30 maio 2025
27 maio 2025
Veloso Salgado
O pintor José Maria Veloso Salgado nasceu em Ourense, na Galiza, em 1864. Com dez anos de idade mudou-se para Lisboa, onde ficou aos cuidados de um tio materno. Este tio era dono de uma litografia, onde Veloso Salgado começou a trabalhar e onde teve os seus primeiros contactos com a produção artística no domínio das artes gráficas.
Entre 1883 e 1885, Veloso Salgado frequentou a Academia de Belas-Artes de Lisboa. Em 1887 naturalizou‑se português e concorreu a uma bolsa de estudo do Estado, para completar a sua formação no estrangeiro. Conseguiu que esta bolsa lhe fosse atribuida e foi para Paris. Depois de ter concluído os seus estudos na capital francesa e antes de regressar a Portugal, Veloso Salgado ainda teve estadias mais ou menos curtas, mas muito proveitosas, na Bretanha, no extremo nordeste de França e em Florença. Pintou, realizou exposições, venceu concursos e ganhou prémios.
Em 1895, Veloso Salgado regressou a Portugal e tornou-se professor da Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde lecionou até 1937. O artista viveu no n.º 35 da Rua da Quintinha, em Lisboa, onde existe uma placa a assinalar este facto, e faleceu em 1945.
Veloso Salgado foi um artista muito prolífico e dele ficaram numerosas obras, de entre as quais podemos destacar as pinturas alusivas a acontecimentos marcantes da história de Portugal, assim como outras evocativas das Artes e das Ciências, que se encontram disseminadas por muitas instituições públicas e privadas, nomeadamente a Assembleia da República, a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Universidade do Porto, o Palácio da Bolsa também no Porto, o Museu Militar de Lisboa, etc.
24 maio 2025
Ribalta
Às vezes é tão tarde, querido amigo,
Que uma nesga de céu nos bate à porta,
Que a gente nem a ouve… Ou já está morta,
Ou nem tem porta por não ter abrigo…
Não quer entrar e conversar comigo?
Venha daí se o que eu disser lhe importa,
Quero mostrar-lhe os frutos duma horta
Que cozinhei num fogo muito antigo…
É que a conversa, amigo, faz-nos falta,
Tanta quanta nos faz o pão prà boca
Ou a canção que anima e junta a malta
Esta é a minha casa, a minha toca,
O meu pequeno palco e a ribalta
Da minha velha Musa ousada e louca.
21.05.2025 — 21:30h
Maria João Brito de Sousa, in poetaporkedeusker
22 maio 2025
O Auriga de Delfos
Auriga de Delfos é o nome de uma escultura grega de bronze, com 1,82 metros de altura, feita por volta do ano 470 A.C. (antes de Cristo) e descoberta em 1896 num antigo santuário dedicado a Apolo, em Delfos, Grécia. Encontra-se presentemente no Museu Arqueológico de Delfos.
O Auriga de Delfos representa um condutor de carros puxados por cavalos (um auriga), que terá vencido uma corrida de carros nos Jogos Pítios. Estes jogos eram os segundos jogos mais importantes de toda a Grécia Antiga, logo a seguir aos Jogos Olímpicos, e realizavam-se de quatro em quatro anos em Delfos. Esta escultura devia representar um auriga a conduzir o seu carro durante a volta triunfal de consagração, como vencedor, no fim de uma corrida, com as rédeas dos cavalos seguras na sua mão direita, ainda suado, mas já com a respiração normalizada.
O Auriga de Delfos é uma escultura representativa de um estilo intermédio na arte da Grécia Antiga, chamado Estilo Severo, que fez a transição entre o Estilo Arcaico, hirto e rígido, e o Estilo Clássico, harmonioso e natural. Nesta obra em concreto, a parte da túnica que do peito desce até aos pés, verticalmente e sem qualquer sugestão de movimento, é representativa do Estilo Arcaico. O resto da escultura, cheio de naturalidade e harmonia, já representa o Estilo Clássico, mostrando um auriga vencedor, altivo e orgulhoso do seu feito, mas sereno e contido nas emoções de acordo com o ideal clássico expresso na frase «Tudo com perfeita moderação».
A estátua do Auriga de Delfos não devia limitar-se a representar apenas o auriga propriamente dito, mas também devia ser complementada por um conjunto de outras esculturas, também elas de bronze, das quais resta muito pouco: as do carro que o auriga conduzia, as dos cavalos que estavam atrelados ao carro e, provavelmente, as de um ou dois tratadores dos cavalos. De todo este conjunto, quase só sobreviveu até aos nossos dias a estátua do próprio auriga, à qual falta apenas o braço esquerdo. No restante, ela apresenta-se-nos espantosamente completa e é verdadeiramente admirável do ponto de vista do engenho e da arte.
Também a qualidade técnica desta escultura de bronze é notável. Ela foi feita por moldagem, segundo o método da cera perdida, através do qual é possível reproduzir com total fidelidade os mais pequenos pormenores que estiverem presentes no molde. Este método dá bons resultados em esculturas de pequena dimensão, mas não em esculturas grandes como esta, que deve ter sido fundida em partes separadas, as quais no fim devem ter sido unidas umas às outras por soldadura. Seja como for, o resultado final é admirável.
Admirável também é a técnica usada para a representação dos olhos, que estão incrustados no bronze da estátua. Os olhos são feitos de calcedónia, que é uma variedade de quartzo translúcido. O aspeto gorduroso da calcedónia presta-se bem à representação da esclerótica, que é a parte branca dos olhos. A íris e a pupila foram obtidas por processos químicos cuidadosamente aplicados a zonas específicas da calcedónia. O resultado é espantoso: os olhos do auriga parecem ter vida! Só lhes falta pestanejar.
Por fim, não podemos deixar de reparar nos pés do auriga, que são de um realismo que impressiona. São uns pés maltratados, de alguém que costumava andar descalço.
Não há dúvida de que a estátua do Auriga de Delfos é uma das mais importantes esculturas de toda a arte da Grécia Antiga. É a estátua de alguém que viveu há dois mil e quinhentos anos e, no entanto, apresenta-se-nos impressionantemente humano. Parece que está vivo e respira, aqui e agora neste século XXI depois de Cristo. É um milagre que só a Arte com A maiúsculo consegue realizar.
17 maio 2025
Oh Angola dor mansa e bruta
oh Angola
dor mansa e bruta
de menina
descuidada e contente
desandando
em gargalhada teimosa
e
pé de dança atrevido
para
loucura de abismo
a compasso
de marimbas guitarras eléctricas
e
minas
oh Angola
dor mansa e bruta
de menina
descuidada e contente
Arlindo Barbeitos (1940–2021), poeta angolano
15 maio 2025
Dança das Horas
13 maio 2025
O caçador de ausências
“
(…)O miúdo falou que Florinha fugira de casa, numa noite dessas. Diz-se que ela se entranhara na floresta, deambulando sem destino. Ainda lhe seguiram o rasto até à curva do rio. Depois, subitamente, nenhuma pegada, nenhum vestígio, nenhuma gota. Mal soube da fuga, Vasco ordenou que todos espalhassem vigília e desgrenhassem capins e arvoredos. Enlouquecido passou o mato a pente fino. Pobre homem: abanava a árvore para cair fruto, mas quem tombou foi serpente. A solidão se enroscou, definitiva, no seu viver. E o homem se azedou a pontos de se raivar contra tudo e todos. Quem sabe tinha sido boa fortuna eu ter falhado encontrar-me com esse Vasco? Com certeza, ele me receberia a tiro de espingarda…
Assim, com saco vazio e alma magra eu me fiz ao mato, ensaiando um arrastoso regresso. Trazia comigo o meu nenhum dinheiro, bolso enchido de sopro. Um céu triste me enevoava. Pela primeira vez, chamava lembranças e a Florinha não comparecia. Estranhei, com suspeição. Porque ela se tinha retirado da sua ausência?
Meu sobressalto tinha razão. Porque, sem saber, um contrabandoleiro me tinha seguido desde a cidade. O malandro sabia, por certo, que eu ia colectar um montante. Tomando-me por um zé-alguém, o bandido me emboscou. Saltou de um penhasco, sombra encostando-se-me no corpo. Foi espetando nariz no meu hálito enquanto encostava o cano da espingarda no meu pé. Olhei para baixo, em respeito do medo.
De repente, o valor das minhas partes inferiores se desenhou, superior, ante o meu juízo. Cada pé sustenta mais que uma perna, meio corpo, meia vida. Um pé suporta o passado, outro dá apoio ao futuro. Aquele pé que o matulão me ameaçava, eu sabia, aquele pé dava sustento ao meu futuro.
– Esse, não. Lhe peço, dispare no outro pé.
A mão do mautrapilho procurou encosto no meu ombro. Era gozo de tocar-me? Ou seria o gosto de me ver liquedesfazer em tremuras? Eu já fazia descontos na minha vivência, mais vazado que o saco que tremia em meu regaço. Corajoso é o que esquece de fugir? Pois, imóvel fiquei até que se escutou o formidável rugido, clamor de cavernosos dentes. Cruz em peito, credo na boca! O que seria um tal escarcéu? E eis que um leopardo se subitou entre os ramos das árvores. E soou o disparo, tangenciando o instante. Tombei no meio de gritaria. Que se passara? O bandido, tomado de susto, disparou em seu próprio corpo. Tudo se passou em fracção de um «oh» e, no rebuliço, ainda acreditei ver um dedo maiúsculo voando, avulsamente pelo ar. Mas eu já me desencadeara dali, correndo tanto que os quilómetros se juntaram às léguas. Em pulos e tropeços, a distância me foi escudando.
Mas, contudo e porém. Mordido por ter cão, mordendo por não o ter. E eu me salvava de balázio para me perder na escura selva. Salvei-me da boca, metia-me no dente? Olhei em volta e o verde me enleava, pegajoso. Dormi com o relento, lençolei-me com o infinito da estrela. Pensava que era noite de passagem. Mas rodopiei mais noites às voltas, zarantolo. Assisti às quatro estações da lua. Comi raiz, masquei folha, trinquei casca, cuspi-me a mim. Beberiquei orvalhos, na cafeteira da madrugada.
Já eu tinha perdido contas às manhãs quando ao despertar me rasgou um susto. Focinhando em meu rosto estava o leopardo. Minha alma caiu de joelhos, me entreguei a meu próprio fim. O felino achegou-se e estacou a rasar-me o corpo. Olhei seus olhos e estremeci até às lágrimas: ali estavam, serenos e espantosos, os olhos de quem eu nunca me curara de ter amado.
Florinha!
E mesmo debaixo de tontura entreguei meu rosto, meu pescoço ao afago. Tanto que não senti nem dente, nem sangue. Os outros dizem que foi milagre o bicho não consumar em mim sua matadora vocação. Só eu guardo meus secretos motivos.
(…)
”
Mia Couto, escritor moçambicano. Trecho do conto O Caçador de Ausências, págs. 120 a 122 do livro O Fio das Missangas, Editorial Caminho, Lisboa, 2004
10 maio 2025
José Malhoa
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José Malhoa foi, sem qualquer contestação, um dos pintores portugueses mais importantes da transição do séc. XIX para o séc. XX. Toda a sua formação artística decorreu exclusivamente em Portugal, pois, tendo concorrido a duas bolsas para poder completar os seus estudos no estrangeiro, foi preterido em ambas, em consequência de um outro concorrente ter metido "cunha" e ter ganho os concursos. Descobertas as fraudes, os concursos foram anulados e as bolsas canceladas.
Pode-se dizer, com toda a propriedade, que José Malhoa foi o mais português de todos os pintores portugueses dos últimos séculos. Toda a sua vasta obra é um caleidoscópio de gentes e de paisagens de Portugal no seu tempo: camponeses, rufiões, burgueses, pastores, prados, campos, jardins, praias, etc.
Nascido nas Caldas da Rainha em 1855, José Vital Branco Malhoa estudou na Real Academia de Belas-Artes de Lisboa, onde obteve sempre primeiros prémios, e em 1881 passou a dedicar-se exclusivamente à pintura. Permaneceu largas temporadas em Figueiró dos Vinhos, que era o seu refúgio predileto, e foi em Figueiró dos Vinhos que faleceu no ano de 1933. Está sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.
04 maio 2025
Julga-me a gente toda por perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.
Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.
Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;
Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
Luís de Camões (1524–1580)
01 maio 2025
Nom sei hoj', amigo, quem padecesse
Nom sei hoj', amigo, quem padecesse
coita qual padesco que nom morresse,
senom eu coitada, que nom nacesse,
porque vos nom vejo com'eu queria;
e quisesse Deus que m'escaecesse
vós que vi, amig[o], em grave dia.
Nom sei, amigo, molher que passasse
coita qual eu passo que já durasse,
que nom morress[e] ou desasperasse,
porque vos nom vejo com'eu queria;
e quisesse Deus que me nom nembrasse
vós que vi, amig[o], em grave dia.
Nom sei, amigo, quem o mal sentisse
que eu senço, que o sol encobrisse,
senom eu coitada, que Deus maldisse,
porque vos nom vejo com'eu queria;
e quisesse Deus que nunca eu visse
vós que vi, amig[o], em grave dia.
Cantiga de amigo do rei D. Dinis (1261–1325)
GLOSSÁRIO
coita — sofrimento, mágoa
padesco — padeço
escaecesse — esquecesse
grave — infeliz, desgraçado
nembrasse — lembrasse
senço — sinto