As adivinhas em anexins
(Foto: João L.)
Um rei quis experimentar o juízo de três conselheiros que tinha, e indo a passear com eles encontrou um velho a trabalhar num campo, e saudou-o:
— Muita neve vai na serra!
Respondeu o velho com a cara alegre:
— Já, senhor, é tempo dela.
Os conselheiros ficaram a olhar uns para os outros, porque era verão, e não percebiam o que o velho e o rei queriam dizer na sua. O rei fez-lhe outra pergunta:
— Quantas vezes te ardeu a casa?
— Já, senhor, por duas vezes.
— E quantas contas ser depenado?
— Ainda me faltam três vezes.
Mais pasmados ficaram os conselheiros; o rei disse para o velho:
— Pois se cá te vierem três patos, depena-os tu.
— Depenarei, real senhor, porque assim o manda.
O rei seguiu seu caminho a mofar da sabedoria dos conselheiros, e que os ia despedir do seu serviço se lhe não soubessem explicar a conversa que tivera com o velho. Eles, querendo campar por espertos, foram ter com o velho para explicar a conversa; o velho respondeu:
— Explico tudo, mas só se se despirem e me derem a roupa e o dinheiro que trazem:
Não tiveram outro remédio senão obedecer; o velho disse:
— Olhem: «Muita neve vai na serra», é porque eu estou cheio de cabelos brancos; «já é tempo dela», é porque tenho idade para isso. «Quantas vezes me ardeu a casa?» é porque diz lá o ditado: «Quantas vezes te ardeu a casa? Quantas casei a filha.» E como já casei duas filhas sei o que isso custa. «E quantas vezes conto ser depenado?» é que ainda tenho três filhas solteiras e lá diz o outro:
Quem casa filha
Depenado fica.
Agora os três patos que me mandou o rei são vossas mercês, que se despiram e me deram os fatos para explicar-lhes tudo.
Os conselheiros do rei iam-se zangando, quando o rei apareceu, e disse que se eles quisessem voltar para o palácio vestidos que se haviam ali obrigar a darem três dotes bons para o casamento das outras três filhas do velho lavrador.
Conto tradicional do Porto, in Contos Tradicionais do Povo Português, por Teófilo Braga
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