A machadinha
“
Um camponês tinha uma filha, e casou-a com um rapaz da sua terra. No dia da boda estando à mesa, os noivos, os pais e as mães deles, e muitos convidados, disse o camponês para a mulher: «Oh Maria, vai à adega buscar mais vinho, pois quero fartar os nossos convidados.» Foi a mulher à adega, e ia-se passando muito tempo sem que ela voltasse. Então o camponês levantou-se da mesa e foi ver se tinha sucedido alguma cousa à mulher. Chegado à adega, viu a mulher parada a olhar para uma machadinha que estava pendurada no teto, e perguntou-lhe: «Oh mulher! que estás tu aí a fazer?» Responde-lhe ela: «Olha homem; estava a lembrar-me que quando a nossa filha tiver pequenos, se eles para aqui vierem brincar, que lhes pode cair aquela machadinha na cabeça e matá‑los!» «Dizes bem mulher; ai se tal sucedia!» E ficou também a olhar para a machadinha. Vendo a noiva que o pai e a mãe não vinham foi ter com eles à adega, e perguntou-lhes o que estavam fazendo ali. Então eles responderam: «Olha, filha, estávamo‑nos lembrando que em tu tendo meninos, se eles vierem brincar para aqui, que lhes pode cair aquela machadinha na cabeça e matá-los.» «É verdade, senhora mãe, que pode isso acontecer.» E lá ficou também a olhar para a machadinha. Pouco a pouco todos os convidados que estavam à mesa, foram para a adega olhar para a machadinha.”Restava só o noivo, que foi por último, mas ao ver a doidice daquela gente, fugiu, em busca duma terra onde não houvesse gente tão doida. Ao chegar a uma terra, viu muita gente a fugir, outros subindo para cima das árvores, e de muros, e outros fechando as portas e as janelas, finalmente havia o terror e o medo por toda a parte; parecia o acabamento do mundo. O rapaz perguntou então o que era a causa de tantos medos como iam naquela terra; e responderam-lhe: que andava lá um bicho que comia gente, e que ninguém se atrevia a matá‑lo. O rapaz ao ver o bicho soltou uma gargalhada, pois a causa do terror daquela gente não era mais de que um peru; e ofereceu-se para o matar, sob a condição de lhe darem muito dinheiro. Morto o peru recebeu o rapaz grandes somas de dinheiro e partiu para outra terra. Ali andavam muitas mulheres, e crianças com joeiras ao sol. Ele então perguntou o que andavam fazendo, e responderam‑lhe: que andavam a apanhar o sol para o levarem para casa, pois não entrava lá nem de verão nem de inverno. O rapaz respondeu-lhes que elas não eram capazes de apanhar o sol, mas que se lhe pagassem bem, que ele era capaz de lho pôr dentro das casas. As mulheres deram todas muito dinheiro ao rapaz e ele tirou-lhes algumas telhas dos telhados, e logo elas viram o sol dentro das suas casas. Partiu o rapaz para outra terra, já muito admirado do que tinha visto, quando se lhe depara uma mulher que estava enfeitando uma porca com muitos cordões de ouro, fitas e flores; e perguntou-lhe: «Para onde quereis mandar esse animal, que estais enfeitando?» Ao que a mulher respondeu: «Saiba vossemecê que eu sou viúva, e que o meu homem fazia hoje anos, e por isso quero ver se encontro um portador para o paraíso, para lhe mandar esta porca, e esta bolsa de dinheiro.» Respondeu o rapaz: «Nunca vossemecê falou mais a tempo, pois para o paraíso é que eu vou.» A mulher entregou-lhe a porca e o dinheiro. O rapaz já não cabia em si de contente com tanto dinheiro que levava, e convencido que no mundo já não havia gente de juízo, resolvia-se a voltar a casa da sua noiva. No caminho, porém, deteve-se por causa de muitos gritos, de ai, quem me acode! quem me acode! que ouviu e tendo-se aproximado do sítio de onde partiam os gritos viu muitos homens deitados uns sobre os outros, e perguntou-lhes: «O que estão ai a gritar? por que não se levantam?» Eles responderam: «Estamos aqui há três dias sem nos podermos levantar, pois não sabemos quais são as pernas de cada um.» Respondeu-lhe o rapaz, que ia já fazer com que eles se levantassem, mas que lhe haviam de dar muito dinheiro. Eles logo disseram que todos lhe havim de pagar muito bem. O rapaz pegou então num cajado e começou a bater nas pernas dos homens, e eles puseram-se a gritar: «Ai, ai, as minhas pernas!» e começaram todos a levantar-se. Depois deram muito dinheiro ao rapaz, e ele lá voltou muito rico para casa da sua noiva, e mandou tirar a machadinha da adega; e viveu sempre muito feliz.
Conto popular recolhido por Adolfo Coelho (1847-1919)



Comentários: 0
Enviar um comentário