Na Fazenda Bombo, Mucondo, Norte de Angola
“
”O meu primeiro contacto com os trabalhadores da fazenda, que distava cinco minutos do quartel do Mucondo, aconteceu numa dessas protecções aos trabalhos do amanho das terras de cultivo do café. Mais propriamente, naquela altura, cortar o capim que brotava espontâneo em volta dos pés dos cafeeiros, retirando-lhes a força necessária ao desenvolvimento do arbusto e dificultando o trabalho da apanha quando mais tarde viesse a ocorrer.
Eram cerca de trinta apinhados no camião da fazenda. Maltrapilhos de pé descalço, olhos tristes raiados de vermelho e ainda meio ensonados, que resumiam fulgores duma ressaca abruptamente interrompida na madrugada, mal o sol raiava os primeiros prenúncios de claridade, antevendo o braseiro sufocante que se estenderia pelo dia inteiro. Armados de catana, instrumento universal que lhes servia para tudo, até para fazer a guerra, encostavam-se uns aos outros, cotovelo apoiado no joelho e mão segurando a cabeça ainda pesada, cochilando réstias de um último sono que dormitavam até ao local de trabalho. A picada mal tratada agitava o camião em balanços que dificultavam o curtir dos últimos vapores instilados em mais uma noitada de Nocal ou Cuca (cervejas angolanas) de mistura com fumos inalados em grupo de um mesmo cigarro de ervas de feitiço que ajudavam a esquecer mais um dia vazio de esperança de nada esperar.
À chegada a ordem veio bruta, inesperada e ameaçadora de um capataz abrutalhado que os trazia como rebanho e se derretia subserviente quando falava comigo, para logo cuspir fogo e outras incandescências quando se virava para o pessoal que chefiava no trabalho.
— Tudo p´ró chão, cambada de preguiçosos…, que continuava com uma interminável ladainha quejanda na indignidade e prepotência. Aquele vociferar ameaçador acordava-os repentinamente do sono que traziam ainda desde a fazenda, levando a que se levantassem apressados empurrando-se uns aos outros na descida do camião, deixando perceber conhecerem bem as consequências do não cumprimento imediato das ordens que vinham do capataz.
Ainda o desfile de impropérios não tinha terminado, e já todos se alinhavam no chão, qual tropa romana disciplinada de arma na mão pronta para qualquer missão, ainda que submissa apontando para o chão, aguardando a distribuição das tarefas que sem parar lhes eram destinadas sem perda de tempo. Em minutos todos trabalhavam com uma eficácia que me deixava perplexo, enquanto o “Montijo” ia distribuindo o pessoal por pontos estratégicos que garantissem a segurança de todos.
Com um pequeno pau, que alguns já traziam de casa e outros fabricavam no momento no arbusto mais próximo, inclinavam ligeiramente um molhe de capim, para, acto contíguo, aplicarem uma catanada certeira que o desbastava com uma enorme eficiência, para logo, de forma automática, uma nova molhada se vergar e cair decepada no chão. Eram autênticas máquinas que ali me fizeram lembrar os ceifeiros e ceifeiras alentejanos, nos tempos da ceifa do trigo à torreira do sol nas planícies do Alentejo.
O capataz, percebendo o meu silêncio enquanto assistia ao descarregar da “manada”, sentiu necessidade de alguns esclarecimentos, enquanto limpava o suor abundante da testa e alguma espuma do canto da boca por tão empolgado esforço matinal.
— Isto sr. Alferes, esta malta, são piores que animais. Só se querem assim.
O assim de facto incomodava-me.
Eu era ali um novato completamente fora daquele quadro de entendimentos que me fugiam e atordoavam. A minha sensibilidade por certo não era para ali chamada. Era um facto que a cena me tinha impressionado. Sempre me impressionaram as prepotências gratuitas aplicadas sobre os indefesos e oprimidos. Mas não me sentia à vontade para um debate de opiniões e pontos de vista às sete horas da manhã, algures, eu sei lá onde, no norte de Angola, para mais com um capataz com ideias empedernidas e mais que exercitadas sobre os negros. Desviei um pouco o caminho em busca de uma outra saída que mantivesse o assunto de pé, embora sem propósitos de confrontação, que o meu estatuto de maçarico [novato], também naquele campo, aconselhava. Não me sentia em condições de altercar abertamente sobre aquele tema. Mas também me estava a custar deixar as coisas assim sem um grãozinho de areia na engrenagem secular, a que o capataz, pressuroso e cretino, dava continuidade.
— Há uma coisa que me está aqui a fazer confusão, disse, enquanto cruzava a G3 no peito repousando-a nos braços, como o faria a uma criança para adormecer.
- Diga, diga, sr. Alferes, respondia-me o capataz, revelando alguma inquietação na expressão e nos gestos.
— Já o ouvi hoje dizer várias vezes que isto é tudo uma cambada de preguiçosos. Mas olhe que eu nunca vi trabalhar desta maneira. Eles são autênticas máquinas.
— Ó sr. Alferes. Não queira saber o trabalho que isto nos deu…, retorquia o capataz com ar meio aliviado pela superficialidade da questão, quando esperava alguma atitude mais contundente (e por certo insensata) da parte de um maçarico recém-chegado, com ideias ainda pouco amaciadas pelos hábitos que por ali se haviam firmado desde longínquos quinhentos anos atrás.
— Ao princípio chegávamos aqui pela manhã e púnhamo-los a trabalhar até à tardinha.
— De sol a sol…, interpus de forma a clarificar melhor aqueles imprecisos… pela manhã e… à tardinha.
— Sim… mas não queira o sr. Alferes saber o que nós passávamos para que fizessem alguma coisa. Aquilo só a chicote… escapou-se-lhe.
— …não é que…, quis emendar.
— Claro…, facilitei, no sentido de o deixar continuar solto e sem peias que mascarassem o discurso que eu desejava próximo da verdade quanto possível.
— Agora mudámos o sistema. Destinamos uma determinada área a cada um e quando terminarem… até podem descansar. Quando todos terminarem, vamos embora. Calculo que hoje por volta das 14 horas estejamos prontos. Antigamente, nem metade até à noite.
— Bem, então preguiçosos não será bem o caso. O que estavam era a precisar de alguma orientação…, acrescentei procurando colocar timidamente alguns escolhos naquela lógica de tempos imemoriais.
— Pois…, sorria com pouca vontade o capataz, mastigando aquela imprecisão, procurando enxergar aonde eu queria chegar, enquanto aliviava o diálogo lançando um olhar de controlo sobre o andamento dos trabalhos.
Voltou à carga com mil e uma explicações e rodeios, claro sintoma de achar que não se teria feito entender como desejava e propósito evidente de esclarecer pruridos que por ali tinham ficado soltos e incómodos.
O diálogo não fora muito construtivo, resultando claro que tinham sido mais os desencontros que os pontos de união e confluência de ideais.
Naquela altura era o tempo do café florir.
Eram extensos mantos brancos a perder de vista, entrecortados no verde muito vivo da vegetação densa e luxuriante dos Dembos. Autênticos mantos de amendoeiras em flor, que brotavam da minha memória exaurida pelos milhares de quilómetros de distância, mas viva e sempre presente nos momentos de leveza do pensamento, alheio aos entraves de latitudes distantes, vencidas pelo desejo imenso de agarrar as lembranças recentes, guardadas em lugar seguro e recuperadas nas noites longas e escuras da guerra.
Ali o tempo era de espera. De espera pelas 14 horas prometidas pelo capataz. De espera que cada um dos trabalhadores cumprisse o desbaste rápido do capim do seu quinhão. De esperança que o inimigo não atacasse. De esperança que aqueles quatro meses passassem depressa. Sem esperança que a guerra tomasse outros rumos e nos trouxesse o entendimento que todos desejávamos, mas que parecia claro que se perfilava cada vez mais distante.
(…)
O sol queimava sufocante e abrasador.
No terreiro enorme da fazenda havia uma fila com cerca de trinta ou quarenta negros que se alinhava junto ao casarão amarelo-torrado de traça colonial, uma espécie de castelo imponente que dominava as cercanias.
O edifício é enorme e circundado a toda a volta por uma varanda integrada na construção, coberta pelo telhado que se prolonga em forma de guarda-sol de aba larga e o protege da inclemência do fogo ardente que cai dos céus. Ao longo daquele autêntico passeio liso de cor grená-escuro gasto pelo uso, dispõem-se alguns bancos e cadeiras de repouso e, naquele dia, também uma pequena mesa com uma cadeira trazida do mobiliário interior, onde confina a fila de negros maltrapilhos e mal alimentados.
Era dia de pagamento. Por norma, a tropa do Mucondo, a quem cabia a protecção da fazenda, sempre que passava por ali parava e procurava inteirar-se da situação quanto a notícias de movimentos dos turras, deixando uma palavra de segurança e conforto apreciada por todos. Por vezes, como naquele dia, nem chegavam a parar os motores das viaturas. Uma troca rápida de palavras seladas com um aperto de mão ou, por vezes, apenas um aceno à distância, se a pressa era muita, cumpriam um protocolo de rotina a que ambas as partes já estavam habituadas.
O capataz, de alcunha “General Ramalho”, que nunca se conseguiu esclarecer donde provinha, admitindo tratar-se de uma espécie de título obtido no início da guerra nos anos sessenta, homem de grande corpulência e anafado, bigode à Clark Gable esmeradamente aparado, quase sempre de chapéu colonial enterrado na cabeça, dirige-se para as viaturas que tinham parado a alguns metros da casa.
Repentinamente inflecte a sua marcha e aponta, em passo apressado, para um negro que, cansado de estar de pé ali à torreira do sol sabe-se lá havia quanto tempo, se sentara no chão. De chibata na mão agride com alguma violência o funcionário — assim eufemisticamente tratados — enquanto o agarrava pelo braço e o punha de pé, sacudindo-o sem que este esboçasse qualquer tentativa de defesa. Uma espécie de boneco de palha nas mãos do “General”.
— De pé seu cão! Foi o que se percebeu da torrência de impropérios e prepotência despejados sobre o pobre coitado.
Todos assistiam em silêncio àquela cena, sufocando uma amálgama de revolta e dúvida momentânea em distinguir o verdadeiro inimigo que nos trazia ali. Por fim ouvem-se alguns murmúrios de agitação entre os militares. A violência é desmedida e pouco qualificável.
De repente, o Alferes que comandava a coluna salta da viatura de G3 em punho apontada ao capataz, denotando um evidente transtorno pela forma apressada como caminhava e a expressão que levava no rosto.
— Se você volta a fazer isso na minha frente despejo-lhe o carregador na barriga! Ouviu bem o que lhe disse? Gritava o Alferes de G3 em riste apontada à barriga do capataz e os olhos esbugalhados parecendo quererem saltar-lhe das órbitas.
Por momentos pensou-se que podia acontecer ali uma tragédia. O capataz também assim o entendeu pelo ar lívido e agitado com que o Alferes o interpelava. Por entre palavras de justificação e tentativas de apaziguamento mal balbuciadas pelo “General” o Alferes foi recuperando a calma, não sem continuar a avisar de forma clara de que aquele cenário não deveria repetir-se, pelo menos na sua presença, o que pareceu ter sido inteiramente apreendido.
Fez-se um enorme silêncio no amplo terreiro. Apenas o ruído monótono dos motores das viaturas cortavam o gelo daquele quadro de enorme contraste com o calor tórrido daquela manhã. O capataz, mal recuperado do susto, dirigiu-se de cabeça baixa para a mesa dando início aos pagamentos. A queixa haveria de chegar às chefias militares com o Alferes a ser admoestado e o assunto a ficar pelo conveniente esquecimento, embora o “General” tenha tido alguma dificuldade em esquecê-lo.
Aos poucos o Santos, com quem estabeleci uma relação de proximidade e convivência mais intensa, foi-me inteirando do funcionamento da fazenda e as relações de trabalho estabelecidas com os assalariados, facto que suspeito igualmente longe do conhecimento de muitos angolanos regressados a Portugal após o 25 de Abril, que por vezes se insurgem contra algumas destas realidades quando delas fazemos eco, negando com veemência a sua existência.
Há, no entanto, que salientar que estes actos menos dignos e reveladores de um espírito colonialista exacerbado destituído de senso e humanismo não exemplificavam a generalidade das relações estabelecidas entre brancos e negros em Angola. Eu próprio fui testemunha disso em múltiplas situações, onde o que falhava era a política central do estado e não a relação fraterna e de amizade que ao longo de séculos de foi desenvolvendo. Mas é necessário admitir que estes casos existiam um pouco por toda a parte onde as relações de exploração de trabalho nas grandes fazendas do Norte não olhavam a meios para a obtenção de lucros fáceis sem o menor respeito pelos trabalhadores assalariados. Não terá sido por acaso que foi naquela zona precisa que acabou mesmo por eclodir a luta armada pela emancipação e independência, em resposta directa a actos de prepotência e exploração desenfreada já devidamente relatados por autores que as presenciaram no tempo e contexto exactos em que ocorreram.
A fazenda era ali uma ilha perdida num imenso oceano de águas turvas e nevoeiros vários, impenetrável, desconhecida e praticamente isolada do mundo. Ali tudo podia acontecer sem que alguém viesse a ter conhecimento, salvo a tropa que existia para defender a fazenda e a sua exploração das imensas riquezas da terra. Os trabalhadores eram recrutados no Sul junto ao mar ou no interior próximo, região ainda pouco perturbada pela guerra, e trazidos em magotes acondicionados em camionetas de caixa aberta. Vinham de centenas de quilómetros de distância — perdendo o rumo e o sentido das distancias — sendo despejados naquele depósito de paredes inexpugnáveis erguidas pelos medos da guerra. Muitos por ali ficavam de geração em geração, trabalhando de dia e trespassando a noite em bebedeiras colectivas de alienação de quaisquer desejos ou projectos de futuro que nem existiam.
A cantina — conceito eufemístico atribuído a uma armadilha com telhado e alguns bancos, montada num canto do terreiro mesmo ao lado dos locais de pernoita dos assalariados — vendia essencialmente cerveja e arvorava-se no único oásis em centenas de quilómetros em redor, sendo proporcionado pelo patrão, num acto de tocante solidariedade e preocupação, que procurava proporcionar aos funcionários momentos de divertimento e lazer nas horas vagas. Uma espécie de “centro comercial” onde se pudesse espairecer o espírito e recarregar baterias, depois de mais uma jorna no corte do capim ou na apanha dos bagos amargos do café, que por fim tisnados da cor da pele do assalariado, partiam picada fora levando consigo os silêncios da morte lenta, que a tropa ajudava a emudecer. Uma espécie de ratoeira colorida que embebedava os sentidos e ajudava ao esquecimento do dia anterior. Uma antecâmara de um futuro vazio, sem data nem sétimo dia, nem projecto de dia nenhum.
Havia um vencimento mensal. Uma espécie de lenitivo de consciência ou cortina de nevoeiro que suavizava o peso e o sentido da presença colonial. Trinta e um escudos angolares mensais, alguns trinta e dois, representando em escudos do Puto (designação angolana da metrópole) menos vinte a vinte e cinco por cento, que era por quanto nos cambiava às escondidas o cauteleiro da Mutamba os escudos que trazíamos de Portugal. As relações de trabalho ali regiam-se pelas normas supostas em uso no continente e ilhas adjacentes. O vencimento era entregue com recibo e tudo, por via de regra assinado com uma cruz, sem Cristo mas igualmente dorida na carne e na alma, ou lambuzado com uma impressão digital de gordura, restos do último mergulho de mão na lata de peixe podre do almoço oferecido pela gerência. Para a maior parte, o recibo apenas saldava uma pequena parte da dívida amontoada na cantina que crescia mês após mês, qual algema invisível que apenas permitia trabalhar sem descanso e impedia o uso da liberdade de romper as grilhetas da submissão que os prendiam ao patrão e ao trabalho. De uma forma ardilosa, enredava-se o trabalhador numa teia de interesses de uma só feição, capaz de o prender para sempre a um ciclo vicioso, do qual apenas se conseguia desembaraçar pela lei da morte ou incapacidade total para o trabalho, como único atalho para a liberdade que só assim conquistavam. Uma prisão sem grades cuja fuga era impensável. Uma autêntica jaula cercada por centenas de quilómetros de terra escaldante impossível de transpor, na qual era necessário pagar para permanecer prisioneiro. As dívidas acumuladas na cantina conferiam ainda o lucro do patrão na venda das cervejas e um ou outro produto de primeira necessidade, subvertendo o velho rifão de dar com uma mão para tirar com a mesma, porque a outra brandia o chicote e mantinha a ordem de uma desordem que não existia.
Era o Santos que me explicava toda esta teia complexa de relações humanas e de trabalho. Era evidente a sua enorme dificuldade em aceitar as coisas tal como funcionavam ali, ainda por cima sob a protecção da tropa, que era algo que o transtornava de forma particular.
Voltámos a falar no assunto por diversas vezes e outras tantas nos confortámos mutuamente, convencendo-nos de que pouco ou nada podíamos fazer, senão apontar uma G3 à barriga bem nutrida dum capataz bruto e servil, no fundo também ele escravo dos verdadeiros proprietários da fazenda, esses sempre ausentes, viajando pelo mundo inteiro, tentando convencer jovens Alferes de que a aquela guerra estava ganha e que o inimigo afinal nem existia. Aos poucos fui entendendo que, afinal, o inimigo estava bem mais próximo de nós do que se supunha. Como fui paulatinamente assimilando os conceitos e preconceitos que me debitava o meu companheiro de viagem de Lisboa até Luanda. Como entendia agora a consideração em que me colocava, deixando-me até um convite para o visitar na sua mansão algures não sei onde, mas certamente distante, muito distante, daquele local perdido e quase desconhecido em pleno coração dos Dembos.
Excertos do livro Capitães do Vento, de Pedro Cabrita
Comentários: 14
Obrigada, Fernando, por estes excertos de uma obra que desconhecia.
Abraço!
Não tem nada que agradecer, Maria João. "Capitães do Vento" é um livro que está esgotado. Foi publicado pela Roma Editores em 2003 e agora só algum alfarrabista é que poderá tê-lo à venda. O seu autor, Pedro Cabrita, foi capitão miliciano no Cuando-Cubango (Sudeste de Angola) aos 23 anos de idade(!) e depois de ter regressado à vida civil tornou-se professor de Educação Física.
Olhe-se para os jovens que agora têm 23 anos, repare-se como ainda apresentam comportamentos bastante infantis, e compare-se com as pesadíssimas responsabilidades que foram exigidas a Pedro Cabrita e a muitos outros capitães milicianos que fizeram a guerra colonial. Esta foi mais uma das violências da guerra.
Tive ocasião de conhecer o.Ramalho, sempre com a sua pistola metralhadora e conduzindo o seu . camiao IH azul. Na Rendição do Mucondo fiquei alguns dias na Bombo. Havia um mecanico que dizia que tinha uma anca de platiba , depois de um encontro ba caça com.uma pacaça. Tambem havia o chefe de Posto que bao
Era um tipo simpático para os soldados e mandava fazer muamba.que eu destestava.
Estive no Mucondo e na Fazenda BOMBO EM 1963.
Era Alferes.
Conheci o Ramalho, que oferecia grandes «muambadas». Pessoalmente não gosto sobretudo do óleo de palma.
Lidei com ele sempre que ia à Fazenda que ficava a 2 ou 3 Km do Mucondo. Era um tipo simpático, nunca ouvi nenhuma referência à alcunha de general, prestável e pessoalmente não tenho nada a apontar ao Ramalho.
A última ideia que tenho dele, foi na ponte do Rio Dange, ele conduzia um camião azul , e quando chegou ao fim da subida na direcção de Quibaxe o camião avariou.
Quanto aos trabalhadores , viviam em pequenas casas com nenhumas condições, faziam compras na «cantina» da fazenda , a crédito , e provavelmente as constas no final estariam duvidosa às , digo eu, mas não tenho elementos que provem que as contas não estariam certas não
A Fazenda era grande e apicada que passava por ela ia para o Quicuzo ou Quicunzo, e depois creio que seguia pata o Tári, Muxaluando e Fazenda Maria Fernanda.
No tempo em que por lá passei, não me apercebi de quaisquer maus tratos físicos ou outros contra os trabalhadores.
A vida na fazenda não era fácil e os trabalhadores normalmente Quimbundos, faziam a sua própria alimentação , que a meu ver não era boa. Quanto ao tempo de trabalho , acho que começavam cedo , iam normalmente a pé para a zona de trabalho e regressavam à Fazenda ainda com muito dia . Lá escurece cedo e rapidamente tudo isto foi em 1963, não me custa admitir que algo, que muitas coisas tenham mudado.
Pretendo corrigir o meu comentário. Quando referi que os trabalhadores eram «QUIMBUNDOS» queria dizer «BAILUNDOS». Quimbundo, é um dialeto, talvez o mais importante do Sul de Angola.
Quanto à história do mecânico ter parte dos ossos da bacia substituídos por platina , confirmo e conheci o senhos que coxeava um pouco.~
Tinha sido numa caçada ao Búfalo , conhecido nos Dembos por «pacaça», que o senhor teria sido apanhado pelo animal que o deixou na altura muito maltratado. Das vezes que falei com ele pareceu-me um indivíduo perfeitamente normal e conhecedor do seu ofício. pois punha os motores e as máquinas a trabalhar.
Foi difícil , passei lá 26 meses. mas foi uma experiência irrepetível.
Sim de facto de quando em vez havia tiros. è verdade e a ansiedade campeava, mas também se passavam semanas e meses sem que nada acontecesse, quer nas patrulhas , ás vezes de vários dias na mata, quer nas escoltas , normalmente a Quibaxe para reabastecimento. A todos estes anos de distância , digo:- Éramos Jovens . Foram bons tempos! Com perigos, mas com amizades que se prolongam por mais de meio século e qua ainda duram, com entreajuda, com camaradagem, convivência sã. Claro que também havia uma ou outra «ovelha ranhosa», mas entre cerca de 150 pessoas é normal, mas nenhum desertou, como alguns fizeram,... o que não comento, por respeito a todos os que por lá andaram.
Bem ou mal de uma maneira ou outra , todos cumpriram , ( certamente contrariados por lá estarem), com as suas obrigações e deveres. Todos nós devemos ter orgulho na juventude que uns prejudicando os estudos, outros prejudicando a família , outros os seus empregos que na altura começavam, TODOS cumpriram com as missões que tiveram que executar. Bem-Hajam!!!!
Prezado anónimo,
Fico-lhe muito agradecido pela sua valiosa contribuição.
Pela parte que me toca, eu não estive aquartelado no Mucondo, mas sim em Zemba, onde fui alferes miliciano, dez anos depois de si. Contudo, fui diversas vezes ao Mucondo, em cuja região participei em cinco ou seis operações militares, algumas das quais foram mesmo comandadas por mim.
Eu tenho uma certa dificuldade em conseguir comparar a minha situação com a sua. Dez anos fizeram muita diferença. Em 1963, Zemba tinha acabado de ser ocupada pela tropa e, muito provavelmente, Santa Eulália ainda era apenas uma fazenda, e não o importante quartel que posteriormente veio a ser, onde ficou instalado o comando militar dos Dembos.
Quando se saía do Mucondo para norte, depois de passar pela Fazenda Bombo chegava-se ao Quicunzo, como refere e eu confirmo. No meu tempo, a seguir ao Quicunzo a picada bifurcava-se. Para a esquerda seguia uma picada para Muxaluando e Nambuangongo, e que também fazia ligação à Fazenda Maria Fernanda, Quicabo, Tári, etc. Para a direita seguia uma outra picada que ia para Santa Eulália (em 1963 devia ser apenas uma fazenda, provavelmente abandonada) e que continuava para Zemba, onde a picada acabava. Pois eu estive no fim desta outra picada. A distância do Mucondo a Zemba devia rondar os 60 ou 70 km.
Quanto ao fazendeiro Ramalho, a impressão que me ficou dele foi a de caciquismo. Ele comportava-se como se se julgasse o dono do Bombo, do quartel e de tudo à volta. O comandante militar do Mucondo tinha de ser um tipo teso, se quisesse ser respeitado por ele.
Caro Fernando Ribeiro ( irmão de armas)
Também estive no Zemba e colaborei na abertura da picada de STº Eulália que no meu tempo era um pequeno local para aterrarem os Auster, ,Dornier e meia dúzia de casas de madeira. Andamos pelos mesmos sítios com dez anos de diferença.
Porém , parece-me que «viajei mais».
Estive no Luvo , na fronteira Norte, onde fui substituir um fulano que desertou (Alferes) , na Quibala Norte no 2º Curso dos Comandos, aí sim fui «empurrado» contra vontade , mas acabei por fazer bons amigos. Não acabei o Curso, , regressei ao Mucondo de onde fui evacuado para o HM de Luanda para ser operado ao joelho direito.
Depois enviaram-me para Vista Alegre, daí fui para a Damba e depois para a Lêmboa, onde também recordo com amizade o comando alguns colegas e todos o soldados com quem fizemos algumas coisas , tanto para o bem estar dos soldados , tanto ,para a defesa de aquartelamento, com algumas operações, nos intervalos.
Estive na Serra do Uige e carmona e no Songo, fiz algumas operações no célbere Vale do Loge
Regressei a Luanda e fui o Comandante Interino da Companhia de defesa Imediata do Grafanil.
Surgiram alguns problemas fui transferido para o Leste, Lumbala Velha , no enclave do Cazombo no Alto Zambeze, onde por ser o mais antigo era o responsável pelos dois pelotões, qua constituíam a guarnição. Confesso que ainda tenho saudades desse tempo,, onde conheci e ganhei a amizade de muitos dos naturais, nunca esquecerei o Muchipe Chinhama, que me levou até á Rainha dos Luenas em Nana Candungo, da suas duas mulheres Berta e Gutemba , do Pungo , que com o Muchipe por vezes me ajudava nas caçadas nocturna. Conservo ainda algumas peles que meadei curtir e das quais destaco um crocodilo e uma chita entre outras.
Mas quase que me esquecia do Ramalho.
Concordo que para os trabalhadores era sério, mas sempre vi tratá-los com humanidade e nunca nenhum chicote nem agressão ou tentativa às pessoas que lá trabalhavam.
Coatumavam ir ao Mucondo , quando por lá andei o Chefe de Posto e o Comandante dos Voluntários que estavam estacionados na Fazenda Portugal que se via do Mucondo e que no meu tempo eram atacados com alguma regularidade.
Voltando ainda ao Ramalho que nunca mais vi. Era um tipo que geria uma fazenda, (que de facto andava sempre com a sua pistola metralhadora , como nós andávamos com a FN, que quanto a mim era muito melhor do que a G3), que julgo fazia o seu trabalho para tirar lucro da exploração da fazenda. Era um tipo típico daquela época com aquele trabalho naquelas difíceis condições. Nem mais nem menos.
Se por acaso tiver interesse em ver como era o Mucondo no meu tempo envie-me o seu nº de WhatsApp, que envio-lhe algumas fotos panorâmicas e aéreas do Mucondo
Fraterno abraço.
Meu caro,
Isso é que foi viajar por Angola! Eu, muito pelo contrário, fui um "bicho do mato". Durante o primeiro ano de comissão, estive colocado em Zemba e tive uma alucinante atividade operacional por toda a região de Zemba, Mucondo e Cambamba. Durante esse ano, só fui à "civilização" uma vez, numa ocasião em que fui a Quibaxe, a cem quilómetros ou mais de Zemba.
No segundo ano de comissão estive na fronteira norte de Angola, perto de Maquela do Zombo, mas sempre no mato. Durante este segundo ano, já não tive guerra, mas ela podia acontecer a qualquer momento, dada a vizinhança do Congo. De qualquer modo, já foi uma boa descompressão.
Eu não viajei por Angola, mas tive Angola comigo na figura dos soldados e cabos angolanos que comandei, à mistura com camaradas metropolitanos. Na minha companhia havia várias dezenas de angolanos, que eram quase todos negros e oriundos das mais diversas regiões de Angola, sobretudo do Huambo e do Bié. Foi o melhor que me podia ter acontecido, ter a meu lado esses companheiros maravilhosos, que me fizeram sentir quase tão africano como eles. Morro de saudades dos angolanos. Neste preciso momento estou com lágrimas nos olhos, só de recordá-los.
Lamento muito, mas não tenho Whatsapp. Os meus familiares têm, e perdem imenso tempo com as futilidades que os amigos lhes enviam. Se é para perder tempo, não quero ter Whatsapp. Desculpe o mau jeito.
Um grande abraço
Meu Caro:
De facto fizeram-me viajar por grande parte de Angola. Guardo com saudade as «aventuras » no Alto Zambeze, enclave do Cazombo Lumbala Velha onde vivi situações semelhantes às que recorda com saudade. Ainda conservo umas setas que o meu amigo Muchipe fez de propósito para me oferecer.
Muito bem . Tenho uma relação muito tensa com a «cibernética», mas se quiser enviar-me o seu «email», tentarei com a ajuda de terceiros, digitalizar algumas fotos do Mucondo do meu tempo e enviar-lhe.
já agora uma pergunta .
No meu tempo havia um guia , quera o Cunha que vivia no aquartelamento e um «prisioneiro» de estimação a quem chamávamos o «Velho Tua» . Provavelmente já não os terá conhecido
Junto à cozinha, no alpendre das messes havia uma camarata para oficiais. A minha cama era a primeira á entrada no lado Esqº. Seria muita coincidência , mas poderia acontecer, termos dormido na mesma cama com dez anos de diferença.
No seu tempo ainda havia , quase sobre a piscina o «Clube Bala». Foi uma construção tosca, que fizemos para os oficiais.
Gostei de ter partilhado estas ideias consigo, com alguém que conheceu e viveu, nos locais. Há por aí alguns iluminados que falam do que não sabem. Mas é o que há!!!!
Fraternal abraço
Meu caro amigo,
Há poucas horas lembrei-me de ter visto na internet fotografias recentes do Mucondo e de Zemba. Procurei-as e... encontrei-as! São fotografias tiradas em 2012 por um ex-militar, chamado João Santos, que pertenceu a um batalhão que esteve na "nossa" zona entre 1968 e 1970, isto é, antes de mim e depois de si.
Para quem conheceu o Mucondo e Zemba doutros tempos, as fotos são deprimentes, pois mostram as condições de abandono e de ruína em que se encontram esses espaços que foram a nossa "casa". Contudo, as fotografias mostram uma realidade que nos deveria alegrar, porque elas mostram que já não há necessidade da presença de militares nesses locais, uma vez que já não existe guerra.
Com efeito, na sua condição de civil branco, o ex-militar em questão pôde ir até ao Mucondo, Santa Eulália e Zemba sem qualquer risco, a não ser o decorrente das más condições das picadas, sobretudo as da picada que liga Santa Eulália a Zemba. O referido ex-militar foi bem recebido pelos habitantes locais, que não mostraram qualquer espécie de ressentimento contra os militares portugueses doutros tempos. Reina a paz em toda a região. Quer isto dizer que é possível ir sem perigo até ao Mucondo, Zemba, Nambuangongo, Zala, Quipedro e muitos outros locais, em romagem de saudade ou apenas fazendo turismo.
As fotografias a que me refiro podem ser vistas nos seguintes endereços e vão desde a ponte (nova) sobre o Rio Dange até Zemba, passando pelo Mucondo:
- https://batalhao2833.blogspot.com/2012/12/mais-umas-fotos-enviadas-pelo-joaodesta.html
- https://batalhao2833.blogspot.com/2013/01/companheiros-amigos-mais-uma-vez-junto.html
- https://batalhao2833.blogspot.com/2013/02/novas-fotos-do-joao-santos.html
- https://batalhao2833.blogspot.com/2012/12/caros-ex-camaradas-e-com-muita.html
- https://batalhao2833.blogspot.com/2012/12/fotografias-tiradas-em-zemba-e-ssanta.html
- https://batalhao2833.blogspot.com/2012/12/junto-mais-duas-fotografias-e-os.html
Espero que consiga vê-las e que goste.
O meu endereço de email é o seguinte: f.s.ribeiro@mail.telepac.pt
Caro Fernando Ribeiro
Olhe que não foi por minha vontade.
Tudo começou por uma «diligência» do Mucondo , para o Luvo , para substituir um alferes que me informaram lá( Luvo), que tinha desertado, Tinha acabado de sair do HM Luanda, onde o célebre Dr. Espargueira Mendes me tinha operado ao Joelho regressado do 2º Curso dos Comandos na Quibala Norte e ainda com uma ligadura foi enviado para o Luvo.Foi «agradável», pois o Capitão cmt de Companhia o Afonso tinha sido meu colega de Liceu LDJC em Lisboa nos anos 50.
Depois tive um acidente em serviço e aí começou o verdadeiro «tour». uma das causas talvez tenha sido o facto de o meu Cmt de Batalhão , já falecido, não ter grande simpatia por este Alf. Mlº. Coisas da tropa.....
Porém tudo acabou em menos mal no Alto Zambeze Lumbala Velha, nos últimos meses da Comissão.
Tenho e conservo Gratas recordações dos meus colegas , do Newtom com quem dividia o comando dos dois pelotões por ser o mais antigo , da rapaziada e sobretudo dos locais de onde destaco o meu grande amigo Muchipe Chinhama.
Bons tempos que recordando agora, tantas décadas depois quase que me faz chegar uma lágrima ao canto do olho, de saudade ....
abraço cordial
Meu caro Fernando Ribeiro :
vou fazer uma recolha do que tiver e será comprazer que as enviarei.
São todas fotos de 1963 tanto o meu Bcc como a minha Companhia inicial era da casa dos 400.
Vai demorar um pouco mais , por descobriram que tenho a «apófise» partida e para alegrar a festa uma monumental hérnia a acompanhar. Provavelmente efeitos ainda da »picada do Luíca»!!!!!!
Vou ver atentamente o que fez o favor de enviar.
Se Deus Quiser darei sinal da Vida.
Grato pelo envio
Meu caro,
Encontrei ainda mais uma página com imagens de 2012, que me tinha escapado e que tem o seguinte endereço:
https://batalhao2833.blogspot.com/2013/02/mais-algumas-fotos-enviadas-pelo-joao.html
A primeira fotografia desta nova página, mais parece mostrar uma auto-estrada, e não a humilde picada que da Ponte do Dange subia para o Mucondo.
A segunda e a terceira fotografias, com a legenda «Pensa ser um quartel», mostram de facto um quartel: é o antigo quartel dos Voluntários, no Quicunzo.
A quarta fotografia foi feita na renascida sanzala do Mucondo, que no meu tempo pura e simplesmente não existia. Em 1973, a população da sanzala estava toda na mata do Catoca, entre o Mucondo e Vista Alegre, sob o controlo da UPA/FNLA.
A última fotografia é acompanhada pela pergunta: «Será a fazenda Bombo?» Eu diria que sim, e quase "vejo" o Ramalho nas varandas da casa, mas encontro muitas diferenças relativamente à Fazenda Bombo que conheci. O que é feito dos verdejantes cafezais que rodeavam o Bombo? Evaporaram-se?
Um forte abraço
Caro Fernando Ribeiro
Penso que os voluntários teriam um Quartel no Quicunzo ou próximo. Tinham de certeza um destacamento na Fazenda Portugal, visível do Mucondo, do lado oposto à piscina. Tinham ataques com alguma frequência e saia sempre um pelotão do Mucondo para ajudar à festa. Seriam entre 2 e 4 Km. Tinha que se passar pelo «carneiro», onde se recolhia água potável.
Já lhe enviei uma foto do Mucondo 63, via meu Tm, as digitalizações e sobretudo o envio deixam-me «fora do sério». Preferi esta solução. Sff, diga-me se recebeu e se sim tentarei enviar pela mesa via mais umas quantas. Se não recebeu tentarei então a outra via.
Em 63 não havia Sanzala do Mucondo. Havia sim uma e muito grande em Vista Alegre. Também estive uns tempos em Vista Alegre antes de seguir para o Norte da Damba, na Lêmboa, Tudo com companhias e Batalhões na casa dos 400 e menos , muito menos dos 500.
Quanto aos cafezais verdejantes , capinados e floridos na época própria, com aquele cheiro típico, aconteceu o mesmo que aos outros, e foram muitos, daí as exportações terem caído a pique. Desapareceram os «Ramalhos», foram abandonados , cresceu o capim ....foram engolidos.
Estive há uns tempos em S.Tomé e na ilha do Príncipe, e as grandes fazendas estavam na altura semiabandonadas , salvo uma ou outra , mas as maiores estavam decrépitas , Fiz essa viagem com um amigo meu que teima em chamar-me padrinho, cirurgião, que conheci em Macau onde estive uns anos na altura em que ele fazia o Internato, ( tinha acabado o curso de Medicina na China, e ficamos amigos até hoje,. Casou com uma angolana tem filhos e exerce a profissão em Portugal. A mulher também é médica. É de uma boa família de S. Tomé , conhecedor da terra e mostrou-me em pormenor o S. Tomé da altura em que á estive.
Fico aguardando pelas suas notícias, e os eus comentários sobre o Mucondo 63 , que lhe enviei ontem, ou hoje pela madrugada
Cordialmente.
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