30 dezembro 2024
28 dezembro 2024
Lenda da campainha de bronze
“
Há muito tempo já, governava o castelo de Monsanto um homem duro, resoluto, positivo nas suas acções, mas um tanto descrente das coisas divinas. Como o seu povo tinha por hábito e devoção fazer arder na noite de Natal um pesado madeiro em honra do Menino Jesus, precisamente à porta da capela de Santa Maria do Castelo, ele entendeu que essa devoção era imprópria de um povo equilibrado, pois forçava-o ao sacrifício de transportar pela encosta acima o madeiro que lhes parecia mais digno de tão régio Menino. E resolveu pôr cobro a tão piedoso acto. Ora o povo adora as suas tradições, e tentar apagá-las é para ele mais negra sina que a própria fome. Assim, toda a povoação ficou em louco alvoroço quando a nova começou a correr.”O Tio João da Quinta, um dos homens mais sensatos do lugar, entrou desenfreado em casa, gritando para a mulher.
— Não querem lá ver esta! Isto não pode ser! É um pecado!
A Tia Lucrécia abriu os olhos num espanto, ao ver o seu homem em tal desespero. E indagou:
— Homem, que te aconteceu?
Ele encarou-a como se fosse ralhar-lhe. E continuou gritando:
— Aconteceu a mim…. a ti… e a todos os moradores deste lugar! Mas não está certo! Não está certo! Vai haver castigo, lá isso vai!
Cada vez mais surpreendida, Tia Lucrécia voltou a perguntar, já muito inquieta:
— Mas o que foi, homem?
Ele deu um murro sobre a pobre mesa, que gemeu.
— Ora o que havia de ser! O senhor Governador deu ordem para que o madeiro não seguisse esta tarde para a porta da capela!
— Então para onde é que ele há-de ir?
Parou o Tio João de gesticular. Pôs-se mesmo em frente da mulher, a ler-lhe no rosto o efeito das palavras que ia proferir.
— Ora aí está! O madeiro vai ser todo partidinho em achas, para ser queimado na lareira do castelo!
Tia Lucrécia recuou, abrindo a boca num espanto.
— Pode lá ser!
— Pois é como te digo.
A mulher repetiu como para si mesma, ainda de olhos esbugalhados:
— Na lareira do Governador! Essa nem ao diabo lembrava!…
E persignando-se, aflita:
— Cruzes… figas, Canhoto!
O homem teve um risinho sem vontade, e exclamou:
— Pois digas o que disseres… essa ideia teve-a o senhor Governador!
E suspirando fundo, acrescentou:
— Grande perigo está sobre a sua cabeça! Não quereria estar na pele dele, não! Desfeitear assim o Menino Jesus… E logo nesta noite!
Tia Lucrécia olhava agora uma imagem do Menino Jesus colocada sobre uma cómoda tosca. Depois desviou o olhar, pensativa, e indagou:
— E o povo? Que diz o povo?
Tio João abanou a cabeça. Voltou a encolerizar-se.
— Que diz o povo? Que dizes tu? Que digo eu?… Estamos todos revoltados! Mas ele é o Senhor Governador! É ele quem manda! Que pode o povo contra ele?
Voltou a suspirar fundo.
— E um madeiro tão bom! Custou tanto a arranjá-lo… Parece impossível! O madeiro do Menino Jesus!
Tia Lucrécia concluiu, num eco:
— Que grande pecado!
Voltou a animar-se, o Tio João.
— Olha, pragas não lhe faltam! O povo está pior do que uma bicha. Grande castigo vai cair sobre o castelo!
E encolhendo os ombros:
— Ora! Ele que se havenha! Por mim tenho cá uma ideia…
Voltou a curiosidade a reflectir-se na expressão da mulher.
— E que ideia tiveste, homem?
Ele entusiasmou-se:
— Que ideia tive?… Só te digo que o Menino Jesus não pode ficar sem o seu madeiro.
— E que podes fazer tu?
— Ir buscar outro madeiro!
— E levam-no lá acima, sem ordem do senhor Governador?
Tio João pareceu hesitar.
— Bem… os outros têm medo! Mas eu…
— Tu… o quê?
— Eu… penso que poderei levá-lo lá acima sozinho!
Tia Lucrécia gritou, aflita:
— Estás doido, homem? Com uma invernia destas… E sozinho na montanha?…
Ele tentou sorrir.
— Ora! Ainda sou forte e novo demais para precisar de ajudas!
— Mas sozinho?… Ninguém é capaz de te vir ajudar?
— Olha: para falar a verdade… eu é que não quero companhias…
Continuava perplexa, a Tia Lucrécia.
— Não queres companhias! Mas tu não estás bom, homem! Não queres, porquê?
— Porque, se a coisa se espalhar, ele proíbe que eu queime o madeiro. E então… é que teria de desobedecer-lhe, compreendes? Ele só disse que queria o madeiro que era para levarmos para a porta da capela. Mais nada!
Ela meneou a cabeça.
— Cuidado, homem! Se a moura te aparece…
— Qual moura?
— A moura que está encantada na gruta. Ninguém pode subir a montanha sozinho, em vésperas de Natal!
Ele encolheu os ombros.
— Ora adeus!… Histórias dos nossos avós…
Empertigou-se a mulher.
— O quê, não acreditas?
— Eu, não. Só vendo.
Voltou a benzer-se, a Tia Lucrécia.
— Oh, Virgem Santa! Que te livres disso, porque esta moura dizem que é das más! Tem pactos com o Demónio!
Ele tentou gracejar.
— Pois olha: se assim é, foi a moura que impediu que levassem o madeiro lá acima, e fez com que o Governador tivesse esta triste ideia. Pois vou contrariá-la!
Tia Lucrécia quase chorava.
— Oh, homem, vê lá o que fazes!
— Deus é grande!
E estendendo a mão:
— Dá-me daí a minha manta e o machado.
Ela foi buscar a manta. Vinha mais pálida que a sua blusa branca.
— Estou toda a tremer!… Toma lá a manta. O machado está aí ao pé de ti.
Ele pôs a manta ao ombro e pegou no machado. Olhou a mulher bem de frente.
— Quando esta gente souber que fui queimar o madeiro sozinho, vai abrir a boca de pasmo!
— Se te parece!…
— Mas não dês já com a língua nos dentes! Deixa que eu volte.
— Está descansado. Mas não demores muito… Tenho tanto medo!
O homem saiu. Ao abrir a porta, uma lufada de vento frio bateu-lhe no rosto. Caía neve. Puxou para si a gola do casacão, embrulhou-se na manta, e começou a subir a montanha. O vento zunia pela encosta escarpada, como uivos de feras ou gritos de almas penadas…
Uivava o vento como lobo esfaimado. O frio punha rugas fundas no rosto do Tio João. Agora, ele ia subindo devagar. Cortara o lenho e levava-o sozinho, para a velha capela de Santa Maria do Castelo. Arfava de cansaço. E ainda tinha de subir um bom bocado.
O vento uivou com mais força. Ele parou um instante, a descansar. De súbito, pareceu-lhe ouvir um grito. Levantou a cabeça. Espevitou os sentidos. Que seria? O vento?... Outro grito soou, cortado por lamentos. Eram gritos de mulher. Donde vinham? Talvez da gruta. Pousou o madeiro no chão e correu para lá. De súbito, estacou. Que via? Um tesouro! E ali, em plena serra! Jamais alguém o descobrira! Que enorme riqueza! Tanto ouro junto! E seria mesmo ouro?... Aproximou-se mais. O vento parecia ter acalmado. A neve cessara de cair. Era ouro mesmo. Moedas e moedas sem conta! E campainhas… tantas campainhas de ouro! Que maravilha!
Uma voz de mulher chamou-o de mansinho:
— João, não tenhas medo. Tudo isto te pertence!
Estremeceu. Parecia ouvir, num alerta, a voz de Lucrécia perguntando ansiosa:
— E se a moura te aparece?…
Respirou fundo. Ele não estava a sonhar e não acreditava em mouras encantadas! E se o tesouro fosse, de facto, mourisco? Teria de praticar grandes feitos para o possuir. Pelo menos era assim que ouvira dizer à mãe e à avó, quando lhe contavam histórias de mouras encantadas. Feitos? Que poderia ele fazer? Não, era melhor não ser ambicioso. Riquezas que não lhe pertenciam, para que as queria? Subira o monte para levar o madeiro ao Menino Jesus. Pois iria até ao fim da tarefa qu se havia proposto fazer. Como recordação dessa visão admirável e estranha, levaria apenas uma campainha.
Estendeu o braço. Tocou com os dedos, ao de leve, no ouro. Silêncio absoluto à sua volta. Fez pressão nos dedos. Retirou o braço, com a campainha na mão. Voltou as costas ao tesouro. Ia partir. Mas a voz estranha da mulher que há pouco lhe falara chamando-o pelo seu nome, de novo se fez ouvir.
— Que fazes? Vais fugir? Agora não! Tocaste no meu ouro e, portanto, pertences-me!
O Tio João da Quinta olhou para o lado donde vinha a voz. Uma linda mulher envolta num manto branco olhava-o com certa dureza. O coração bateu-lhe mais apressado. Não era medroso, mas aquela aparição não lhe dizia nada de bom. Perguntou:
— Quem és tu, que sabes o meu nome?
Ela respondeu:
— Sou uma pobre moura há muito aqui encantada. Tu me procuraste no dia e hora aprazados pelo meu destino. Agora é preciso que me salves, ou ficarás aqui comigo para sempre!
— E que preciso fazer?
— Leva este ouro e constrói aqui um novo castelo. Mas antes disso tens de destruir a capela lá de cima!
João revoltou-se.
— Destruir a capela? Para quê?
— Porque ninguém mais reinará neste monte senão eu… e tu!
João olhou o tesouro. Olhou a mulher que lhe falava. Sentiu medo. Um medo como nunca tinha sentido. Gritou:
— Tu não és moura… És o Demónio, com disfarce de mulher! Vai-te! Não te quero!
Ela falou uma vez mais:
— É escusada a tua revolta. Já me pertences!
Olhando a capelinha lá no alto, João persignou-se, dizendo:
— Valha-me Nossa Senhora do Castelo!
Um novo grito de mulher cortou o espaço. A sua voz fez renascer o vento. Mas sobre essa voz uma outra se fez ouvir:
— Em bronze se transforme a campainha em que tocaste!
Um ruído semelhante ao trovão ecoou no espaço. O vento voltou a uivar. A neve a cair. O frio gelava. Mas a mulher moura e o tesouro haviam desaparecido. Ele olhou então para a campainha que tirara, e ficou boquiaberto: a campainha, que fora de ouro, estava transformada em bronze!
O homem caiu de joelhos. Orou frases de gratidão sincera à Virgem do Castelo.
— Senhora! Obrigado por me teres salvo! Vou levar-te já o madeiro que trago para o Deus Menino, e dar-te-ei ainda esta campainha de ouro que transformaste em bronze. Ficará para uso da tua capela, como sinal de gratidão de um pobre mortal!
A neve continuava a cair e o vento a uivar. Tio João levantou-se. Pegou no madeiro que havia deixado cair no chão. Colocou-o sobre os ombros e reencetou a caminhada. Mais satisfeito. Mais tranquilo. Mais feliz!
Gentil Marques, Lendas de Portugal
26 dezembro 2024
Nom chegou, madre, o meu amigo
Nom chegou, madre, o meu amigo,
e hoj'est o prazo saido;
ai madre, moiro d'amor!
Nom chegou, madr', o meu amado,
e hoj'est o prazo passado;
ai madre, moiro d'amor!
E hoj'est o prazo saido;
por que mentiu o desmentido?
ai madre, moiro d'amor!
E hoj'est o prazo passado;
por que mentiu o perjurado?
ai madre, moiro d'amor!
Por que mentiu o desmentido,
pesa-mi, pois per si é falido;
ai madre, moiro d'amor!
Por que mentiu o perjurado,
pesa-mi, pois mentiu per seu grado;
ai madre, moiro d'amor!
D. Dinis (1261–1325), trovador e rei de Portugal
24 dezembro 2024
O Quebra-Nozes
Surgiu na Alemanha, em finais do séc. XVII, a tradição do fabrico de quebra-nozes com a forma de bonecos, a mais das vezes imitando soldados de brinquedo. O bailado O Quebra-Nozes, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, tem por base esta tradição, que da Alemanha se estendeu à Rússia e a outros países do centro e leste da Europa. A história que este bailado nos conta baseia-se na versão de Alexandre Dumas de um conto infantil da autoria de E. T. A. Hoffmann, intitulado O Quebra-Nozes e o Rei dos Ratos. O bailado, porém, conta uma versão simplificada e aligeirada do original, não lhe correspondendo totalmente. A história começa mais ou menos assim:
Numa Noite de Natal, uma menina, chamada Clara, e os seus irmãos recebem diversas prendas. O seu padrinho, que é relojoeiro e inventor, oferece-lhes um relógio em forma de castelo, com bonecos mecânicos movendo‑se lá dentro.Depois de os seus irmãos se terem cansado de brincar com os bonecos, a menina repara num quebra-nozes e pergunta de quem é. O seu pai responde que é de todos. Os irmãos pegam no quebra-nozes e usam-no para partir nozes. A dado momento, um deles tenta partir uma noz demasiado grande e dura, e a maxila do quebra-nozes parte-se. A menina, desgostosa, tenta reparar o quebra-nozes com uma tira de pano retirada do seu vestido.
Chegada a hora de irem para a cama, as crianças guardam os seus presentes no armário dos brinquedos. A menina pede para ficar um pouco mais com o quebra-nozes e diz que o relojoeiro irá consertá-lo. Assim que ela diz isto, o quebra-nozes ganha vida.
O relógio dá as horas e começam a surgir ratos, incluindo o Rei dos Ratos. Os bonecos que estão no armário dos brinquedos ganham vida também e o quebra-nozes decide comandá-los para combater os ratos...
O bailado O Quebra-Nozes é composto dos seguintes andamentos:
— Abertura;— Decoração e iluminação da árvore de Natal;
— Marcha;
— Galope das crianças e entrada dos progenitores;
— Cena de dança;
— Cena e dança do avô;
— Partida dos convidados, noite;
— A batalha;
— Uma floresta de abetos no inverno;
— Valsa dos flocos de neve;
— (Intervalo);
— O palácio encantado de Confiturenburg;
— Chegada do Quebra-Nozes e de Clara;
— Chocolate: dança espanhola;
— Café: dança árabe;
— Chá: dança chinesa;
— Trepak (dança tradicional): dança russa;
— Dança das pimpinelas (uma espécie de frutos);
— Mãe Gigogne e os palhaços;
— Valsa das flores;
— Pas de deux;
— Valsa final e apoteose.
19 dezembro 2024
Viva a Folia
Consultado um dicionário (Infopédia, por exemplo), este diz-nos que "folia" é:
1. dança rápida e animada ao som de pandeiro ou adufe;
2. espetáculo festivo;
3. brincadeira ruidosa;
4. festa animada;
5. grande divertimento, pândega.
Ainda no séc. XV ou mesmo antes, a palavra "folia" designava também uma melodia simples mas muito apelativa, originária de Portugal, que se estendeu a Espanha no séc. XVII e logo a seguir, no séc. XVIII, se espalhou pela Europa fora como fogo em palheiro.
No tempo dos Filipes, muitos músicos portugueses foram trabalhar para Espanha, sobretudo para as cidades de Madrid e de Sevilha, onde certamente terão encontrado melhores condições de sobrevivência do que num Portugal submetido ao domínio espanhol. Estes músicos devem ter levado a Folia consigo, a qual acabou por se popularizar em terras espanholas também. Entre estes músicos, contou-se o compositor português Manuel Machado, que se radicou em Madrid e em Madrid acabou por falecer.
Um compositor francês chamado Jean-Baptiste Lully, que trabalhava na corte do rei Luis XIV de França, pegou na Folia, deu-lhe um toque mais galante e escreveu umas variações em torno dela. Chamou-lhes "Folies d'Espagne", porque deve ter sido em Espanha que ele ouviu a Folia pela primeira vez. Esta Folia de Lully espalhou-se pela Europa e seduziu uma enorme quantidade de compositores, que se apressaram a escrever as suas próprias variações sobre o tema, sobretudo compositores barrocos como Antonio Vivaldi, Georg Friedrich Händel, Alessandro Scarlatti, Arcangelo Corelli e muitos mais. Posteriormente, alguns outros compositores também resolveram criar as suas variações da Folia, desde Antonio Salieri até Sergei Rachmaninov.
No total, podemos dizer que existem variações sobre a Folia para horas e horas de música, sempre com o mesmo tema tocado vezes sem conta e de todas as formas possíveis e imaginárias. Podemos também dizer, sem qualquer receio de errar, que a humilde Folia medieval portuguesa, de autor anónimo, acabou por se tornar o tema mais famoso de toda a história da música europeia!
Das inúmeras variações que sobre o tema da Folia se escreveram ao longo dos tempos, as de Arcangelo Corelli e de Antonio Vivaldi devem ser atualmente as mais tocadas de todas.
15 dezembro 2024
Chá para dois
Tea for Two é uma canção que fez parte de um musical chamado No, No, Nanette, estreado na Broadway em 1925. Os seus autores foram Irving Caesar (letra) e Vincent Youmans (música). É uma canção que tem uma melodia simples, que entra facilmente no ouvido e nunca mais sai. Tem sido interpretada vezes sem conta pelos mais diversos cantores e instrumentistas e tornou-se um tema clássico do jazz.
11 dezembro 2024
A magia da miniaturização
Quase todos os circuitos microeletrónicos e alguns dispositivos óticos são feitos de silício, um elemento de símbolo químico Si, número atómico 14 e que é semicondutor, o que quer dizer que é condutor da eletricidade em algumas circunstâncias e é isolador em outras. Para que os dispositivos eletrónicos e óticos possam fazer aquilo que queremos que eles façam, manipulam-se as propriedades elétricas do silício através da chamada "dopagem", que consiste na adição criteriosa de átomos de outros elementos químicos à estrutura cristalina do silício. Desta forma, conseguem-se fabricar transistores, díodos, memórias, microprocessadores, microssistemas eletromecânicos, painéis solares e um sem-número de outros dispositivos e equipamentos, tudo de silício.
O silício é o segundo elemento mais comum existente na crosta terrestre, mas não se consegue encontrar em estado puro, porque reage facilmente com o oxigénio. O resultado desta reação é o dióxido de silício, que também se chama sílica e que se apresenta sob diversas formas: o mineral quartzo é sílica, os copos que colocamos na mesa de jantar são sílica, o betão com que se constroem os edifícios é sílica, etc. etc. Até o material granulado que se põe no caixote onde os gatos domésticos fazem as necessidades é sílica! Nuns casos a sílica é mais pura, noutros casos ela é mais impura, mas o que é um facto é que nós vivemos rodeados de sílica por todos os lados.
É a partir da sílica que se extrai o silício. Uma tão extraordinária abundância de sílica poderia levar-nos a supor que seria fácil extrair o silício da sílica. Nada mais errado. Esta extração é um processo que consome muita energia, porque é preciso começar por aquecer a sílica até ela entrar em fusão, tal como se faz para o fabrico do vidro. A sílica só funde à temperatura de 1713 °C, um calor de fazer literalmente derreter as pedras da calçada... É por esta razão que as fábricas de semicondutores são chamadas foundries ("fundições" em inglês) e não factories.
Para a extração do elemento silício, a sílica é fundida em fornos apropriados juntamente com carvão. Como é constituída por dióxido de silício, a sílica reage com o carvão num processo químico chamado redução, que é o contrário da oxidação: o carbono existente no carvão combina-se com os átomos de oxigénio presentes nas moléculas de sílica, dando como resultado monóxido de carbono e dióxido de carbono, que se libertam como gases, e silício, que é o que fica.
O silício assim obtido ainda não tem as características necessárias para a sua utilização na eletrónica e na ótica. É preciso purificá-lo tanto quanto possível e fazê-lo cristalizar numa estrutura única e sem defeitos. É preciso, portanto, obter com ele um monocristal que seja constituído por mais de 99,9999999 % de silício puro. Isto consegue-se retirando as impurezas ao silício bruto em fusão por meio de um processo engenhoso, enquanto o silício vai arrefecendo muito lentamente.
Antes de começar a ser trabalhado, o silício apresenta-se com uma configuração cilíndrica mais ou menos irregular. Começa por ser lixado e alisado até se tornar num cilindro circular perfeito, com um diâmetro que pode ir de 100 mm a 450 mm, sendo o diâmetro de 300 mm o mais comum atualmente.
Uma vez obtido um cilindro perfeito, este é cortado em fatias como quem corta chouriço. As rebarbas resultantes do processo de corte são cuidadosamente aparadas. Cada fatia fica com o aspeto de um disco perfeitamente circular e é chamada "bolacha", wafer em inglês.
Uma das faces de cada bolacha é seguidamente alisada e polida até se tornar um espelho extremamente plano e liso. É sobre este espelho que irão ser gravados os chips a fabricar. Qualquer irregularidade que ficar num espelho, por mais insignificante que seja, arruinará todo o trabalho subsequente.
Entra-se então na fase mais delicada de todo o processo, que é o fabrico dos microcircuitos propriamente ditos na superfície alisada da bolacha de silício. Este fabrico é feito por vários processos, consoante a função que deverá desempenhar cada pedaço e cada traço da superfície da bolacha: fotolitografia, implantação de iões, gravação por ácido, "dopagem", deposição de filme fino, etc.
Todos estes processos são extraordinariamente delicados e exigem equipamentos especiais que são astronomicamente caros. Quanto mais reduzidas forem as dimensões dos traços a imprimir no silício, maiores se tornam as dificuldades de fabrico e mais avultados serão os investimentos necessários.
Chegamos agora a um ponto tal, que até as empresas mais experientes neste domínio começam a não conseguir acompanhar a evolução conseguida por algumas das suas concorrentes mais diretas. É o caso da pioneira Intel, nomeadamente, que tem vindo a registar fracassos sucessivos nos últimos anos e está a ficar cada vez mais para trás nesta corrida por uma miniaturização sempre crescente. Entretanto, a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) já se prepara para lançar durante o ano de 2025 chips baseados em traços com 2 nanómetros de espessura. Lembremo-nos de que dois nanómetros são dois milionésimos de milímetro! A Apple e a Nvidia já lhe fizeram encomendas.
04 dezembro 2024
Abertura Ruslan e Ludmila
02 dezembro 2024
Igreja do Salvador de Tabuado
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A igreja do Salvador de Tabuado é um pequeno templo que existe em Tabuado, Marco de Canaveses. Esta igreja data do séc. XIII e é um exemplo do estilo românico rural, mas já com alguns pequenos "toques" do gótico subsequente.
O óculo que encima a fachada da igreja merece uma observação atenta, pois é de grande beleza e originalidade. O portal principal, por sua vez, é parecido com o de uma outra igreja, também consagrada ao Salvador, a do mosteiro de Paço de Sousa, no concelho de Penafiel. O arco principal tem um formato ligeiramente ogival e os capitéis sobre que assentam as suas arquivoltas apresentam motivos vegetais e animais, de grande beleza também. As mísulas que sustentam o tímpano (que é liso) exibem duas cabeças de bois, à semelhança das que estão à entrada das igrejas dos mosteiros de Paço de Sousa e de Roriz, este no concelho de Santo Tirso. Desconheço qual era a simbologia que na Idade Média se atribuía às cabeças dos bois, para assim lhes ser dado um tão grande destaque no portal principal de um templo. Com certeza a representação destas cabeças deveria significar mais do que apenas prestar homenagem a animais de importância vital para a economia rural.
O interior da igreja mostra-se quase totalmente despido de altares, talhas e outras ornamentações, que certamente terão sido acrescentados ao longo dos séculos, mas que devem ter sido removidos aquando do restauro que terá sido feito por volta de 1940. A remoção feita pôs a descoberto um fresco, ingénuo mas belíssimo, do séc. XV ou XVI, que está ao fundo da ábside e que representa Cristo sentado num trono, ladeado por São João Batista e Sant'Iago. Só este fresco justifica uma visita propositada a esta igreja e, de caminho, também se pode visitar a moderna igreja que está no Marco de Canaveses e foi projetada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira.
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