27 março 2018

Mocímboa do Rovuma

(11.Janeiro.1971)

O capim está prestes a estalar
O suor ácido a nublar-nos o olhar
O medo a fermentar
No silêncio fúnebre que paira no ar
O olhar cansado de estar atento
Um tique doloroso em cada movimento
Um gole de água a matar a sede
Por um breve momento
E nem uma pontinha de vento
Para nosso desalento
Um alto para comer o que sobra da ração
Para enganar a fome na última migalha de pão
Num descanso no regaço da inquietação

E num segundo
Como se fosse o fim do mundo
Uma terrível explosão
Pedaços de um corpo espalhados na picada
Um fumo negro e espesso
A esconder ferros torcidos
Um castigo que não mereço
Gritos a abafar o ruído da metralha
Vindo da emboscada
Um morto e tantos feridos
O preço desta guerra canalha
E chorei desalentado
Como se fosse eu o culpado
Daquele corpo mutilado
Lamentei não ter desertado
E até perdi a fé
Por Deus não estar do nosso lado.

16. Maio.2004

Carlos Luzio (1947–2004), ex-alferes miliciano em Moçambique, in Pescador de Sonhos (Poemas de Guerra), edição póstuma, 2005. Poema transcrito do blog Notícias de Bustos


Cena da Guerra Colonial (1961–1974). Consequências do acionamento de uma mina terrestre por uma viatura militar portuguesa em 10 de fevereiro de 1970, entre Massibi e Caianda, no Alto Zambeze, Leste de Angola, de que resultaram 1 morto e 12 feridos (Foto: João Petrucci)

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