12 novembro 2025
09 novembro 2025
Se eu podesse desamar
Se eu podesse desamar
a quem me sempre desamou
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
se eu pudesse coita dar
a quem me sempre coita deu.
Mais sol nom poss'eu enganar
meu coraçom que m'enganou,
per quanto mi fez desejar
a quem me nunca desejou.
E por esto nom dórmio eu,
porque nom poss'eu coita dar
a quem me sempre coita deu.
Mais rog'a Deus que desampar
a quem m'assi desamparou,
ou que podess'eu destorvar
a quem me sempre destorvou.
E logo dormiria eu,
se eu podesse coita dar
a quem me sempre coita deu.
Vel que ousass'en preguntar
a quem me nunca preguntou,
por que me fez em si cuidar,
pois ela nunca em mi cuidou;
e por esto lazeiro eu:
porque nom posso coita dar
a quem me sempre coita deu.
Pero da Ponte (séc. XIII), segrel galego
GLOSSÁRIO
coita — dor, mágoa, sofrimento
sol nom — nem mesmo
vel — pelo menos
ousass'en preguntar — ousasse perguntar sobre isso
lazeiro — em sofrimento
06 novembro 2025
Te Deum de Pedro Macedo Camacho
04 novembro 2025
Apolo e Dafne
Apolo e Dafne é o nome de uma notável escultura barroca de Bernini, que representa uma cena da mitologia greco‑romana, que o poeta romano Ovídio contou no seu livro "Metamorfoses".
O deus do Amor, Cupido, desentendeu-se com o deus Apolo (também chamado Febo pelos romanos), por causa da soberba deste. Querendo castigar Apolo, Cupido atingiu-o com uma seta de ponta dourada e, em consequência, Apolo ficou loucamente apaixonado pela bela ninfa Dafne. Porém, Cupido atirou também em Dafne, mas desta vez atingiu-a com uma seta com ponta de chumbo, o que a levou a rejeitar todo o amor, viesse de quem viesse.
Ardendo de paixão, Apolo perseguiu Dafne, que fugia dele, mas Apolo foi mais rápido e conseguiu alcançá-la. Dafne implorou então ao seu pai, que era o rio Peneu, que a salvasse dos ímpetos de Apolo. Peneu anuiu e logo Dafne se metamorfoseou num loureiro. Apolo abraçou-a, mas já só sentiu o coração de Dafne bater dentro do tronco de uma árvore.
Em homenagem à sua perdida ninfa, Apolo colocou na cabeça uma coroa feita com ramos do loureiro em que ela se tinha transformado e instituiu o uso de uma coroa semelhante para glorificar as personagens ilustres: uma coroa de louros.
Nesta escultura de Bernini, das mãos de Dafne já começam a nascer ramos e folhas de louro, os seus pés vão-se convertendo em raízes e o seu corpo começa a ser revestido por uma casca de árvore.
Os versos de Ovídio que narram este episódio mitológico são os seguintes:
nascido não do azar, mas da ira de Cupido.
Délio, soberbo após ter vencido a serpente,
vira-o dobrar o arco com a corda tensa:
“Moço lascivo, por que portas armas fortes?”
– disse – “isto convém aos meus ombros, pois posso,
certeiro, ferir feras, como um inimigo,
e com muitas flechadas matei Píton hórrida,
cujo ventre pestífero um monte ocupava.
Contenta-te em, com teu facho, excitar não sei
que amores, nem queiras tomar os meus louvores.”
Diz o filho de Vénus: “O teu arco, Febo,
tudo atinge, e a ti eu; como os animais valem
menos que um deus, tua glória é menor que a minha”.
Disse e, fendendo o ar com as céleres asas,
pousou na umbrosa fortaleza do Parnaso
e da aljava tirou dois dardos de diverso
efeito; um afugenta, o outro atrai amor.
Este é dourado e brilha na ponta afiada;
aquele, obtuso, sob o cano contém chumbo.
Com este alveja a ninfa peneia, com outro
atravessa a medula e os ossos de Apolo.
Este ama súbito; do amante aquela foge,
se alegrando em caçar feras nas profundezas
das selvas; ela, émula da casta Febe;
uma fita envolvia os cabelos revoltos.
Muitos a cortejavam; ela os repelia,
buscando os bosques ínvios, livre de marido,
indiferente a Himeneu, a Amor, e a núpcias.
Seu pai sempre dizia: “A mim deves, ó filha,
genro; a mim deves netos, filha”, repetia.
Ela, odiando, qual crime, as tochas do esposo,
inunda o belo rosto de casto rubor,
e prende os tenros braços ao colo do pai:
“Como Diana, pai caríssimo, permite-me
fruir de virgindade perpétua”, pediu.
Ele, então, assentiu; mas o que queres ser
à beleza repugna e teu corpo repele.
Febo ama e ao ver Dafne deseja unir-se
a ela; e o seu próprio oráculo o ilude.
Tal como a leve palha que arde sem a espiga,
ou a sebe queimada por tocha que acaso
alguém aproximou ou lá deixou de dia,
assim se inflama o deus, assim em todo o peito
ardendo-se e nutrindo um estéril amor.
Vendo os cabelos dela revoltos, nos ombros,
diz: “que tal penteá-los?” Vê os olhos dela
brilhantes como astros, e os lábios que ver
não é bastante; louva-lhe os dedos, as mãos,
os braços e antebraços nus pela metade;
melhor julgando o que se oculta. Mais ligeira
que a brisa, ela foge daquele que a chama:
“Ó filha de Peneu, pára, não sou hostil;
ninfa, pára. Assim, ovelha foge ao lobo,
corça ao leão, à águia trepidantes pombas,
cada qual ao rival; por amor te persigo.
Ai de mim, se caíres e espinhos ferirem-te
as pernas e eu te cause imerecidas dores.
Áspero é por onde vais; mais devagar
corre, não fujas, devagar eu mesmo irei.
Pergunte a quem te apraz; eu não habito em montes,
não sou pastor, não sou um rude guardador
de rebanhos e reses. Não sabes de quem
foges, por isso, insana, foges. Sou senhor
de Delfos e de Claros, de Tenedo e Pátara.
Júpiter é meu pai; o futuro, o passado
e o presente desvelo. Ajusto o verso às cordas.
Certeira é minha flecha, mas uma mais certa
encheu meu peito ainda vago de feridas.
Medicina inventei, chamam-me salutar
em todo o orbe e tenho poder sobre as ervas.
Ai de mim, o amor não se cura com as ervas,
e estas artes a todos úteis não me valem”.
Mais diria, se a filha de Peneu, fugindo,
não lhe cortasse a fala, em louca correria,
assim mesmo admirou-a; um vento contrário
expunha-lhe a nudez, agitando-lhe as vestes,
e a brisa para trás impele os seus cabelos;
mais bela é fugindo. Mas o jovem deus
renuncia à ternura e, tomado de amor,
segue as pegadas dela, com passos ligeiros.
Qual galgo que uma lebre em campo aberto avista,
com patas quer prendê-la e ela se safar;
ele, a ponto de alçá-la, espera tê-la em breve,
e com focinho alerta a fareja de perto;
ela temendo-se apresada, escapa aos dentes
dele e àquela boca que se lhe escancara;
tal a esperança impele o deus, e o medo a virgem.
Mas o perseguidor, com as asas do Amor,
é mais esperto e não se cansa e acossa as costas
da fugitiva e assopra-lhe o cabelo e a nuca.
Ela, esgotada pelo esforço, empalidece,
com o labor da fuga e implora a Peneu:
“Se os rios tem poder divino, pai, socorre-me!
[Ó Terra, traga ou fere o que me traz feridas,]
muda minha aparência, aprazível demais!”
Mal finda a prece, invade-lhe um torpor os membros,
seus seios tenros são por fina casca envoltos,
dos cachos crescem folhas e ramos dos braços;
pés tão velozes fixam-se em lentas raízes,
em seu rosto coberto, um brilho apenas resta.
Entanto, Febo segue amando; e pondo a destra
no tronco, sente o peito tremer sob a casca
e, os ramos abraçando, qual membros, recobre-o
de beijos; mas o tronco se esquiva aos seus beijos.
Diz-lhe o deus: “Já que não podes ser minha esposa,
serás a minha árvore; sempre a terei
nos cabelos, na cítara e aljava, ó loureiro;
entre os chefes do Lácio ouvirás os alegres
cantos e as triunfais pompas no Capitólio.
Serás fiel guardiã do palácio de Augusto,
e às portas estarás protegendo o carvalho;
como jamais corto os meus cachos juvenis,
com perpétua folhagem, serás sempre honrada”.
Peã calou-se; e, inclinando a copa,
feito fronte, o loureiro, com seus ramos, anuiu.
Ovídio (43 A.C ‑ 17 D.C.), Metamorfoses, Livro I. Tradução do latim para português de Raimundo Nonato Barbosa de Carvalho
28 outubro 2025
A machadinha
“
Um camponês tinha uma filha, e casou-a com um rapaz da sua terra. No dia da boda estando à mesa, os noivos, os pais e as mães deles, e muitos convidados, disse o camponês para a mulher: «Oh Maria, vai à adega buscar mais vinho, pois quero fartar os nossos convidados.» Foi a mulher à adega, e ia-se passando muito tempo sem que ela voltasse. Então o camponês levantou-se da mesa e foi ver se tinha sucedido alguma cousa à mulher. Chegado à adega, viu a mulher parada a olhar para uma machadinha que estava pendurada no teto, e perguntou-lhe: «Oh mulher! que estás tu aí a fazer?» Responde-lhe ela: «Olha homem; estava a lembrar-me que quando a nossa filha tiver pequenos, se eles para aqui vierem brincar, que lhes pode cair aquela machadinha na cabeça e matá‑los!» «Dizes bem mulher; ai se tal sucedia!» E ficou também a olhar para a machadinha. Vendo a noiva que o pai e a mãe não vinham foi ter com eles à adega, e perguntou-lhes o que estavam fazendo ali. Então eles responderam: «Olha, filha, estávamo‑nos lembrando que em tu tendo meninos, se eles vierem brincar para aqui, que lhes pode cair aquela machadinha na cabeça e matá-los.» «É verdade, senhora mãe, que pode isso acontecer.» E lá ficou também a olhar para a machadinha. Pouco a pouco todos os convidados que estavam à mesa, foram para a adega olhar para a machadinha.”Restava só o noivo, que foi por último, mas ao ver a doidice daquela gente, fugiu, em busca duma terra onde não houvesse gente tão doida. Ao chegar a uma terra, viu muita gente a fugir, outros subindo para cima das árvores, e de muros, e outros fechando as portas e as janelas, finalmente havia o terror e o medo por toda a parte; parecia o acabamento do mundo. O rapaz perguntou então o que era a causa de tantos medos como iam naquela terra; e responderam-lhe: que andava lá um bicho que comia gente, e que ninguém se atrevia a matá‑lo. O rapaz ao ver o bicho soltou uma gargalhada, pois a causa do terror daquela gente não era mais de que um peru; e ofereceu-se para o matar, sob a condição de lhe darem muito dinheiro. Morto o peru recebeu o rapaz grandes somas de dinheiro e partiu para outra terra. Ali andavam muitas mulheres, e crianças com joeiras ao sol. Ele então perguntou o que andavam fazendo, e responderam‑lhe: que andavam a apanhar o sol para o levarem para casa, pois não entrava lá nem de verão nem de inverno. O rapaz respondeu-lhes que elas não eram capazes de apanhar o sol, mas que se lhe pagassem bem, que ele era capaz de lho pôr dentro das casas. As mulheres deram todas muito dinheiro ao rapaz e ele tirou-lhes algumas telhas dos telhados, e logo elas viram o sol dentro das suas casas. Partiu o rapaz para outra terra, já muito admirado do que tinha visto, quando se lhe depara uma mulher que estava enfeitando uma porca com muitos cordões de ouro, fitas e flores; e perguntou-lhe: «Para onde quereis mandar esse animal, que estais enfeitando?» Ao que a mulher respondeu: «Saiba vossemecê que eu sou viúva, e que o meu homem fazia hoje anos, e por isso quero ver se encontro um portador para o paraíso, para lhe mandar esta porca, e esta bolsa de dinheiro.» Respondeu o rapaz: «Nunca vossemecê falou mais a tempo, pois para o paraíso é que eu vou.» A mulher entregou-lhe a porca e o dinheiro. O rapaz já não cabia em si de contente com tanto dinheiro que levava, e convencido que no mundo já não havia gente de juízo, resolvia-se a voltar a casa da sua noiva. No caminho, porém, deteve-se por causa de muitos gritos, de ai, quem me acode! quem me acode! que ouviu e tendo-se aproximado do sítio de onde partiam os gritos viu muitos homens deitados uns sobre os outros, e perguntou-lhes: «O que estão ai a gritar? por que não se levantam?» Eles responderam: «Estamos aqui há três dias sem nos podermos levantar, pois não sabemos quais são as pernas de cada um.» Respondeu-lhe o rapaz, que ia já fazer com que eles se levantassem, mas que lhe haviam de dar muito dinheiro. Eles logo disseram que todos lhe haviam de pagar muito bem. O rapaz pegou então num cajado e começou a bater nas pernas dos homens, e eles puseram-se a gritar: «Ai, ai, as minhas pernas!» e começaram todos a levantar-se. Depois deram muito dinheiro ao rapaz, e ele lá voltou muito rico para casa da sua noiva, e mandou tirar a machadinha da adega; e viveu sempre muito feliz.
Conto popular recolhido por Adolfo Coelho (1847-1919)
25 outubro 2025
Cantar sobre as águas
23 outubro 2025
Luís de Meneses
Luís de Miranda Pereira de Meneses nasceu no Porto em 1820. Era filho primogénito de um juiz, a quem a rainha D. Maria II atribuiu o título de Visconde de Meneses em duas vidas.
Apoiante da causa constitucional e defensor da rainha, tal como seu pai, Luís de Meneses viu ser-lhe renovado o título de Visconde de Meneses em verificação da segunda vida, por D. Fernando II, quando este exerceu o cargo de regente do reino durante a menoridade de D. Pedro V. Luís de Meneses foi, portanto, o 2.º e último Visconde de Meneses.
Desde muito cedo, Luís de Meneses revelou uma destacada vocação artística. Foi viver para Lisboa em 1834 e o seu talento não escapou à atenção de D. Fernando II. Incentivado por este e financiado por seu pai, Luís partiu para Itália, tendo estudado em Veneza e em Roma. Após concluir os seus estudos, viajou por vários países europeus e regressou a Portugal em 1850.
Luís de Meneses foi um dos primeiros pintores do Romantismo em Portugal e especializou-se na arte do retrato. A sua pintura mais famosa representa a sua própria esposa, Carlota Guimarães, que era uma senhora de grande beleza. Luís de Meneses faleceu em 1878.
19 outubro 2025
Valsa Sobre las Olas, de Juventino Rosas
16 outubro 2025
Vaidade Terrena e Salvação Divina
Estamos em presença de seis painéis pintados a óleo por Hans Memling, que terão feito parte de um tríptico ou de um políptico. Os painéis foram separados uns dos outros antes de 1890 e agora não se sabe ao certo qual era a sua disposição original. Não se sabe sequer se teria havido mais painéis além destes, que também fariam parte do mesmo políptico e entretanto se perderam. A disposição aqui representada é a que está patente no Museu de Belas-Artes de Estrasburgo, mas poderia muito bem ter sido outra.
Na frente do tríptico e à esquerda, está uma representação da Morte. Rodeando a figura simbólica, estão as seguintes palavras: Ecce finis hominis comparatus sum luto et assimilatus sum faville et cineri (Eis que o fim do homem é comparável com o lodo e eu sou semelhante a pó e cinza).
Ao centro, uma representação da Vaidade.
À direita, uma representação simbólica do Inferno, acompanhada do texto In inferno, nulla est redemptio (No inferno não há qualquer redenção).
No verso do tríptico e à esquerda, está um brasão de armas acompanhado do lema Nul bien sans peine (Não há bem sem sofrimento).
Ao centro está Cristo, Salvador do Mundo.
À direita, encontra-se o painel Memento Mori (Recordação dos Mortos), com a representação de uma caveira; em baixo, podem ler-se as palavras Scio enim quod redemptor meus vivit et in novissimo diedeterra surrecturus sum et rursum circūdabor pelle mea et incarne mea videbo deū salvaorem meum Job XIX° cap° (Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que no último dia me levantarei sobre a terra, e serei revestido da minha pele e da minha carne, e verei a Deus, meu Salvador. Job, cap. 19).

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