07 janeiro 2025

Fantasia Coral de Beethoven


Fantasia Coral, para piano, vozes solistas, coro misto e orquestra, op. 80, de Ludwig van Beethoven (1770–1827), pela pianista argentina Martha Argerich, o maestro japonês Seiji Osawa e solistas, coro e orquestra não identificados, o que é imperdoável

05 janeiro 2025

Domínguez Álvarez


Casario e Figuras de um Sonho, 1934, óleo sobre tela de Domínguez Álvarez (1906–1942). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Adega do Galo, 1930, óleo sobre tela de Domínguez Álvarez (1906–1942). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Rua de Santo Ildefonso, óleo sobre tela de Domínguez Álvarez (1906–1942). Coleção particular
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Paisagem de Frías, 1932, óleo sobre tela de Domínguez Álvarez (1906–1942). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Sem título, têmpera sobre papel de Domínguez Álvarez (1906–1942). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Paisagem de Contumil, óleo sobre cartão de Domínguez Álvarez (1906–1942). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Capa do catálogo de uma exposição de obras de Domínguez Álvarez (1906–1942), realizada em Lisboa pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2007–2008
(Clicar na imagem para ampliá-la)

De ascendência galega, tanto por parte da mãe como por parte do pai, José Cândido Domínguez Álvarez foi um pintor nascido no Porto em 1906 e falecido na mesma cidade em 1942. Estudou no Porto e na Galiza e obteve a classificação máxima (20 valores) como nota final, no curso de Pintura da Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Apesar da nota conseguida, Domínguez Álvarez nunca conseguiu obter em vida o reconhecimento do seu real valor. Nunca foi a Paris, ao contrário de tantos outros artistas, e nem sequer foi a Lisboa, limitando as suas deslocações ao norte de Portugal e de Espanha. Mesmo assim, foi um pintor notável, dos melhores do séc. XX. O que ele teve, foi o azar de viver num tempo em que a ditadura do Estado Novo alimentava uma arte conformista e virada para a glorificação do passado, o que ele não fazia.

Domínguez Álvarez foi um pintor modernista. Em algumas das suas obras, é evidente a assumida influência do pintor maneirista El Greco. Noutras, surgem enigmáticos vultos de chapéu na cabeça, em ambientes inquietantes. Pintou bastantes paisagens, com destaque para a representação de vilas e cidades do norte de Espanha. Como viveu na portuense Rua da Vigorosa, às Antas, também pintou algumas paisagens rurais ali bem perto, em Contumil, uma antiga aldeia administrativamente absorvida pela cidade. No seu tempo, Contumil ainda tinha um caráter rural muito acentuado.

01 janeiro 2025

Ouvir estrelas

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Olavo Bilac (1865–1918), poeta brasileiro

30 dezembro 2024

Rock and roll para animar a passagem de ano


Let's Have a Party, por Wanda Jackson

C'mon Everybody, por Eddie Cochran

The Twist e Let's Twist Again, por Chubby Checker

Ain't That a Shame, por Fats Domino

Barbara Ann, por The Beach Boys

You're Sixteen, por Johnny Burnette

Runaway, por Del Shannon

28 dezembro 2024

Lenda da campainha de bronze


Em primeiro plano, o castelo de Monsanto, com a singela capela de Santa Maria do Castelo no seu interior; em segundo plano, "aninhada" à sombra do castelo, a vila de Monsanto, concelho de Idanha-a-Nova (Foto: Duarte Fernandes Pinto)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Há muito tempo já, governava o castelo de Monsanto um homem duro, resoluto, positivo nas suas acções, mas um tanto descrente das coisas divinas. Como o seu povo tinha por hábito e devoção fazer arder na noite de Natal um pesado madeiro em honra do Menino Jesus, precisamente à porta da capela de Santa Maria do Castelo, ele entendeu que essa devoção era imprópria de um povo equilibrado, pois forçava-o ao sacrifício de transportar pela encosta acima o madeiro que lhes parecia mais digno de tão régio Menino. E resolveu pôr cobro a tão piedoso acto. Ora o povo adora as suas tradições, e tentar apagá-las é para ele mais negra sina que a própria fome. Assim, toda a povoação ficou em louco alvoroço quando a nova começou a correr.

O Tio João da Quinta, um dos homens mais sensatos do lugar, entrou desenfreado em casa, gritando para a mulher.

— Não querem lá ver esta! Isto não pode ser! É um pecado!

A Tia Lucrécia abriu os olhos num espanto, ao ver o seu homem em tal desespero. E indagou:

— Homem, que te aconteceu?

Ele encarou-a como se fosse ralhar-lhe. E continuou gritando:

— Aconteceu a mim…. a ti… e a todos os moradores deste lugar! Mas não está certo! Não está certo! Vai haver castigo, lá isso vai!

Cada vez mais surpreendida, Tia Lucrécia voltou a perguntar, já muito inquieta:

— Mas o que foi, homem?

Ele deu um murro sobre a pobre mesa, que gemeu.

— Ora o que havia de ser! O senhor Governador deu ordem para que o madeiro não seguisse esta tarde para a porta da capela!

— Então para onde é que ele há-de ir?

Parou o Tio João de gesticular. Pôs-se mesmo em frente da mulher, a ler-lhe no rosto o efeito das palavras que ia proferir.

— Ora aí está! O madeiro vai ser todo partidinho em achas, para ser queimado na lareira do castelo!

Tia Lucrécia recuou, abrindo a boca num espanto.

— Pode lá ser!

— Pois é como te digo.

A mulher repetiu como para si mesma, ainda de olhos esbugalhados:

— Na lareira do Governador! Essa nem ao diabo lembrava!…

E persignando-se, aflita:

— Cruzes… figas, Canhoto!

O homem teve um risinho sem vontade, e exclamou:

— Pois digas o que disseres… essa ideia teve-a o senhor Governador!

E suspirando fundo, acrescentou:

— Grande perigo está sobre a sua cabeça! Não quereria estar na pele dele, não! Desfeitear assim o Menino Jesus… E logo nesta noite!

Tia Lucrécia olhava agora uma imagem do Menino Jesus colocada sobre uma cómoda tosca. Depois desviou o olhar, pensativa, e indagou:

— E o povo? Que diz o povo?

Tio João abanou a cabeça. Voltou a encolerizar-se.

— Que diz o povo? Que dizes tu? Que digo eu?… Estamos todos revoltados! Mas ele é o Senhor Governador! É ele quem manda! Que pode o povo contra ele?

Voltou a suspirar fundo.

— E um madeiro tão bom! Custou tanto a arranjá-lo… Parece impossível! O madeiro do Menino Jesus!

Tia Lucrécia concluiu, num eco:

— Que grande pecado!

Voltou a animar-se, o Tio João.

— Olha, pragas não lhe faltam! O povo está pior do que uma bicha. Grande castigo vai cair sobre o castelo!

E encolhendo os ombros:

— Ora! Ele que se havenha! Por mim tenho cá uma ideia…

Voltou a curiosidade a reflectir-se na expressão da mulher.

— E que ideia tiveste, homem?

Ele entusiasmou-se:

— Que ideia tive?… Só te digo que o Menino Jesus não pode ficar sem o seu madeiro.

— E que podes fazer tu?

— Ir buscar outro madeiro!

— E levam-no lá acima, sem ordem do senhor Governador?

Tio João pareceu hesitar.

— Bem… os outros têm medo! Mas eu…

— Tu… o quê?

— Eu… penso que poderei levá-lo lá acima sozinho!

Tia Lucrécia gritou, aflita:

— Estás doido, homem? Com uma invernia destas… E sozinho na montanha?…

Ele tentou sorrir.

— Ora! Ainda sou forte e novo demais para precisar de ajudas!

— Mas sozinho?… Ninguém é capaz de te vir ajudar?

— Olha: para falar a verdade… eu é que não quero companhias…

Continuava perplexa, a Tia Lucrécia.

— Não queres companhias! Mas tu não estás bom, homem! Não queres, porquê?

— Porque, se a coisa se espalhar, ele proíbe que eu queime o madeiro. E então… é que teria de desobedecer-lhe, compreendes? Ele só disse que queria o madeiro que era para levarmos para a porta da capela. Mais nada!

Ela meneou a cabeça.

— Cuidado, homem! Se a moura te aparece…

— Qual moura?

— A moura que está encantada na gruta. Ninguém pode subir a montanha sozinho, em vésperas de Natal!

Ele encolheu os ombros.

— Ora adeus!… Histórias dos nossos avós…

Empertigou-se a mulher.

— O quê, não acreditas?

— Eu, não. Só vendo.

Voltou a benzer-se, a Tia Lucrécia.

— Oh, Virgem Santa! Que te livres disso, porque esta moura dizem que é das más! Tem pactos com o Demónio!

Ele tentou gracejar.

— Pois olha: se assim é, foi a moura que impediu que levassem o madeiro lá acima, e fez com que o Governador tivesse esta triste ideia. Pois vou contrariá-la!

Tia Lucrécia quase chorava.

— Oh, homem, vê lá o que fazes!

— Deus é grande!

E estendendo a mão:

— Dá-me daí a minha manta e o machado.

Ela foi buscar a manta. Vinha mais pálida que a sua blusa branca.

— Estou toda a tremer!… Toma lá a manta. O machado está aí ao pé de ti.

Ele pôs a manta ao ombro e pegou no machado. Olhou a mulher bem de frente.

— Quando esta gente souber que fui queimar o madeiro sozinho, vai abrir a boca de pasmo!

— Se te parece!…

— Mas não dês já com a língua nos dentes! Deixa que eu volte.

— Está descansado. Mas não demores muito… Tenho tanto medo!

O homem saiu. Ao abrir a porta, uma lufada de vento frio bateu-lhe no rosto. Caía neve. Puxou para si a gola do casacão, embrulhou-se na manta, e começou a subir a montanha. O vento zunia pela encosta escarpada, como uivos de feras ou gritos de almas penadas…

Uivava o vento como lobo esfaimado. O frio punha rugas fundas no rosto do Tio João. Agora, ele ia subindo devagar. Cortara o lenho e levava-o sozinho, para a velha capela de Santa Maria do Castelo. Arfava de cansaço. E ainda tinha de subir um bom bocado.

O vento uivou com mais força. Ele parou um instante, a descansar. De súbito, pareceu-lhe ouvir um grito. Levantou a cabeça. Espevitou os sentidos. Que seria? O vento?... Outro grito soou, cortado por lamentos. Eram gritos de mulher. Donde vinham? Talvez da gruta. Pousou o madeiro no chão e correu para lá. De súbito, estacou. Que via? Um tesouro! E ali, em plena serra! Jamais alguém o descobrira! Que enorme riqueza! Tanto ouro junto! E seria mesmo ouro?... Aproximou-se mais. O vento parecia ter acalmado. A neve cessara de cair. Era ouro mesmo. Moedas e moedas sem conta! E campainhas… tantas campainhas de ouro! Que maravilha!

Uma voz de mulher chamou-o de mansinho:

— João, não tenhas medo. Tudo isto te pertence!

Estremeceu. Parecia ouvir, num alerta, a voz de Lucrécia perguntando ansiosa:

— E se a moura te aparece?…

Respirou fundo. Ele não estava a sonhar e não acreditava em mouras encantadas! E se o tesouro fosse, de facto, mourisco? Teria de praticar grandes feitos para o possuir. Pelo menos era assim que ouvira dizer à mãe e à avó, quando lhe contavam histórias de mouras encantadas. Feitos? Que poderia ele fazer? Não, era melhor não ser ambicioso. Riquezas que não lhe pertenciam, para que as queria? Subira o monte para levar o madeiro ao Menino Jesus. Pois iria até ao fim da tarefa qu se havia proposto fazer. Como recordação dessa visão admirável e estranha, levaria apenas uma campainha.

Estendeu o braço. Tocou com os dedos, ao de leve, no ouro. Silêncio absoluto à sua volta. Fez pressão nos dedos. Retirou o braço, com a campainha na mão. Voltou as costas ao tesouro. Ia partir. Mas a voz estranha da mulher que há pouco lhe falara chamando-o pelo seu nome, de novo se fez ouvir.

— Que fazes? Vais fugir? Agora não! Tocaste no meu ouro e, portanto, pertences-me!

O Tio João da Quinta olhou para o lado donde vinha a voz. Uma linda mulher envolta num manto branco olhava-o com certa dureza. O coração bateu-lhe mais apressado. Não era medroso, mas aquela aparição não lhe dizia nada de bom. Perguntou:

— Quem és tu, que sabes o meu nome?

Ela respondeu:

— Sou uma pobre moura há muito aqui encantada. Tu me procuraste no dia e hora aprazados pelo meu destino. Agora é preciso que me salves, ou ficarás aqui comigo para sempre!

— E que preciso fazer?

— Leva este ouro e constrói aqui um novo castelo. Mas antes disso tens de destruir a capela lá de cima!

João revoltou-se.

— Destruir a capela? Para quê?

— Porque ninguém mais reinará neste monte senão eu… e tu!

João olhou o tesouro. Olhou a mulher que lhe falava. Sentiu medo. Um medo como nunca tinha sentido. Gritou:

— Tu não és moura… És o Demónio, com disfarce de mulher! Vai-te! Não te quero!

Ela falou uma vez mais:

— É escusada a tua revolta. Já me pertences!

Olhando a capelinha lá no alto, João persignou-se, dizendo:

— Valha-me Nossa Senhora do Castelo!

Um novo grito de mulher cortou o espaço. A sua voz fez renascer o vento. Mas sobre essa voz uma outra se fez ouvir:

— Em bronze se transforme a campainha em que tocaste!

Um ruído semelhante ao trovão ecoou no espaço. O vento voltou a uivar. A neve a cair. O frio gelava. Mas a mulher moura e o tesouro haviam desaparecido. Ele olhou então para a campainha que tirara, e ficou boquiaberto: a campainha, que fora de ouro, estava transformada em bronze!

O homem caiu de joelhos. Orou frases de gratidão sincera à Virgem do Castelo.

— Senhora! Obrigado por me teres salvo! Vou levar-te já o madeiro que trago para o Deus Menino, e dar-te-ei ainda esta campainha de ouro que transformaste em bronze. Ficará para uso da tua capela, como sinal de gratidão de um pobre mortal!

A neve continuava a cair e o vento a uivar. Tio João levantou-se. Pegou no madeiro que havia deixado cair no chão. Colocou-o sobre os ombros e reencetou a caminhada. Mais satisfeito. Mais tranquilo. Mais feliz!



Gentil Marques, Lendas de Portugal

26 dezembro 2024

Nom chegou, madre, o meu amigo

Nom chegou, madre, o meu amigo,
e hoj'est o prazo saido;
ai madre, moiro d'amor!

Nom chegou, madr', o meu amado,
e hoj'est o prazo passado;
ai madre, moiro d'amor!

E hoj'est o prazo saido;
por que mentiu o desmentido?
ai madre, moiro d'amor!

E hoj'est o prazo passado;
por que mentiu o perjurado?
ai madre, moiro d'amor!

Por que mentiu o desmentido,
pesa-mi, pois per si é falido;
ai madre, moiro d'amor!

Por que mentiu o perjurado,
pesa-mi, pois mentiu per seu grado;
ai madre, moiro d'amor!

D. Dinis (1261–1325), trovador e rei de Portugal


Nom chegou, madre, o meu amigo, cantiga de amigo (cantiga em que o trovador se coloca no papel de uma donzela) do rei D. Dinis (1261–1325), da qual só se conhece a letra, tendo-se perdido a música. O musicólogo espanhol Carlos Villanueva adaptou-lhe a música de uma cantiga de Afonso X, "o Sábio" (1221–1284), rei de Castela e Leão e avô materno de D. Dinis, estando a interpretação a cargo do agrupamento musical In Itinere: Grupo Universitário de Câmara de Compostela

24 dezembro 2024

O Quebra-Nozes


Alguns quebra-nozes (Foto: Raul654)

Surgiu na Alemanha, em finais do séc. XVII, a tradição do fabrico de quebra-nozes com a forma de bonecos, a mais das vezes imitando soldados de brinquedo. O bailado O Quebra-Nozes, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, tem por base esta tradição, que da Alemanha se estendeu à Rússia e a outros países do centro e leste da Europa. A história que este bailado nos conta baseia-se na versão de Alexandre Dumas de um conto infantil da autoria de E. T. A. Hoffmann, intitulado O Quebra-Nozes e o Rei dos Ratos. O bailado, porém, conta uma versão simplificada e aligeirada do original, não lhe correspondendo totalmente. A história começa mais ou menos assim:

Numa Noite de Natal, uma menina, chamada Clara, e os seus irmãos recebem diversas prendas. O seu padrinho, que é relojoeiro e inventor, oferece-lhes um relógio em forma de castelo, com bonecos mecânicos movendo‑se lá dentro.

Depois de os seus irmãos se terem cansado de brincar com os bonecos, a menina repara num quebra-nozes e pergunta de quem é. O seu pai responde que é de todos. Os irmãos pegam no quebra-nozes e usam-no para partir nozes. A dado momento, um deles tenta partir uma noz demasiado grande e dura, e a maxila do quebra-nozes parte-se. A menina, desgostosa, tenta reparar o quebra-nozes com uma tira de pano retirada do seu vestido.

Chegada a hora de irem para a cama, as crianças guardam os seus presentes no armário dos brinquedos. A menina pede para ficar um pouco mais com o quebra-nozes e diz que o relojoeiro irá consertá-lo. Assim que ela diz isto, o quebra-nozes ganha vida.

O relógio dá as horas e começam a surgir ratos, incluindo o Rei dos Ratos. Os bonecos que estão no armário dos brinquedos ganham vida também e o quebra-nozes decide comandá-los para combater os ratos...


O bailado O Quebra-Nozes é composto dos seguintes andamentos:
— Abertura;

— Decoração e iluminação da árvore de Natal;

— Marcha;

— Galope das crianças e entrada dos progenitores;

— Cena de dança;

— Cena e dança do avô;

— Partida dos convidados, noite;

— A batalha;

— Uma floresta de abetos no inverno;

— Valsa dos flocos de neve;

— (Intervalo);

— O palácio encantado de Confiturenburg;

— Chegada do Quebra-Nozes e de Clara;

— Chocolate: dança espanhola;

— Café: dança árabe;

— Chá: dança chinesa;

Trepak (dança tradicional): dança russa;

— Dança das pimpinelas (uma espécie de frutos);

— Mãe Gigogne e os palhaços;

— Valsa das flores;

Pas de deux;

— Valsa final e apoteose.


Bailado O Quebra-Nozes, do compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840–1893), pela Companhia de Ballet da Ópera Nacional da Ucrânia, que executa uma coreografia de Valery Kovtun, e a Orquestra e Coro da Ópera Nacional da Ucrânia, sob a direção de Oleksiy Baklan

19 dezembro 2024

Viva a Folia


Dos Estrellas Le Siguen, uma composição baseada no tema da Folia, do português radicado em Espanha Manuel Machado (1590–1646), pelo contratenor Gérard Lesne, acompanhado pelo Ensemble Circa 1500

Consultado um dicionário (Infopédia, por exemplo), este diz-nos que "folia" é:

1. dança rápida e animada ao som de pandeiro ou adufe;

2. espetáculo festivo;

3. brincadeira ruidosa;

4. festa animada;

5. grande divertimento, pândega.

Ainda no séc. XV ou mesmo antes, a palavra "folia" designava também uma melodia simples mas muito apelativa, originária de Portugal, que se estendeu a Espanha no séc. XVII e logo a seguir, no séc. XVIII, se espalhou pela Europa fora como fogo em palheiro.

No tempo dos Filipes, muitos músicos portugueses foram trabalhar para Espanha, sobretudo para as cidades de Madrid e de Sevilha, onde certamente terão encontrado melhores condições de sobrevivência do que num Portugal submetido ao domínio espanhol. Estes músicos devem ter levado a Folia consigo, a qual acabou por se popularizar em terras espanholas também. Entre estes músicos, contou-se o compositor português Manuel Machado, que se radicou em Madrid e em Madrid acabou por falecer.

Um compositor francês chamado Jean-Baptiste Lully, que trabalhava na corte do rei Luis XIV de França, pegou na Folia, deu-lhe um toque mais galante e escreveu umas variações em torno dela. Chamou-lhes "Folies d'Espagne", porque deve ter sido em Espanha que ele ouviu a Folia pela primeira vez. Esta Folia de Lully espalhou-se pela Europa e seduziu uma enorme quantidade de compositores, que se apressaram a escrever as suas próprias variações sobre o tema, sobretudo compositores barrocos como Antonio Vivaldi, Georg Friedrich Händel, Alessandro Scarlatti, Arcangelo Corelli e muitos mais. Posteriormente, alguns outros compositores também resolveram criar as suas variações da Folia, desde Antonio Salieri até Sergei Rachmaninov.

No total, podemos dizer que existem variações sobre a Folia para horas e horas de música, sempre com o mesmo tema tocado vezes sem conta e de todas as formas possíveis e imaginárias. Podemos também dizer, sem qualquer receio de errar, que a humilde Folia medieval portuguesa, de autor anónimo, acabou por se tornar o tema mais famoso de toda a história da música europeia!

Das inúmeras variações que sobre o tema da Folia se escreveram ao longo dos tempos, as de Arcangelo Corelli e de Antonio Vivaldi devem ser atualmente as mais tocadas de todas.


Variações sobre o tema da Folia, de Arcangelo Corelli (1653–1713), por Hiro Kurosaki em violino, Ruth Verona em violoncello e Alberto Martínez Molina no cravo

Variações sobre o tema da Folia, de Antonio Vivaldi (1678–1741), pelo agrupamento musical Bach Consort Wien, de Viena, dirigido por Ruben Dubrovsky

15 dezembro 2024

Chá para dois


Fotograma do filme Tea for Two, de David Butler, com Doris Day e Gordon McRae

Tea for Two é uma canção que fez parte de um musical chamado No, No, Nanette, estreado na Broadway em 1925. Os seus autores foram Irving Caesar (letra) e Vincent Youmans (música). É uma canção que tem uma melodia simples, que entra facilmente no ouvido e nunca mais sai. Tem sido interpretada vezes sem conta pelos mais diversos cantores e instrumentistas e tornou-se um tema clássico do jazz.


Tea for Two, por Jason Graae e Rebecca Luker, numa interpretação bastante próxima da que foi apresentada nos palcos da Broadway em 1925

Tea for Two, por Doris Day, contracenando com S. Z. Sakall numa cena do filme que também se chamou Tea for Two

Tea for Two, versão não cantada, mas apenas tocada ao piano por Nat King Cole, no popular show que este notável músico tinha numa estação de televisão norte-americana

Tea for Two, num filme de desenhos animados chamado Show Bizz Bugs, com Bugs Bunny e Daffy Duck

11 dezembro 2024

A magia da miniaturização


Um microprocessador nu tem este aspeto. Microfotografia de uma das versões do microprocessador Pentium 4, que foi fabricado pela Intel entre 2000 e 2007. Dependendo da versão, este microprocessador tinha entre 42 milhões e 188 milhões de transistores, numa área de 112 mm2 a 146 mm2. Agora está ultrapassado. Já é uma "peça de museu"!

Quase todos os circuitos microeletrónicos e alguns dispositivos óticos são feitos de silício, um elemento de símbolo químico Si, número atómico 14 e que é semicondutor, o que quer dizer que é condutor da eletricidade em algumas circunstâncias e é isolador em outras. Para que os dispositivos eletrónicos e óticos possam fazer aquilo que queremos que eles façam, manipulam-se as propriedades elétricas do silício através da chamada "dopagem", que consiste na adição criteriosa de átomos de outros elementos químicos à estrutura cristalina do silício. Desta forma, conseguem-se fabricar transistores, díodos, memórias, microprocessadores, microssistemas eletromecânicos, painéis solares e um sem-número de outros dispositivos e equipamentos, tudo de silício.

O silício é o segundo elemento mais comum existente na crosta terrestre, mas não se consegue encontrar em estado puro, porque reage facilmente com o oxigénio. O resultado desta reação é o dióxido de silício, que também se chama sílica e que se apresenta sob diversas formas: o mineral quartzo é sílica, os copos que colocamos na mesa de jantar são sílica, o betão com que se constroem os edifícios é sílica, etc. etc. Até o material granulado que se põe no caixote onde os gatos domésticos fazem as necessidades é sílica! Nuns casos a sílica é mais pura, noutros casos ela é mais impura, mas o que é um facto é que nós vivemos rodeados de sílica por todos os lados.

É a partir da sílica que se extrai o silício. Uma tão extraordinária abundância de sílica poderia levar-nos a supor que seria fácil extrair o silício da sílica. Nada mais errado. Esta extração é um processo que consome muita energia, porque é preciso começar por aquecer a sílica até ela entrar em fusão, tal como se faz para o fabrico do vidro. A sílica só funde à temperatura de 1713 °C, um calor de fazer literalmente derreter as pedras da calçada... É por esta razão que as fábricas de semicondutores são chamadas foundries ("fundições" em inglês) e não factories.

Para a extração do elemento silício, a sílica é fundida em fornos apropriados juntamente com carvão. Como é constituída por dióxido de silício, a sílica reage com o carvão num processo químico chamado redução, que é o contrário da oxidação: o carbono existente no carvão combina-se com os átomos de oxigénio presentes nas moléculas de sílica, dando como resultado monóxido de carbono e dióxido de carbono, que se libertam como gases, e silício, que é o que fica.

Um bloco irregular de silício

O silício assim obtido ainda não tem as características necessárias para a sua utilização na eletrónica e na ótica. É preciso purificá-lo tanto quanto possível e fazê-lo cristalizar numa estrutura única e sem defeitos. É preciso, portanto, obter com ele um monocristal que seja constituído por mais de 99,9999999 % de silício puro. Isto consegue-se retirando as impurezas ao silício bruto em fusão por meio de um processo engenhoso, enquanto o silício vai arrefecendo muito lentamente.


Dois "cilindros" de silício puro monocristalino

Antes de começar a ser trabalhado, o silício apresenta-se com uma configuração cilíndrica mais ou menos irregular. Começa por ser lixado e alisado até se tornar num cilindro circular perfeito, com um diâmetro que pode ir de 100 mm a 450 mm, sendo o diâmetro de 300 mm o mais comum atualmente.

Uma vez obtido um cilindro perfeito, este é cortado em fatias como quem corta chouriço. As rebarbas resultantes do processo de corte são cuidadosamente aparadas. Cada fatia fica com o aspeto de um disco perfeitamente circular e é chamada "bolacha", wafer em inglês.

Uma das faces de cada bolacha é seguidamente alisada e polida até se tornar um espelho extremamente plano e liso. É sobre este espelho que irão ser gravados os chips a fabricar. Qualquer irregularidade que ficar num espelho, por mais insignificante que seja, arruinará todo o trabalho subsequente.

Uma "bolacha" polida de silício, pronta a ser gravada

Entra-se então na fase mais delicada de todo o processo, que é o fabrico dos microcircuitos propriamente ditos na superfície alisada da bolacha de silício. Este fabrico é feito por vários processos, consoante a função que deverá desempenhar cada pedaço e cada traço da superfície da bolacha: fotolitografia, implantação de iões, gravação por ácido, "dopagem", deposição de filme fino, etc.

Uma "bolacha" de silício que, após ter sido fotolitografada e processada, está pronta para ser cortada em chips. Cada um dos quadrados que preenchem a "bolacha" é um chip, que depois de encapsulado irá dar origem a um circuito integrado. Neste caso os chips são todos iguais, mas podem ser diferentes. Os chips incompletos, que estão na periferia da "bolacha", deitam-se fora

Todos estes processos são extraordinariamente delicados e exigem equipamentos especiais que são astronomicamente caros. Quanto mais reduzidas forem as dimensões dos traços a imprimir no silício, maiores se tornam as dificuldades de fabrico e mais avultados serão os investimentos necessários.

Chegamos agora a um ponto tal, que até as empresas mais experientes neste domínio começam a não conseguir acompanhar a evolução conseguida por algumas das suas concorrentes mais diretas. É o caso da pioneira Intel, nomeadamente, que tem vindo a registar fracassos sucessivos nos últimos anos e está a ficar cada vez mais para trás nesta corrida por uma miniaturização sempre crescente. Entretanto, a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) já se prepara para lançar durante o ano de 2025 chips baseados em traços com 2 nanómetros de espessura. Lembremo-nos de que dois nanómetros são dois milionésimos de milímetro! A Apple e a Nvidia já lhe fizeram encomendas.

Só numa das faces da "bolacha" se faz a fotolitografia. Na outra face fica o substrato de silício em bruto como suporte físico da "bolacha". Se retirarmos muito cuidadosamente o substrato, fica apenas uma película fina e transparente com os desenhos gravados. Esta fotografia mostra uma tal película vista em contraluz, parecendo um vitral. Cada retângulo da imagem é um chip (Foto: KC Chng/AMD)

O engenheiro Lan Yin Lee retirou uma camada protetora a um chip e encontrou este labirinto de silício (Imagem obtida por microscópio eletrónico: Lan Yin Lee/AMD)

04 dezembro 2024

Abertura Ruslan e Ludmila


Abertura da ópera Ruslan e Ludmila, do compositor russo Mikhail Glinka (1804–1857), pela jovem Orchestra of the Music Makers, de Singapura, dirigida pelo maestro singapureano Chan Tzelaw

02 dezembro 2024

Igreja do Salvador de Tabuado


(Foto de autor desconhecido)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

A igreja do Salvador de Tabuado é um pequeno templo que existe em Tabuado, Marco de Canaveses. Esta igreja data do séc. XIII e é um exemplo do estilo românico rural, mas já com alguns pequenos "toques" do gótico subsequente.

O óculo que encima a fachada da igreja merece uma observação atenta, pois é de grande beleza e originalidade. O portal principal, por sua vez, é parecido com o de uma outra igreja, também consagrada ao Salvador, a do mosteiro de Paço de Sousa, no concelho de Penafiel. O arco principal tem um formato ligeiramente ogival e os capitéis sobre que assentam as suas arquivoltas apresentam motivos vegetais e animais, de grande beleza também. As mísulas que sustentam o tímpano (que é liso) exibem duas cabeças de bois, à semelhança das que estão à entrada das igrejas dos mosteiros de Paço de Sousa e de Roriz, este no concelho de Santo Tirso. Desconheço qual era a simbologia que na Idade Média se atribuía às cabeças dos bois, para assim lhes ser dado um tão grande destaque no portal principal de um templo. Com certeza a representação destas cabeças deveria significar mais do que apenas prestar homenagem a animais de importância vital para a economia rural.

O interior da igreja mostra-se quase totalmente despido de altares, talhas e outras ornamentações, que certamente terão sido acrescentados ao longo dos séculos, mas que devem ter sido removidos aquando do restauro que terá sido feito por volta de 1940. A remoção feita pôs a descoberto um fresco, ingénuo mas belíssimo, do séc. XV ou XVI, que está ao fundo da ábside e que representa Cristo sentado num trono, ladeado por São João Batista e Sant'Iago. Só este fresco justifica uma visita propositada a esta igreja e, de caminho, também se pode visitar a moderna igreja que está no Marco de Canaveses e foi projetada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira.

(Foto de autor desconhecido)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

(Foto de autor desconhecido)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

30 novembro 2024

Magnificat de primeiro tom


Magnificat primi toni, do compositor português Frei Manuel Cardoso (1566–1650), pelo coro português Capella Duriensis, com Vítor Sousa como solista e a condução do maestro britânico Jonathan Ayerst

28 novembro 2024

Guerra ou Lisboa 72

Partiu vivo jovem forte
Voltou bem grave e calado
Com morte no passaporte

Sua morte nos jornais
Surgiu em letra pequena
É preciso que o país
Tenha a consciência serena

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919–2004)


(Foto de autor desconhecido)

25 novembro 2024

Do Egito para a Grécia


O faraó do Egito Tutankhamon, num carro puxado por dois cavalos, derrota um exército apeado do reino núbio de Kush. Caixa de madeira de há cerca de 3300 anos, encontrada no túmulo de Tutankhamon. Museu do Egito, Cairo
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Há quem veja influências egípcias neste vaso funerário grego de terracota de há cerca de 2750 anos, durante o período homérico. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Estados Unidos da América
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Nos seus primórdios, a arte começou por se desenvolver de forma independente na Grécia e no Egito, em consequência da separação geográfica entre os dois territórios imposta pelo Mar Mediterrâneo.

Como viviam dispersos por numerosas ilhas, além do facto de a própria Grécia continental ter uma costa extremamente recortada, os gregos foram compelidos pela geografia a tornar-se exímios navegadores. Logo eles chegaram às costas do Egito e descobriram aí uma brilhante civilização.

Em resultado dos contactos que passaram a estabelecer com o Egito, os navegadores gregos trouxeram de volta as novas ideias, conceitos estéticos e gostos que tinham encontrado em terras egípcias. Deu-se então uma influência da arte egípcia na arte grega, que é já detetável nas manifestações artísticas da civilização minóica, na ilha de Creta, primeiro, e da civilização micénica, na restante Grécia, depois. É por conseguinte possível encontrar influências egípcias nas pinturas e nas cerâmicas gregas de há mais de 3000 anos.

No meio, o faraó Menkaure (c. 2490 A.C. – 2472 A.C.), a quem os gregos chamaram Mykerinos. Alto-relevo em ardósia de artista desconhecido. Museu do Egito, Cairo
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Um kouros (jovem do sexo masculino), c. 590 A.C. – 580 A.C., escultura de mármore de autor desconhecido. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Estados Unidos
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Foi talvez no domínio da escultura que a influência egípcia mais se fez sentir na arte da antiga Grécia, a começar pela própria capacidade de trabalhar a pedra, que os gregos ainda não dominavam ou dominavam mal.

De entre as esculturas de pedra que mais se distinguiram na Grécia durante o período arcaico, avultam as estátuas chamadas kouroi, plural de kouros. Um kouros é uma estátua que representa um jovem do sexo masculino numa pose bastante hirta e artificial, procurando reproduzir a pose que pode ser vista em muitas esculturas egípcias que representam faraós, sacerdotes, escribas e outros altos funcionários, ou então deuses, como Hórus.

Na pose em questão, a estátua apresenta-se de pé, com ar confiante e altivo, quase desafiante, os braços estendidos ao longo do corpo, punhos fechados, o pé esquerdo adiantado em relação ao pé direito (sempre o pé esquerdo adiantado e não o outro pé) e ombros largos. Estas são algumas das principais características comuns aos kouroi dos gregos e às representações escultóricas egípcias. As diferenças, que acabam por ser praticamente secundárias, devem-se às próprias diferenças de cultura, de costumes, de religião e outras, que inevitavelmente existiam entre gregos e egípcios.


Cópia romana de mármore do Discóbolo, do escultor grego Myron, c. 460 A.C. – 450 A.C. O original, que era de bronze, desapareceu há muito, só ficando várias cópias romanas, como esta. Museu Nacional Romano Palazzo Massimo alle Terme, Roma, Itália
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Com o passar do tempo, os escultores gregos foram aperfeiçoando a sua técnica e passaram a criar obras cada vez menos artificiais. Acabaram por conferir às suas esculturas uma graciosidade, uma harmonia e uma perfeição verdadeiramente inultrapassáveis. O Discóbolo, de Myron, por exemplo, foi uma das obras que marcaram o início do período clássico da Grécia Antiga e é cabalmente demonstrativo do que era uma obra de arte da Antiguidade Clássica.

18 novembro 2024

Uma bailarina de peso


Participação em The Muppet Show do bailarino Rudolf Nureyev (1938–1993), nascido na União Soviética, de pai e mãe tártaros


Até aqui, foi uma brincadeira. Agora a sério.



Pas de deux do bailado O Lago dos Cisnes, do compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840–1893), por Rudolf Nureyev (1938–1993) e a bailarina inglesa Margot Fonteyn (1919–1991)

15 novembro 2024

Maternidade


Escultura de madeira pintada, com perto de meio metro de altura, feita por um artista anónimo pertencente à etnia dos Bambala, que habita numa região a leste de Kinshasa, na atual República Democrática do Congo. Séc. XIX? American Museum of Natural History, Nova Iorque, Estados Unidos da América
(Clicar na imagem para ampliá-la)

13 novembro 2024

O jazz "desafinado" de Thelonious Monk


Straight No Chaser, de Thelonious Monk (1917–1982), por Thelonious Monk no piano, Sahib Shihab no saxofone alto, Milt Jackson no vibrafone, Al McKibbon no contrabaixo e Art Blakey na bateria. Gravado em Nova Iorque a 23 de julho de 1951


Quando se conhece Monk tudo na sua música soa a estranho, a novo, a desafinado, a fora de tempo. O próprio swing parece estar ausente. Nada é imediato nas artes de Monk. As dissonâncias, os tempos atrasados, distorcidos, as harmonias rebuscadas, as melodias filhas desta anti-ordem toda, tudo isto é o mundo onde se tem de viver com Monk. Passada que esteja a porta, tudo lá dentro soa bem e admirável.

Esta é a versão primeira de um dos temas mais aplaudidos da sua vasta e riquíssima herança musical. Art Blakey, sempre ele, impõe um tempo vertical, meio desequilibrado para a frente, como é ideal para Monk e Monk expõe o assunto, repetido a seguir pelos outros. Monk sola com escassez de notas, simples e difícil, como Basie ou Ellington. Sahib Shihab e Milt Jackson dão a sua opinião, um bem e o seguinte melhor e tudo, à maneira clássica, com o recado do tema repetido. É uma das primeiras lições do curso secundário de jazz.



José Duarte (1938–2023)

10 novembro 2024

Jorge Barradas


Lavadeira, 1920, pastel sobre papel de Jorge Barradas (18941971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Capa para a Revista "ABC", 1921, guache sobre papel de Jorge Barradas (1894–1971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Caricatura, 1911, tinta-da-china sobre papel de Jorge Barradas (1894–1971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Desenho de Jorge Barradas (1894–1971), publicado na revista "Contemporânea", specimen, de 1915, ilustrando um artigo de Justino de Montalvão sobre Paris. Enquanto a I Guerra Mundial fazia incontáveis vítimas, em Paris a burguesia teimava em prosseguir uma vida boémia, apesar das duras restrições que a situação de guerra lhe impunha
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Capa para a Revista "ABC", 1927, guache e grafite sobre cartão de Jorge Barradas (1894–1971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa

Alegoria à Pintura e à Escultura, 1954, painel cerâmico em relevo de Jorge Barradas (1894–1971). Museu Nacional do Azulejo, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Nascido em Lisboa em 1894, Jorge Barradas foi um artista plástico modernista português, cuja atividade se espraiou pelo desenho, pintura, caricatura, etc. A partir da década de 1940, Jorge Barradas passou a dedicar-se à cerâmica, com produções de grande qualidade artística.

Jorge Barradas frequentou a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, mas não concluiu o curso. Podemos dizer que ele foi, de certo modo, um autodidata, que foi aprendendo no convívio que teve com outros artistas, como Almada Negreiros, Cristiano Cruz, José Pacheko, Stuart Carvalhais etc. Faleceu em 1971, também na cidade de Lisboa.

Nas primeiras décadas da sua vida artística, Jorge Barradas foi um frequentador assíduo da noite lisboeta, que documentou com um traço influenciado pelo estilo Art Déco. Colaborou em inúmeras publicações, com particular destaque para uma revista chamada "ABC", para a qual criou capas inesquecíveis ao longo da década de 1920.

Podemos dizer que ninguém mais do que ele, em Portugal, conseguiu retratar com tanta fidelidade a década que ficou conhecida como "Os Loucos Anos 20", em que mulheres de saias curtas e penteado à garçonne dançavam o charleston nos clubes noturnos da capital portuguesa.

Yes Sir, That's My Baby, um charleston de Coon-Sanders Nighthawk Orchestra, 1925. Aos 32 segundos, surge no vídeo uma capa da revista "ABC", que não é de Jorge Barradas, mas sim de Emmerico Nunes (1888–1968), e que mais não é do que publicidade ao Bristol Club Dancing, um clube noturno que existia na Baixa lisboeta

06 novembro 2024

A serpente


Covas do Rio, aldeia na Serra de Arada ou Serra de São Macário, concelho de São Pedro do Sul (Foto: José António Baltazar Aurélio)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

Pena, aldeia na Serra de Arada ou Serra de São Macário, concelho de São Pedro do Sul. Fotografia feita a partir da estrada de acesso, que é muito íngreme e perigosa (Foto: Inês Sequeira)
(Clicar na imagem para ampliá-la)


Dizem os antigos que nos montes de Covas do Rio havia uma serpente muito, muito grande, que ia beber ao Rio de Bronhedo, onde nessa altura habitava gente. Como a serpente era descomunal as pessoas não se podiam defender dela, que ia comendo quem apanhava mais perto, quando lhe dava fome.

As pessoas tiveram tanto medo que fugiram, mas como gostavam tanto de morar ali, e o lugar é deveras bonito, iam dizendo:

— Que pena, que pena termos de sair daqui!

E foram construir as suas casas numa aldeia, no fundo de um vale de difícil acesso, onde a serpente não lhes conseguisse chegar com facilidade. Diz-se que, por isso, chamaram Pena ao lugar para onde fugiram. Mas alguns não quiseram ir para longe dali e ficaram em Covas do Rio, por isso tinham que levar, todos os dias, uma rês ao pé do rio, para a serpente não os comer a eles.

Certo dia, uma menina levava uma rês lá para o sítio onde a serpente ia beber; e ia a chorar com muito medo, quando encontrou um barbeiro, que andava a cortar as barbas de aldeia em aldeia. Então, o barbeiro perguntou-lhe porque é que ia a chorar e ela contou-lhe o que se estava a passar. O barbeiro disse-lhe que não chorasse mais, que ele havia de matar a serpente e quis saber por onde é que ela passava, quando ia beber ao rio. A menina mostrou-lhe o caminho e o barbeiro afiou bem muitas facas e colocou-as em jeito de escamas, de tal maneira que, nesse mesmo dia, quando a serpente desceu para ir beber ao rio, passou em cima das navalhas, mas não se cortou, só que quando voltou a subir, cortou se toda, o sangue corria pelo rio abaixo e ela morreu.

Ainda hoje lá se pode ver a cova da serpente e os restos das paredes das casas, que as pessoas tiveram de abandonar para salvarem as suas vidas.



Maria dos Anjos, lenda recolhida em Covas do Rio, concelho de São Pedro do Sul, por Isabel Pinho


Trecho do caminho que liga a aldeia da Pena à de Covas do Rio e a que chamam "caminho do morto que matou o vivo". Antes da abertura da estrada que liga a Pena ao alto de São Macário, este era o único caminho que estabelecia comunicação entre a Pena e o resto do mundo. Como na Pena não existia cemitério, os mortos eram levados ao longo deste caminho até Covas do Rio, para poderem ser enterrados. Numa ocasião em que era transportado um morto, o caixão resvalou e atingiu mortalmente um dos homens que o transportavam. Por isso se diz que o morto matou o vivo (Foto de autor desconhecido)
(Clicar na imagem para ampliá-la)