09 janeiro 2025

Ralhete

Não me cobres
histórias de adormecer
quando o obus
rebenta no quintal
não me peças luz
se as janelas estão trancadas
não me lembres dos traumas
nem fales de fantasmas
quando eu sonho com
todos os companheiros
que sinto perder na batalha
a cada tempo
não me perguntes sobre o amor
que não tive
nem pelo coração, que esse,
faz tempo, jaz gelado
na granada do meu peito.
Porque procuras os meus olhos
se há muito foram perfurados
pelos estilhaços?
Como te atreves a querer
que te dê a mão se ainda agora
a ofereci em troca de pão?
E, sobretudo, não me perguntes
pelo que não disse
pois a minha boca
há muito se fechou à força
do fuzil do homem
que em mim te semeou.

Ana Santana, poetisa e economista angolana


(Foto de autor desconhecido)

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