na altura!

Estende à luz os teus ramos,
Onde a harmonia se gera!
Perfuma o ar que aspiramos…
— Dá-nos flor na primavera!

Cobre de verde folhagem
Teus braços, docel sombrio!
Abranda a calma da aragem…
— Dá-nos a sombra do estio!

Os teus pomos ao Sol cora…
E pensa que ao abandono
Há muita boca que implora:
— Dá-me o teu fruto no Outono!

Em vindo a dura inverneira,
Seja o teu gesto mais terno!
Dá-nos calor na lareira…
— Dá-nos a lenha no inverno!

Bendita seja a constância
Que há na tua proteção!
Árvore, — amor e abundância! —
— Deste-me o berço na Infância!
Dá-me na Morte o caixão!

João Saraiva (1866–1948)

in Líricas e Sátiras, edição Renascença Portuguesa, Porto, 1916


Castanheiros (Foto de autor desconhecido)

18 agosto 2025

Noite infernal

Esta mágoa em noite de cacimbo
martela lentamente o pensamento
no instante em que ruge o avião
partindo o silêncio com estrondo…
as bombas vomitando o fogo
que a combustão do napalm espalha
nas aldeias de fantasmas famintos
que matam todas as esperanças
da gente pobre e franzinas crianças
que tentam fugir de qualquer jeito
— vergonha da pátria sem o proveito!

Meus olhos brilharam de espanto
ao verem a sanzala em chamas…
ali sufocadas no calor das labaredas
ficaram as crianças de choro abafado,
bombas a rasgar sulcos nas veredas
por onde se arrastavam os corpos
queimados num sofrimento danado.

Quando a consciência salta o orvalho
por um lapso de tempo vi o inferno
com as bombas riscando os céus…
o rebentamento de efeito medonho
rasgou as palhotas com gente dentro
e o aniquilamento daquela sanzala
deixou-me preso à sequência da morte
com a garganta presa e sem fala.

Um cheiro intenso ataca as narinas
perde-se a seiva nas balas de fogo
e dilui-se o medo do alastramento
de tantas queimadas feitas à toa…
o absurdo de quem manda no jogo
está muito longe, talvez em Lisboa!

Onzo, Norte de Angola, 1962

Joaquim Coelho, antigo combatente das tropas especiais de intervenção, in O Despertar dos Combatentes, Clássica Editora, Lisboa, 2005


Avião militar Lockheed PV-2 Harpoon (Foto de autor desconhecido)

16 agosto 2025

Misty


Misty, um tema de jazz da autoria de Errol Garner, por Bob Brookmeyer no trombone, Stan Getz no saxofone tenor, Herbie Hancock no piano, Gary Burton no vibrafone, Ron Carter no contrabaixo e Elvin Jones na bateria. Gravado em 1964

14 agosto 2025

Concerto para guitarra n.º 1 de Mauro Giuliani


Concerto para Guitarra Clássica e Orquestra de Cordas N.º 1 em Lá Maior, op. 30 do compositor italiano Mauro Giuliani (1781–1829), pelo guitarrista eslovaco Karol Samuelčík e o Quarteto Mucha, de Bratislava, Eslováquia

12 agosto 2025

Como é ser criança entre os índios Yudjá do Alto Xingu


Waapa, documentário com cerca de 21 minutos de duração, sobre a educação tradicional das crianças entre os índios Yudjá da aldeia Tuba Tuba, no Parque Indígena do Xingu, estado do Mato Grosso, Brasil

09 agosto 2025

Júlio


Família, óleo sobre tela de Júlio (1902–1983). Coleção particular

Pintura, óleo sobre cartão de Júlio (1902–1983). Fundação Mário Soares e Maria Barroso, Lisboa
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Noturno, óleo sobre cartão de Júlio (1902–1983). Câmara Municipal de Vila do Conde, Vila do Conde
(Clicar na imagem para ampliá-la)

O Burguês e a Menina, óleo sobre cartão de Júlio (1902–1983). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, LIsboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Júlio Maria dos Reis Pereira foi irmão do escritor José Régio, pseudónimo literário de José Maria dos Reis Pereira. Ambos nasceram em Vila do Conde, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, sendo José cerca de um ano mais velho do que Júlio. José nasceu em 1901 e Júlio em 1902.

Enquanto José Régio foi sobretudo um escritor, que por vezes também pintava e desenhava, Júlio Reis Pereira tornou-se sobretudo artista plástico (assinando as suas obras como Júlio), que por vezes também escrevia poesia (com o pseudónimo de Saul Dias). Ambos os irmãos pertenceram a um movimento literário e artístico veiculado pela influente revista Presença, que se publicou em Coimbra entre 1927 e 1940 e na qual tiveram participação ativa.

Júlio licenciou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, ao mesmo tempo que frequentava o Curso Preparatório da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, mas não concluiu os seus estudos artísticos. Contudo, foi como artista que Júlio mais se distinguiu, nos domínios da pintura, desenho, etc. Pertenceu à segunda geração modernista portuguesa.

Júlio passou muitos anos da sua vida em Évora, onde foi um entusiástico colecionador e defensor da olaria tradicional do Alentejo, nomeadamente dos barros de Estremoz. Em 1972 voltou para Vila do Conde, onde faleceu em 1983.

07 agosto 2025

Polonaise n.º 6 de Chopin


Polonaise n.º 6 em lá bemol maior, op. 53, Heróica, do compositor polaco Frédéric Chopin (1810–1849), pelo pianista Artur Rubinstein (1887–1982), também polaco

05 agosto 2025

O autor aos seus versos

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765–1805)


(Foto de Marco)

01 agosto 2025

Vem, cacimbo


Vem, cacimbo
Estende teus dedos anelados sobre a minha carapinha
derrama a tua inconsciente tranquilidade
sobre a minha angústia submergida.

Vem, cacimbo
eu quero ver os cafeeiros ao peso dos bagos vermelhos
endireita os troncos vencidos dos bambus
coroa os cumes altos das serras do Bailundo
limpa a visão empoeirada dos comboios que descem para
[Benguela
nimba poeticamente os horizontes dos camionistas de
[Angola.

Vem, cacimbo
debruça-te cuidadosamente sobre as plantas da
[madrugada,
destrói a angústia resignada das gentes da minha terra
abre-lhes os horizontes dos cantos de esperança.

Vem, cacimbo
Derrama a tua inquieta saciedade sobre a minha natureza
a esta hora empoeirada com o barulho das esquinas
com o cheiro a óleo sujo dos automóveis
e com a visão daquele nosso amigo
cujo ordenado são quinze escudos diários
irremediavelmente caido sobre a grama do jardim

Ó cacimbo
eu quero percorrer teus campos sossegados
orquestrados pela alegria do beija-flor.

Henrique Guerra (1937–2023), poeta angolano


Cacimbo (do quimbundo kixibu) - Nome dado em Angola à estação do ano seca e fria; na planície litoral do país, sobretudo, esta estação do ano costuma ser caracterizada por nevoeiros, que também são chamados cacimbo, e por nuvens baixas que ocultam o sol por vezes durante semanas


Cacimbo em Angola (foto de autor desconhecido)