12 dezembro 2018

Espinho e as suas igrejas matrizes


Em 1909, a primitiva igreja matriz de Espinho foi engolida pelo mar (Foto de autor desconhecido)

Espinho é uma cidade cujas origens remontam a um pequeno conjunto de casas de madeira, construídas sobre estacas em cima do areal da praia. Estas casas, chamadas palheiros, eram ocupadas sazonalmente por pescadores vindos, certamente, de Ovar, Furadouro e outras localidades da Ria de Aveiro. A fixação de população residente em Espinho, vivendo, portanto, de forma permanente nos tais palheiros, deve remontar ao séc. XVIII. Poderíamos, por isso, dizer que Espinho é uma cidade praticamente sem História, de origem recente e de raízes extremamente humildes. Poderíamos dizer, mas não podemos. O mar encarregou-se de fazer História em Espinho, e que História!

Por razões que desconheço, o mar começou a investir violentamente contra Espinho em 9 de março de 1869, a fazer fé no que consta do blog d'Espinho Viva. Um professor de Ciências Naturais que tive no liceu e que era geólogo, asseverava que uma tal investida do mar sobre Espinho se devera à construção do porto de Leixões. Ora em 1869 o porto de Leixões ainda não tinha sido construído. Uma outra razão terá havido para o ataque do mar sobre Espinho, que não o ainda inexistente porto na foz do Rio Leça.

Seja qual for a razão para a fúria do mar em Espinho, o que é certo é que durante as décadas que se seguiram ele avançou pela terra dentro, engolindo casas e ruas inteiras, incluindo a modesta igreja matriz da então pequena vila. Ainda segundo o blog d'Espinho Viva, o mar avançou 185 metros pela terra dentro entre os anos de 1869 e 1913! A igreja da vila foi engolida pelas ondas em 1909, havendo algumas dramáticas fotografias do acontecimento. Julgo ter lido há bastante tempo que as pedras que constituiram as paredes desta igreja podem ser vistas no fundo do mar, a uma distância de cerca de trinta metros da atual linha de costa, mais ou menos em frente à Rua 19.

Seria de esperar que, perante um tão furioso mar, a população de Espinho abandonasse a vila e se mudasse para paragens mais seguras, mas tal não aconteceu. Espinho já se tinha vindo a tornar uma estação balnear de eleição, beneficiando do facto de estar ligada diretamente por caminho de ferro a Lisboa, Porto e Viseu e de a sua estação se encontrar bem no meio da vila. Quem desembarcasse do comboio em Espinho, logo teria à sua volta uma oferta de hotéis e de pensões para as mais diversas bolsas, além de um casino para as bolsas mais abastadas. Espinho já não tinha só praia; tinha uma vida social intensa, que fazia esquecer a fúria do mar. E foi assim que a vila cresceu e continuou a crescer.

Havia que construir uma nova igreja matriz para Espinho, que substituísse o pequeno templo que o mar engoliu. Foi o que se materializou na década de 30 do séc. XX. O projeto da nova igreja matriz de Espinho foi da autoria do arquiteto Adães Bermudes, um dos mais destacados arquitetos portugueses do seu tempo. Adães Bermudes concebeu um templo grande e airoso, que foi erguido bastante longe do mar. O arquiteto seguiu a corrente dominante nessa época, em que o Estado Novo se tinha imposto triunfante ao país: a glorificação do passado e um revivalismo medieval. Alinhando com este revivalismo, Adães Bermudes projetou então uma igreja neorromânica, inspirada, segundo me parece, nas igrejas românicas francesas e da Europa Central em geral, e não nas igrejas românicas portuguesas, que geralmente são muito mais rústicas. O que ficou feito em Espinho foi obra asseada. A atual igreja matriz, que é dedicada a Nossa Senhora da Ajuda, padroeira da cidade, é o único monumento digno desse nome que em Espinho existe e não envergonha ninguém.


A atual igreja matriz de Espinho (Foto: *rosam@r)

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