12 junho 2016

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro…

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda…

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus…

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada…
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor…
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora…
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua…

Alda Lara, poetisa angolana, falecida em 1962 com 31 anos de idade


(Foto: Adalberto Gourgel, 1968–2015)

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