09 julho 2025

Let the Sunshine In


Cenas finais do filme Hair, estreado em 1979, do realizador checoslovaco Miloš Forman, com o tema musical Let the Sunshine In, composto por Galt MacDermot (música) e por James Rado e Gerome Ragni (letra), para o musical Hair, contra a guerra do Vietname, levado à cena na Broadway em 1968

07 julho 2025

A Bela-Menina


(Desenho de De Knutseljuf Ede)


Era um homem; vivia numa cidade e trazia navegações no mar, e depois foi ele e deu em decadência por se lhe perderem as navegações. Ele teve o seu pesar e não podia viver com aquela decência com que vivia no povoado e tinha umas terrinhas na aldeia e disse-lhes para a mulher e para as filhas: «Não temos remédio senão irmos para as nossas terrinhas; se vivemos com menos decência que até aqui somos pregoados dos nossos inimigos.»

A mulher e uma filha aceitaram, mas as outras duas filhas começaram a chorar muito. E depois foram. A que tinha ido de sua vontade era a mais nova e chamava-se Bela‑Menina; cantava muito e era a que cozinhava e ia buscar erva para o gado, de pés descalços; as outras metiam-se no quarto e não faziam senão chorar. Quando o pai ia para alguma parte, as mais velhas sempre lhe pediam que lhes trouxesse alguma cousa e a mais nova não lhe pedia nada. Vai nisto veio-lhe uma carta dum amigo dizendo que as navegações que vinham aí, que tiveram notícia e que fosse vê-las.

O homem caminhou mais um criado saber das tais navegações; quando saiu, disseram as suas filhas mais velhas que se as navegações fossem as dele lhes levasse algumas cousas que lhe declararam. E ele disse à mais nova. «Ora todas me pedem que lhes traga alguma cousa, só tu não me pedes nada?» «Vou pedir-lhe tambem uma cousa; onde o meu pai vir o mais belo jardim, traga me a mais bela flor que lá houver». O pai foi e chegou a uma cidade e reconheceu que as navegações não eram dele e foi‑se embora com a bolsa vazia. Chegou a um monte e anouteceu-lhe; ele viu uma luz e dirigiu-se para ela a ver se encontrava quem o acolhesse. Chegou lá e viu uma casa grande e estropeou à porta; não lhe falaram; tornou a estropear; não lhe falaram. E disse ao moço: «Vai aí por o portal de baixo ver se vês alguém». O moço foi e voltou: «Vejo lá muitas luzes dentro e cavalos a comer e penso para lhe botar; mas não vejo ninguém».

Então o homem mandou meter o cavalo na cavalhariça e entraram para a cozinha. Acharam lá que comer e como a fome não era pequena, foram comendo muito. E nisto aí vem por essa casa adiante uma cousa fazendo um grande arruído, assim como umas cadeias que vinham a rastos pela casa adiante e depois chegou ao pé deles um bicho de rastos e disse-lhes: «Boas noites». E eles puseram-se a pé com medo, e disseram-lhe: «Nós viemos aqui por não acharmos abrigo nem que comer noutra parte; mas não vimos fazer mal a ninguém». «Deixai-vos estar e comei». Demorou-se um pouco o bicho e disse-lhes: «Ora ide-vos deitar que eu tambem cá vou para o meu curral». E começou-se a arrastar pela cozinha e foi. Ao outro dia o homem foi ao jardim que era o mais belo que tinha visto e disse: «Já que não posso levar nada para as minhas filhas mais velhas, quero ao menos levar a flor para a Bela‑Menina…» Estava a cortar a flor e nisto o bicho salta-lhe: «Ah ladrão! Depois de t’eu acolher em minha casa, tu vens-me colher o meu sustento, que eu não me sustento senão em rosas». E ele disse: «Eu fiz mal, fiz; mas eu tenho lá uma filha que me pediu que lhe levasse a mais bela flor que eu visse na viagem, e não podendo levar nada às outras filhas, queria ao menos levar a flor; mas se a quereis ela aí fica». «Não, levai-a e se me trouxerdes cá essa filha, ficais ricos». O homem caminhou e chegou a casa muito apaixonado por não trazer nada às outras filhas e não achar as navegações e pegou na flor e deu-a à Bela‑Menina.

A filha assim que viu a flor disse: «Oh que bela flor! Onde a achou meu pai?» O pai contou-lhe o que vira e a filha disse: «Oh meu pai eu quero ir ver». «Olha que o bicho fala e disse também que te queria ver». «Pois vamos». E foram. A filha assim que viu o tal bicho disse: «Oh pai eu quero cá ficar com este bicho, que ele é muito bonito». O pai teve a sua pena, mas deixou-a. Passado algum tempo, ela disse: «Oh meu bichinho! Tu não me deixas ir ver os meus pais?» E ele disse-lhe: «Não; tu não vais lá por ora; teu pai vem cá». O pai veio e disse ao bicho: «Eu queria levar a rapariga». «Não me leves daqui a rapariga, senão eu morro e tu vai ali àquela porta e abre-a e leva dali a riqueza que tu quiseres e casa as tuas filhas». O homem que mais quis?

Um dia o bicho disse à Bela‑Menina: «A tua irmã mais velha lá vem de se receber; tu queres vê-la?» «Quero». «Vai ali e abre aquela porta». Ela foi e viu vir a irmã com o noivo e os pais. «Agora deixa-me ir ver o meu cunhado». «Eu deixava, deixava; mas tu não tornas». «Torno; dá-me só três dias que eu em dia e meio chego lá e torno cá noutro dia e meio». «Se não vieres nestes três dias, quando voltares achas-me morto». Ela foi; no fim dos três dias ela veio, mas tardou mais um pouquito que os três dias; ela foi ao jardim e viu-o deitado como morto. Chegou ao pé dele: «Ai meu bichinho!» E começou a chorar. Ele caiu e ela disse: «Coitadinho está morto; vou dar-lhe um beijinho.» E deu-lhe um beijo, mas o bicho fez-se num belo rapaz. Era um príncipe encantado que ali estava e que casou com ela.



Conto popular recolhido em Ourilhe, Celorico de Basto, por Adolfo Coelho (1847-1919)

02 julho 2025

Balada da Oliveira


Balada da Oliveira, de Pedro Caldeira Cabral, interpretada pelo próprio autor em guitarra portuguesa

30 junho 2025

Divindades aquáticas


Quinto episódio, com a duração de cerca de 25 minutos, da série documental Viagem ao Maravilhoso, realizada em 1990 por Carlos Brandão Lucas para a RTP

27 junho 2025

Alright, OK, You Win


Alright, OK, You Win, um tema musical de Sid Wyche com letra de Mayme Watts, pelo cantor de jazz norte americano Joe Williams

24 junho 2025

Moura Girão


A Galinha e os Pintos ou Uma Família, 1884, óleo sobre tela de Moura Girão (1840–1916). Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa
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Um Galo, 1885, óleo sobre madeira de Moura Girão (1840–1916). Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha
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Paisagem Campestre, 1897, aguarela sobre papel de Moura Girão (1840–1916). Coleção particular
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O pintor naturalista português Moura Girão confessou um dia que gostava tanto de animais, que se sentia incapaz de comer uma asa de frango ou arroz de cabidela. Não duvidaremos desta afirmação nem por um momento, se virmos a quantidade de obras suas que representam, sobretudo, galos, galinhas e pintainhos. Moura Girão também pintou outros animais e outros temas, mas os galos e outros galináceos avultam na sua obra de forma claramente destacada.

José Maria de Sousa Moura Girão nasceu em Lisboa em 1840, fez parte do chamado Grupo do Leão, que Columbano Bordalo Pinheiro retratou num quadro famoso que está no Museu do Chiado, trabalhou durante uma boa parte da sua vida como restaurador no Museu Nacional de Arte Antiga e faleceu, também em Lisboa, em 1916.

19 junho 2025

Rapsódia Sueca N.º 1 de Alfvén


Rapsódia Sueca N.º 1, op. 19, do compositor sueco Hugo Alfvén (1872–1960), pela Orquestra Sinfónica Islandesa dirigida pelo maestro finlandês Petri Sakari

A Rapsódia Sueca N.º 1, de Hugo Alfvén, foi por este compositor chamada Midsommarvaka, palavra composta por Midsommar (="meio do verão") e vaka (="vigília"). Em português, esta palavra poderá ser traduzida de uma forma muito livre por "Noite de São João", pois ela se refere às festas do solstício de verão, que são de origem pagã e têm lugar um pouco por toda a Europa por alturas do dia de São João.

Várias considerações se poderiam fazer a propósito destas festas, assim na Suécia como em Portugal e na Europa em geral, a começar pela sua designação. A palavra sueca para o solstício de verão, que ocorre em 21 ou 22 de junho, é midsommar (em inglês midsummer), que quer dizer "meio do verão", mas o calendário diz-nos que no hemisfério norte o solstício de junho corresponde ao início do verão e não ao seu meio.

No norte da Europa há uma enorme diferença entre o verão e o inverno em termos de duração dos dias e das noites: enquanto no solstício de inverno a noite é longuíssima e o dia curtíssimo, no de verão sucede o contrário. Nas regiões situadas a norte do Círculo Polar Ártico, então, brilha o sol à meia-noite no solstício de verão, enquanto no de inverno o sol nem chega a nascer. Em resultado desta enorme variação na duração dos dias e das noites, considerava-se que o verão era a estação do ano que tinha as noites mais curtas e os dias mais compridos: começava em 1 de maio, atingia o seu apogeu no solstício e acabava no fim de julho.

Quando a vida dos povos europeus estava estreitamente ligada à Natureza, a sucessão das estações do ano e a sua influência na vida das pessoas tinham uma importância transcendente. Como eram pagãs, as pessoas acreditavam que era dos bons ou dos maus humores dos deuses e dos espíritos que dependiam as boas ou as más colheitas, a multiplicação ou não das cabeças de gado, as fúrias ou as calmarias dos mares que lhes davam o peixe, a saúde ou as doenças dos filhos que geravam, etc. Por isso, as pessoas procuravam afastar os espíritos maléficos e cair nas boas graças das divindades benéficas, recorrendo à magia, à superstição, às rezas, às oferendas, aos sacrifícios, à feitiçaria, etc. Os momentos mais propícios a tais práticas eram, sobretudo, os solstícios, tanto o do inverno, que acontece em dezembro, como o do verão, que ocorre em junho, porque são marcas reconhecíveis de uma viragem na sucessão das estações do ano e portanto na evolução da própria vida.

Reconhecendo a importância que tais crenças e tais práticas representavam para os povos, a Igreja procurou incorporá-las na sua própria liturgia. Em vez de as combater, a Igreja cristianizou as festividade pagãs dos solstícios, associando o solstício de inverno ao nascimento de Cristo, o Salvador, que é celebrado em 25 de dezembro, e o solstício de verão a São João Batista, o santo que anunciou a vinda próxima de Cristo e que é evocado no dia 24 de junho.

Enquanto a cristianização do solstício de inverno foi quase total, através das festividades tradicionais do Natal, na cristianização do solstício de verão muitas das antigas práticas e tradições pagãs resistiram até aos nossos dias, talvez porque a Igreja as tenha associado ao santo errado. São João Batista foi um santo austero, que vivia no deserto, se vestia de peles de animais, fazia jejuns e se alimentava de gafanhotos. Um santo assim dificilmente poderia ser associado a um tempo de sol, de calor e de esperança em colheitas abundantes. São João Batista foi tudo menos um santo alegre, rapioqueiro e até um pouco maroto, que é como a tradição o representa nas festividades do solstício de verão.

São João p’ra ver as moças
Fez uma fonte de prata;
As moças não vão a ela,
São João todo se mata.
(Quadra popular portuguesa)

A importância do solstício do verão é tão grande para os povos europeus, que quase todos eles o celebram. Ainda por cima, existem claras afinidades nas celebrações dos diversos povos do continente, que foram certamente fruto das muitas invasões e conquistas que a Europa sofreu ao longo dos séculos e dos milénios. Uma das afinidades mais evidentes na celebração do solstício de verão é a do uso do fogo. Aqui no Porto, por exemplo, é verdade que já ninguém salta a fogueira na noite de São João, como sucedia no passado, mas são lançados para o ar milhares de balões coloridos, impulsionados por uma mecha a arder. Paralelamente, na Finlândia, que fica no extremo oposto da Europa, acendem-se grandes fogueiras nas margens dos incontáveis lagos que existem no país. Isto anda tudo ligado, como se vê. Todos são europeus.

Na Suécia, as festividades do solstício de verão também tinham lugar na noite que antecede o dia de São João, tal como sucede em Portugal. Na década de 50 do século passado, porém, resolveram eliminar o feriado, passando as festividades para a noite de sexta-feira para sábado que estiver mais próxima do São João. Por isso, este ano, na Suécia, o Midsommarvaka calha na noite do dia 20 para 21 de junho.

15 junho 2025

Virgem com o Menino


Virgem com o Menino, imagem de marfim de finais do séc. XIII, de autor anónimo, esculpida num dente de elefante. Museu do Louvre, Paris, França
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13 junho 2025

Vila Flor


A Igreja Matriz de Vila Flor (Foto: Pedro Domingues)
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Vila Flor, apesar de ser sede de concelho, é uma vila pequena, onde quase tudo está praticamente ao alcance da mão. Estendemos um braço e tocamos na chamada "Fonte Romana", que de facto não é romana, porque no tempo dos romanos Vila Flor nem sequer existia. Voltamos a estender um braço e tocamos no Arco de D. Dinis, que é um arco ogival de pedra, erguido no ar quase sem sustentação e é o que resta da antiga muralha da vila, mandada construir pelo Rei-Lavrador. Estendemos outra vez um braço e tocamos no Museu Berta Cabral, que nunca cheguei a visitar e sobre o qual, por isso, não estou em condições de opinar. De novo estendemos um braço e tocamos na Igreja Matriz, que só por si justifica plenamente uma deslocação até Vila Flor.


Pormenor da fachada principal da Igreja Matriz de Vila Flor (Foto de autor desconhecido)
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A Igreja Matriz de Vila Flor é dedicada a São Bartolomeu e foi construída no séc. XVIII, em substituição de uma outra que anteriormente teria existido no mesmo local e que se teria desfeito em ruínas. O melhor que a igreja atual tem para mostrar não está no seu interior, mas sim cá fora, à vista de toda a gente. É verdade que lá dentro há altares com talha dourada barroca de excelente qualidade artística. Porém, o que realmente me enche a alma na Igreja Matriz de Vila Flor é o seu exterior, com particular destaque para a fachada principal. Dizem os entendidos que a igreja é barroca e a sua fachada tem elementos maneiristas. Até poderia ser ao contrário ou não ser nada disto, porque o estilo é o que menos importa. O que importa é a grande e original beleza que esta fachada tem. Aposto que em nenhuma outra parte do mundo encontramos uma fachada assim. Uma vez vista, nunca mais se esquece.


Portal lateral da Igreja Matriz de Vila Flor (Foto: Paula Noé)
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A chamada "Fonte Romana" de Vila Flor seria uma fonte banal se não lhe estivesse associado um mirante do séc. XVI, com uma abóbada de tijolo assente em colunelos de pedra. Com que finalidade terão feito este mirante, se a vista que se tem dele não é ampla? A mim, parece-me que este mirante foi feito para que as pessoas tivessem uma sombra que as abrigasse da torreira do sol, quando levavam o seu gado à fonte e aguardavam que ele matasse a sede. Vila Flor fica no coração da Terra Quente transmontana e os seus verões são verdadeiramente sufocantes. Qualquer sombra, por mais pequena que seja, é sempre bem-vinda em Vila Flor.


A "Fonte Romana" de Vila Flor (Foto: Pedro Domingues)
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Como Vila Flor fica na Terra Quente, a agricultura que à sua volta se pratica é do tipo mediterrânico, com amendoais, olivais, vinhedos, pomares, etc. Basta subir ao santuário de Nossa Senhora da Assunção, junto a Vilas Boas, ou descer ao fertilíssimo Vale da Vilariça, para nos encontrarmos rodeados por uma paisagem que é completamente diferente da da vizinha Terra Fria, caracterizada por castanheiros e campos de centeio. Em Vila Flor, quase poderíamos dizer que nos encontramos em pleno Algarve, em vez de Trás-os-Montes.


O Arco de D. Dinis, em Vila Flor (Foto: Aníbal Gonçalves)
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09 junho 2025

Alimento il mio proprio tormento


Alimento il mio proprio tormento, da oratória La Morte d'Abel, do compositor português (de ascendência italiana por parte do pai) Pedro António Avondano (1714–1782), baseada num libreto do italiano Pietro Metastasio (1698–1782). Interpretação da soprano portuguesa Sandra Medeiros e da orquestra barroca Divino Sospiro, de Lisboa, sob a direção do maestro italiano Massimo Mazzeo

05 junho 2025

Acabamos sempre por esquecer tudo


Acabamos sempre por esquecer tudo.

O tempo gera a traição do abandono
e a memória não passa de disfarce.

O que fomos
o que vimos
o que fizemos
o que nos fizeram,
esquecemos tudo.

Acabamos sempre por esquecer tudo.

Esvaem-se os anos e os corpos
na escuridão que nos persegue.
Mantemos os olhos maquinalmente abertos
mas já nada vemos
do que passou
do que foi.
Já nada persiste.

Restam, talvez, algumas sombras disformes
um ou outro eco mecânico
palavras despidas
o sonho
o pesadelo
um nevoeiro acre e sem fundo…

Esquecemos tudo
nas oportunistas mãos do vácuo,
irmão incestuoso da morte.

Como foi possível esquecer-te, João Cabral?
E tu, Miguel,
e tu, Lourenço,
e tu, povo angolano,
e tu, soldado da minha guerra?!

Os vermes parasitam nossas recordações
cantando hinos de decomposição.

Onde estão o medo, os soluços, o desespero, a
[raiva?!
Onde estão os mortos, os vivos, as vítimas, os
[algozes?!

Quase não acredito no que já esqueci.

Mário Brochado Coelho (1939–2023) in Cinco passos ao sol, Edições Afrontamento, Porto, 1991


Militares portugueses em operações nas proximidades da fronteira do rio Cuango em 1973. Quimbele, Uíge, Angola (Foto: Henrique J. C. de Oliveira)
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01 junho 2025

In the Mood


In the Mood, por Glenn Miller and His Orchestra, com Clyde Hurley, Leigh Knowles e Dale McMickle nos trompetes, Glenn Miller, Al Mastren e Paul Tanner nos trombones, Hal McIntyre em saxofone alto, Harold Tennyson em clarinete, saxofone alto e saxofone barítono, Wilbur Schwartz em clarinete e saxofone alto, Tex Beneke e Al Klink em saxofones tenores, Richard Fisher na guitarra, Rowland Bundock no contrabaixo, Chummy McGregor no piano e Maurice Purtill na bateria. Gravado em 1939

30 maio 2025

A Fonte da Juventude


A Fonte da Juventude, 1546, óleo sobre madeira de tília de Lucas Cranach, o Velho (14721553), Gemäldegalerie Berlin, Berlim, Alemanha
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27 maio 2025

Veloso Salgado


Retrato de Mrs. Hirsch, c.1934, óleo sobre tela de Veloso Salgado (1864–1945), Museu Nacional Soares dos Reis, Porto
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Amor e Psique, 1891, óleo sobre tela de Veloso Salgado (1864–1945), Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa
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Vasco da Gama perante o Samorim de Calecute, 1898, óleo sobre tela de Veloso Salgado (1864–1945), Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa
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O pintor José Maria Veloso Salgado nasceu em Ourense, na Galiza, em 1864. Com dez anos de idade mudou-se para Lisboa, onde ficou aos cuidados de um tio materno. Este tio era dono de uma litografia, onde Veloso Salgado começou a trabalhar e onde teve os seus primeiros contactos com a produção artística no domínio das artes gráficas.

Entre 1883 e 1885, Veloso Salgado frequentou a Academia de Belas-Artes de Lisboa. Em 1887 naturalizou‑se português e concorreu a uma bolsa de estudo do Estado, para completar a sua formação no estrangeiro. Conseguiu que esta bolsa lhe fosse atribuida e foi para Paris. Depois de ter concluído os seus estudos na capital francesa e antes de regressar a Portugal, Veloso Salgado ainda teve estadias mais ou menos curtas, mas muito proveitosas, na Bretanha, no extremo nordeste de França e em Florença. Pintou, realizou exposições, venceu concursos e ganhou prémios.

Em 1895, Veloso Salgado regressou a Portugal e tornou-se professor da Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde lecionou até 1937. O artista viveu no n.º 35 da Rua da Quintinha, em Lisboa, onde existe uma placa a assinalar este facto, e faleceu em 1945.

Veloso Salgado foi um artista muito prolífico e dele ficaram numerosas obras, de entre as quais podemos destacar as pinturas alusivas a acontecimentos marcantes da história de Portugal, assim como outras evocativas das Artes e das Ciências, que se encontram disseminadas por muitas instituições públicas e privadas, nomeadamente a Assembleia da República, a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Universidade do Porto, o Palácio da Bolsa também no Porto, o Museu Militar de Lisboa, etc.

24 maio 2025

Ribalta

Às vezes é tão tarde, querido amigo,
Que uma nesga de céu nos bate à porta,
Que a gente nem a ouve… Ou já está morta,
Ou nem tem porta por não ter abrigo…

Não quer entrar e conversar comigo?
Venha daí se o que eu disser lhe importa,
Quero mostrar-lhe os frutos duma horta
Que cozinhei num fogo muito antigo…

É que a conversa, amigo, faz-nos falta,
Tanta quanta nos faz o pão prà boca
Ou a canção que anima e junta a malta

Esta é a minha casa, a minha toca,
O meu pequeno palco e a ribalta
Da minha velha Musa ousada e louca.

21.05.2025 — 21:30h

Maria João Brito de Sousa, in poetaporkedeusker
(Desenho de Ahmad Safarudin)

22 maio 2025

O Auriga de Delfos



Auriga de Delfos é o nome de uma escultura grega de bronze, com 1,82 metros de altura, feita por volta do ano 470 A.C. (antes de Cristo) e descoberta em 1896 num antigo santuário dedicado a Apolo, em Delfos, Grécia. Encontra-se presentemente no Museu Arqueológico de Delfos.

O Auriga de Delfos representa um condutor de carros puxados por cavalos (um auriga), que terá vencido uma corrida de carros nos Jogos Pítios. Estes jogos eram os segundos jogos mais importantes de toda a Grécia Antiga, logo a seguir aos Jogos Olímpicos, e realizavam-se de quatro em quatro anos em Delfos. Esta escultura devia representar um auriga a conduzir o seu carro durante a volta triunfal de consagração, como vencedor, no fim de uma corrida, com as rédeas dos cavalos seguras na sua mão direita, ainda suado, mas já com a respiração normalizada.


O Auriga de Delfos é uma escultura representativa de um estilo intermédio na arte da Grécia Antiga, chamado Estilo Severo, que fez a transição entre o Estilo Arcaico, hirto e rígido, e o Estilo Clássico, harmonioso e natural. Nesta obra em concreto, a parte da túnica que do peito desce até aos pés, verticalmente e sem qualquer sugestão de movimento, é representativa do Estilo Arcaico. O resto da escultura, cheio de naturalidade e harmonia, já representa o Estilo Clássico, mostrando um auriga vencedor, altivo e orgulhoso do seu feito, mas sereno e contido nas emoções de acordo com o ideal clássico expresso na frase «Tudo com perfeita moderação».

A estátua do Auriga de Delfos não devia limitar-se a representar apenas o auriga propriamente dito, mas também devia ser complementada por um conjunto de outras esculturas, também elas de bronze, das quais resta muito pouco: as do carro que o auriga conduzia, as dos cavalos que estavam atrelados ao carro e, provavelmente, as de um ou dois tratadores dos cavalos. De todo este conjunto, quase só sobreviveu até aos nossos dias a estátua do próprio auriga, à qual falta apenas o braço esquerdo. No restante, ela apresenta-se-nos espantosamente completa e é verdadeiramente admirável do ponto de vista do engenho e da arte.


Também a qualidade técnica desta escultura de bronze é notável. Ela foi feita por moldagem, segundo o método da cera perdida, através do qual é possível reproduzir com total fidelidade os mais pequenos pormenores que estiverem presentes no molde. Este método dá bons resultados em esculturas de pequena dimensão, mas não em esculturas grandes como esta, que deve ter sido fundida em partes separadas, as quais no fim devem ter sido unidas umas às outras por soldadura. Seja como for, o resultado final é admirável.

Admirável também é a técnica usada para a representação dos olhos, que estão incrustados no bronze da estátua. Os olhos são feitos de calcedónia, que é uma variedade de quartzo translúcido. O aspeto gorduroso da calcedónia presta-se bem à representação da esclerótica, que é a parte branca dos olhos. A íris e a pupila foram obtidas por processos químicos cuidadosamente aplicados a zonas específicas da calcedónia. O resultado é espantoso: os olhos do auriga parecem ter vida! Só lhes falta pestanejar.


Por fim, não podemos deixar de reparar nos pés do auriga, que são de um realismo que impressiona. São uns pés maltratados, de alguém que costumava andar descalço.

Não há dúvida de que a estátua do Auriga de Delfos é uma das mais importantes esculturas de toda a arte da Grécia Antiga. É a estátua de alguém que viveu há dois mil e quinhentos anos e, no entanto, apresenta-se-nos impressionantemente humano. Parece que está vivo e respira, aqui e agora neste século XXI depois de Cristo. É um milagre que só a Arte com A maiúsculo consegue realizar.


17 maio 2025

Oh Angola dor mansa e bruta

oh Angola
dor mansa e bruta
de menina
descuidada e contente

desandando
em gargalhada teimosa
e
pé de dança atrevido
para
loucura de abismo

a compasso
de marimbas guitarras eléctricas
e
minas

oh Angola
dor mansa e bruta
de menina
descuidada e contente

Arlindo Barbeitos (1940–2021), poeta angolano


(Foto de autor desconhecido)

15 maio 2025

Dança das Horas


Dança das Horas, um bailado da ópera La Gioconda, do compositor italiano Amilcare Ponchielli (1834–1886), numa coreografia do romeno Gheorghe Iancu, interpretada pela bailarina italiana Letizia Giuliani, o bailarino espanhol Ángel Corella e o corpo de ballet da Ópera de Paris

13 maio 2025

O caçador de ausências


(Foto de autor desconhecido)


(…)

O miúdo falou que Florinha fugira de casa, numa noite dessas. Diz-se que ela se entranhara na floresta, deambulando sem destino. Ainda lhe seguiram o rasto até à curva do rio. Depois, subitamente, nenhuma pegada, nenhum vestígio, nenhuma gota. Mal soube da fuga, Vasco ordenou que todos espalhassem vigília e desgrenhassem capins e arvoredos. Enlouquecido passou o mato a pente fino. Pobre homem: abanava a árvore para cair fruto, mas quem tombou foi serpente. A solidão se enroscou, definitiva, no seu viver. E o homem se azedou a pontos de se raivar contra tudo e todos. Quem sabe tinha sido boa fortuna eu ter falhado encontrar-me com esse Vasco? Com certeza, ele me receberia a tiro de espingarda…

Assim, com saco vazio e alma magra eu me fiz ao mato, ensaiando um arrastoso regresso. Trazia comigo o meu nenhum dinheiro, bolso enchido de sopro. Um céu triste me enevoava. Pela primeira vez, chamava lembranças e a Florinha não comparecia. Estranhei, com suspeição. Porque ela se tinha retirado da sua ausência?

Meu sobressalto tinha razão. Porque, sem saber, um contrabandoleiro me tinha seguido desde a cidade. O malandro sabia, por certo, que eu ia colectar um montante. Tomando-me por um zé-alguém, o bandido me emboscou. Saltou de um penhasco, sombra encostando-se-me no corpo. Foi espetando nariz no meu hálito enquanto encostava o cano da espingarda no meu pé. Olhei para baixo, em respeito do medo.

De repente, o valor das minhas partes inferiores se desenhou, superior, ante o meu juízo. Cada pé sustenta mais que uma perna, meio corpo, meia vida. Um pé suporta o passado, outro dá apoio ao futuro. Aquele pé que o matulão me ameaçava, eu sabia, aquele pé dava sustento ao meu futuro.

– Esse, não. Lhe peço, dispare no outro pé.

A mão do mautrapilho procurou encosto no meu ombro. Era gozo de tocar-me? Ou seria o gosto de me ver liquedesfazer em tremuras? Eu já fazia descontos na minha vivência, mais vazado que o saco que tremia em meu regaço. Corajoso é o que esquece de fugir? Pois, imóvel fiquei até que se escutou o formidável rugido, clamor de cavernosos dentes. Cruz em peito, credo na boca! O que seria um tal escarcéu? E eis que um leopardo se subitou entre os ramos das árvores. E soou o disparo, tangenciando o instante. Tombei no meio de gritaria. Que se passara? O bandido, tomado de susto, disparou em seu próprio corpo. Tudo se passou em fracção de um «oh» e, no rebuliço, ainda acreditei ver um dedo maiúsculo voando, avulsamente pelo ar. Mas eu já me desencadeara dali, correndo tanto que os quilómetros se juntaram às léguas. Em pulos e tropeços, a distância me foi escudando.

Mas, contudo e porém. Mordido por ter cão, mordendo por não o ter. E eu me salvava de balázio para me perder na escura selva. Salvei-me da boca, metia-me no dente? Olhei em volta e o verde me enleava, pegajoso. Dormi com o relento, lençolei-me com o infinito da estrela. Pensava que era noite de passagem. Mas rodopiei mais noites às voltas, zarantolo. Assisti às quatro estações da lua. Comi raiz, masquei folha, trinquei casca, cuspi-me a mim. Beberiquei orvalhos, na cafeteira da madrugada.

Já eu tinha perdido contas às manhãs quando ao despertar me rasgou um susto. Focinhando em meu rosto estava o leopardo. Minha alma caiu de joelhos, me entreguei a meu próprio fim. O felino achegou-se e estacou a rasar-me o corpo. Olhei seus olhos e estremeci até às lágrimas: ali estavam, serenos e espantosos, os olhos de quem eu nunca me curara de ter amado.

Florinha!

E mesmo debaixo de tontura entreguei meu rosto, meu pescoço ao afago. Tanto que não senti nem dente, nem sangue. Os outros dizem que foi milagre o bicho não consumar em mim sua matadora vocação. Só eu guardo meus secretos motivos.

(…)




Mia Couto, escritor moçambicano. Trecho do conto O Caçador de Ausências, págs. 120 a 122 do livro O Fio das Missangas, Editorial Caminho, Lisboa, 2004

10 maio 2025

José Malhoa


Os Bêbados ou Festejando o S. Martinho, 1907, óleo sobre tela de José Malhoa (1855–1933), Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha
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O Fado, 1910, óleo sobre tela de José Malhoa (1855–1933), Museu de Lisboa. Em exposição no Museu do Fado, Lisboa
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Praia das Maçãs, 1918, óleo sobre madeira de José Malhoa (1855–1933), Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa
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Outono, 1919, óleo sobre madeira de José Malhoa (1855–1933), Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa
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Atelier do Artista, 1893–1894, óleo sobre tela de José Malhoa (1855–1933), Museu de Arte de São Paulo, Brasil
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José Malhoa foi, sem qualquer contestação, um dos pintores portugueses mais importantes da transição do séc. XIX para o séc. XX. Toda a sua formação artística decorreu exclusivamente em Portugal, pois, tendo concorrido a duas bolsas para poder completar os seus estudos no estrangeiro, foi preterido em ambas, em consequência de um outro concorrente ter metido "cunha" e ter ganho os concursos. Descobertas as fraudes, os concursos foram anulados e as bolsas canceladas.

Pode-se dizer, com toda a propriedade, que José Malhoa foi o mais português de todos os pintores portugueses dos últimos séculos. Toda a sua vasta obra é um caleidoscópio de gentes e de paisagens de Portugal no seu tempo: camponeses, rufiões, burgueses, pastores, prados, campos, jardins, praias, etc.

Nascido nas Caldas da Rainha em 1855, José Vital Branco Malhoa estudou na Real Academia de Belas-Artes de Lisboa, onde obteve sempre primeiros prémios, e em 1881 passou a dedicar-se exclusivamente à pintura. Permaneceu largas temporadas em Figueiró dos Vinhos, que era o seu refúgio predileto, e foi em Figueiró dos Vinhos que faleceu no ano de 1933. Está sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.