31 maio 2006

Scott Joplin

O ragtime foi um género musical cultivado por negros americanos nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. É considerado um dos precursores do jazz, género que lhe sucedeu cronologicamente e que acabou por o obliterar.

O maior compositor de ragtime foi, sem dúvida nenhuma, Scott Joplin, que nasceu no Texas em 1867 ou 1868 e faleceu em 1917, de sífilis, num hospital psiquiátrico de Nova Iorque, onde tinha sido internado com graves problemas mentais.

O ragtime não era um género bem visto pela sociedade branca dos Estados Unidos. Era considerado um género menor - "música de pretos" - que se tocava em bordéis e em bares de reputação mais do que duvidosa. Por isso, o negro Scott Joplin nunca conseguiu ser aceite por essa sociedade, apesar dos esforços que empreendeu nesse sentido. Compôs mesmo uma ópera, que ele nunca veria ser devidamente representada.

Actualmente, os maiores pianistas do mundo não desdenham tocar os rags de Joplin nos salões mais requintados, mas quase sempre os utilizam apenas como peças extra-programa, no fim dos concertos, para que o público bata muitas palmas e vá bem-disposto para casa. O verdadeiro valor de Scott Joplin ainda não atingiu o reconhecimento pleno a que tem direito.

Maple Leaf Rag (1899)

The Easy Winners (1901)

The Entertainer (1902)

Pineapple Rag (1908)

29 maio 2006

Aves de Portugal

Se é verdade que há regiões do mundo onde as aves têm uma plumagem mais vistosa do que em Portugal, também é verdade que em Portugal as aves têm um canto mais mavioso do que noutras regiões do mundo.

Aves de Portugal é o nome de um sítio onde se podem ver e ouvir as aves mais comuns neste país, desde o abelharuco até ao zarro-castanho, além de se poder ler uma curta mas elucidativa descrição das suas características e hábitos.

O canto destas aves poderá servir para acompanhar a visão das muitas flores de Portugal que podem ser admiradas num blog a que já fiz referência.

27 maio 2006

Galerias de feias artes

O título deste artigo não se aplica às muitas galerias de arte que existem na Rua Miguel Bombarda, aqui no Porto. Embora nem todas as peças que expõem sejam verdadeiras obras-primas, a verdade é que essas galerias expõem obras merecedoras de um olhar muito atento, no mínimo. As galerias da Rua Miguel Bombarda são de belas artes, não são de feias artes.

As galerias de feias artes a que me refiro são galerias virtuais, que estão à disposição de quem as quiser visitar na Internet. São hilariantes galerias de horrores. Para dar um bom par de gargalhadas, apontar o rato para os seguintes sítios:

- Museum of Bad Art;

- Just Plain Bad Art Collection;

- Barn Art.

Aqui encontram-se ligações para mais páginas de feias artes.


25 maio 2006

Dia de África



EXORTAÇÃO

Hoje! Finalmente hoje
Farei dançar o meu corpo
Libertado de cadeias antigas!...

Hoje! Finalmente hoje
Poderei chamar
Para a minha dança-oração
Os guerreiros mortos
Em antigas batalhas.

Eu, Inamba Kanina
Vos chamo ao som
Da minha corneta
De chifre de oholongo:

Venham! Venham antigos sobas
Manis e makotas!
Venham fidalgos de Matamba
De nGola
Muatiânvua e Mataman.

Venha do nDongo,
nGola Kiluanji!
Da Lunda,
Muatchisenge Ua Tembo!
Venha do Bailundo
Ekuikui II!
Do Kwanyama,
Haimbili!

Venham! Venham todos
E se juntem no meu tyipito,
Na minha Ombala empobrecida
Afim de cantarmos a mbila,
A chuva nossa mãe
Onkaihamba!

Enfim! Os xingufos
Não mais se calarão.
As ñgomas voltarão a ter
As suas vozes firmes
De outrora.

Aiuê Kalunga, Kalunga uê!
Que o teu tyinkwani
Que nunca se acaba,
Caia sobre os nossos corpos suados!...

Capelongo, 17-12-74


NOTAS

Ohamba Kanina - Último grande soberano do reino da Huíla. Depois da sua morte começou a desintegração do reino, com a sublevação de Injau (soba de Jau), entre o final do séc. XVIII e princípio do séc. seguinte. O reino da Huíla, com a capital onde está hoja a povoação da Huíla, formou-se nos finais do séc. XIV.

Oholongo - antílope (Strepticeros).

Sobas, manis e makotas - títulos hierárquicos usados em algumas regiões de Angola.

Matamba - reino formado no séc. XIV. A partir do séc. XVI era habitado principalmente pelos Jagas que o invadiram fugindo do reino do Kongo.

nGola - reino formado no séc. XIV, por povos negros que migrando do centro de África o avassalaram. Na primeira imigração, em data desconhecida, o nome dos Ambundos, vencedores, foi dado aos seus bravos componentes que dominaram os ocupadores primitivos. O primeiro soberano de nGola conhecido foi nGola Inene. Foi de nGola que derivou, posteriormente, o nome do nosso país «Angola».

Muatiânvua - segundo a tradição lunda, este nome deriva de um descendente de Lweji, filha de Kondo grande chefe lunda, que era casada com o grande caçador Luba Tyibinda Ilunga. Depois da morte de sua mãe, Muatiânvua, submeteu várias tribos lundas e formou um reino, nos finais do séc. XVI, que tomou o seu nome.

Mataman - foi um reino que se formou em data muito antiga, talvez por volta do séc. XV, na região que corresponde, mais ou menos hoje, ao distrito da Huíla e Moçâmedes.

nDongo - o mesmo que nGola.

nGola Kiluanji - célebre soberano do reino de nGola (1575).

Muatchitenge Ua Tembo - grande chefe dos Kyokos (Tyokwe).

Ekuikui II - grande soba do Bailundo (séc. XIX).

Haimbili - soba Kwanyama que ficou na tradição como o mais justo.

Tyipito - festa.

Ombala - residência do soba.

mBila - chuva.

Onkaihamba - rainha.

Xingufu - instrumento musical.

ñGoma - tambor.

Kalunga - Deus.

Tyinkwana - pano usado para cobrir as nádegas.



(Jorge Arrimar, in Ovatyilongo, Lubango 1975).

Homens e animais em paz e harmonia


Ashes and snow é o nome de um projecto de Gregory Colbert, que inclui fotografias, filmes, instalações, etc. Nele, os animais são apresentados em convivência harmoniosa e pacífica com os homens, de uma forma intensamente poética.

Ashes and snow é também o nome de um web site de extraordinária beleza, cuja visita recomendo vivamente. Entre outras, podem ver-se nele imagens de homens interagindo com baleias nos mares dos Açores, assim como bochimanes da Namíbia em pacífica companhia de cheetahs e suricatas.

A ver sem falta.

23 maio 2006

Sara Tavares

Devo a Sensia o facto de ter chamado a minha atenção para o último CD de Sara Tavares ("Balancê"), num artigo chamado Na Senda da Sabedoria do seu belíssimo blog Soul Sensia.

Faço minhas as palavras de Sensia. A cantora Sara Tavares é um caso único no panorama musical português. Lançada aos píncaros da fama com apenas 16 anos de idade, por um dos mais populares concursos de televisão que houve até hoje em Portugal (a "Chuva de Estrelas"), esta jovem portuguesa de ascendência caboverdiana não se deixou deslumbrar pelo êxito, não se tornou em mais uma vedeta de plástico a gargantear umas musiquinhas também de plástico. Deciciu seguir o seu próprio caminho, muito mais exigente, mas que certamente a fará sentir-se muito mais realizada e de bem consigo própria. Quando Sara Tavares canta, é ela mesma que se mostra, com os seus próprios sentimentos, as suas próprias emoções e os seus próprios gostos.

Sara Tavares acaba por ser a voz da Lisboa de hoje, uma Lisboa moderna, tropical e colorida, onde à cor branca imaculada do português falado nesta velha Lusitânia se juntam as cores da língua de Cabo Verde, da gíria de Angola, do kriol da Guiné-Bissau, do português doce do Brasil e muitas mais cores. Desta Lisboa plural e cosmopolita, eu, que sou do Porto, gosto. Muito.

É pois com muito prazer que convido a ver este videoclip da canção "Balancê", de Sara Tavares, que dá o nome ao seu último CD.

22 maio 2006

O primeiro europeu a chegar ao Tibete

Fotos: I. Tamagawa

Poderia ter sido Marco Polo o primeiro europeu a pisar solo tibetano, mas não foi. Passou perto mas não foi ao Tibete. Julgou-se durante muito tempo que foi um franciscano do séc. XIV, chamado Frei Odorico de Pordenone, mas acabou por se concluir que também não foi ele.

Em 1603, o português Diogo de Almeida afirmou ter vivido no Tibete durante dois anos, mas as descrições que ele fez da existência de igrejas cristãs, com imagens de Cristo, da Virgem Maria e dos Apóstolos, não correspondem à verdade. Certamente ele ouviu detalhadas descrições dos templos budistas do Tibete, assim como da existência de numerosos monges, e interpretou-as à sua maneira.

A seguir, o irmão Bento de Goes tentou atingir o Tibete a partir da Índia, mas teve de desistir, dadas as enormes dificuldades com que deparou.

Em 30 de Março de 1624, o padre jesuíta português António de Andrade partiu de Agra para Caxemira, acompanhando o imperador mogol, mas em Delhi resolveu seguir uma caravana de peregrinos budistas que se dirigiam para um templo famoso situado entre a Índia e o Tibete. Foi acompanhado pelo irmão Manuel Marques e por dois criados.

Subiram os Himalaias, seguindo por trilhos onde às vezes só se podia avançar pé ante pé na beira do abismo. «São pela maior parte aquelas serras tão talhadas a pique, como se por arte estivessem a plumo, correndo-lhe lá no profundo como em um abismo o rio Ganges, que por ser mui caudaloso e se despenhar com notável estrondo por grande penedia entre serras tão juntas acrescenta com seu eco o pavor que a estreiteza do caminho causa a quem vai passando.»

Ao fim de mês e meio, chegaram ao destino dos peregrinos, o pagode de Badrinath, a 3170 metros de altitude. Deixaram os peregrinos e empreenderam a subida à portela de Mana, a 5604 metros de altitude, para além da qual se estende o Tibete, mas tiveram que voltar para trás, quase mortos por causa do frio. «Nos pés, mãos e rosto, não tínhamos sentimento (...) Aconteceu-me pegando em não sei quê, cair-me um bom pedaço do dedo, sem eu dar fé disso, nem sentir ferida, se não fora o muito sangue que dela corria. Os pés foram apodrecendo de maneira, que de mui inchados, no-los queimavam depois com brasas vivas, (...) e com mui pouco sentimento nosso.»

Algumas semanas mais tarde fizeram nova tentativa, desta vez com êxito. Em princípios de Agosto de 1624, António de Andrade e os seus companheiros entraram na cidade real de Tsaparang, no reino tibetano de Guge, enquanto a população da cidade saiu para a rua para ver aquela «gente muito estranha e nunca vista por aquelas terras». Estiveram no Tibete durante um mês e depois regressaram à Índia.

20 maio 2006

José Luandino Vieira, Prémio Camões 2006

Luandino Vieira«De todos os cantos da prisão chegaram vultos que se sentaram, silenciosos, à volta do irmão a morrer. Um moço tirou seu velho casaco de fardo e cobriu com ele o peito pisado e rebentado do tractorista. Só a cara estava agora descoberta, banhada na luz da lua entrando na janela. O velho bêbado continuou a choramingar no seu canto. A lua espreitava nas frinchas, nas janelas altas, e veio cobrir na cara serena e tranquila de Domingos Xavier. O sangue foi correndo, noite fora, cada vez com mais devagar, respiração cada vez mais fraca, a cara esmagada virando naquela cor esbranquiçada da morte. O moço que estava espreitar atrás de várias cabeças arriscou mesmo baixinho:

- Aiuê! Parece é, tá dormir ainda...

Verdade mesmo, Domingos Xavier dormia para os seus irmãos, feliz em sua morte, de madrugada, com a luz da lua da sua terra a sair embora para contar depois, todas as noites, a história de Domingos Xavier.»

(José Luandino Vieira, in A Vida Verdadeira de Domingos Xavier)

18 maio 2006

Igreja de S. Leopoldo "am Steinhof"

Foto: aeiou

(Não encontrei na Web uma fotografia da Igreja "am Steinhof", de Viena, que me satisfizesse plenamente. Será assim tão difícil fotografar uma igreja tão bela?)

A Igreja de São Leopoldo "am Steinhof" é um dos mais belos monumentos que existem na capital da Áustria, uma cidade que tem muitas outras magníficas edificações, como toda a gente sabe. Ela é uma verdadeira obra-prima do estilo Arte Nova, dos princípios do século XX, e foi concebida pelo arquitecto austríaco Otto Wagner que, aliás, deixou vários outros belos edifícios espalhados pela cidade, também no mesmo estilo. Com Otto Wagner colaboraram na feitura desta igreja vários outros artistas austríacos, nomeadamente Kolo Moser que, apesar de ser protestante, concebeu os maravilhosos vitrais que decoram este templo católico.

(Como curiosidade, refira-se que o primeiro vitral que nos aparece do lado esquerdo, quando entramos, representa o milagre das rosas pela Rainha Santa Isabel... da Hungria! Pois é, os húngaros também tiveram a sua própria Santa Isabel que, ainda por cima, foi contemporânea da portuguesa. É a ela que os húngaros e austríacos atribuem o milagre das rosas.)

Não é nada fácil vistar esta igreja. Mesmo nada. Por um lado, ela situa-se em Baumgarten, no 14º bairro de Viena, muito longe do centro histórico e monumental da cidade. Por outro lado, esta é a igreja do Hospital Psiquiátrico de Viena, localizando-se bem no interior do recinto do hospital. Para que os doentes não sejam afectados pelo movimento dos turistas, as visitas à igreja são reduzidas ao mínimo dos mínimos: uma vez por semana apenas, aos sábados às três da tarde. Mais nada. As visitas são gratuitas e são guiadas. O guia praticamente só fala alemão.

Apesar de tudo isto, vale a pena fazer o esforço de tentar visitá-la. Vale mesmo. É uma igreja inesquecível, de uma beleza e um requinte incomparáveis.

Foto: Glasmalerei Dr. H. Oidtmann GmbH

16 maio 2006

Makèzú

nozes de colaAntes de passar a transcrever aquele que é um dos poemas mais conhecidos do angolano Viriato da Cruz (embora não tão conhecido como o "Namoro", que Sérgio Godinho celebrizou), apresento um pequenino glossário para uma melhor compreensão do mesmo:

Makezu - nozes de cola (sing. dikezu)
Kuakié! - amanheceu!
Mbundu kene muxima - negro não tem coração

Resta acrescentar que as populações do mato, em Angola, costumam comer cola e gengibre logo pela madrugada, para acordarem e aconchegarem o estômago enquanto não chegar a hora de comerem algo mais substancial, que costuma ser a meio da manhã. A cola e o gengibre são o verdadeiro mata-bicho das gentes do mato.

Este poema de Viriato da Cruz refere-se à troca da tradicional cola e gengibre pelo pequeno-almoço à europeia, por parte dos habitantes de Luanda.


MAKEZÚ

- "Kuakié!!!... Makèzú, Makèzú..."
...................................................

O pregão da avó Ximinha
É mesmo como os seus panos,
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos.

Avó Xima está velhinha,
Mas de manhã, manhãzinha,
Pede licença ao reumático
E num passo nada prático
Rasga estradinhas na areia...

Lá vai para um cajueiro
Que se levanta altaneiro
No cruzeiro dos caminhos
Das gentes que vão pr'a Baixa.

Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Das "venidas de alcatrão"
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira.

- "Kuakiè... Makèzú... Makèzú..."
- "Antão, véia, hoje nada?"
- "Nada, mano Filisberto...
Hoje os tempo tá mudado..."

- "Mas tá passá gente perto...
Como é aqui tás fazendo isso?"

- "Não sabe?! Todo esse povo
Pegó um costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão...

E diz ainda pru cima
(Hum... mbundo kène muxima...)
Qui o nosso bom makèzú
É pra veios como tu".

- "Eles não sabe o que diz...
Pru qué qui vivi filiz
E tem cem ano eu e tu?"

- "É pruquê nossas raiz
Tem força do makèzú!..."

(Viriato da Cruz, Poemas, 1961)

15 maio 2006

«Estou pronto a morrer pela Liberdade»


Completam-se hoje cem anos sobre o nascimento de Humberto Delgado, o general que ousou desafiar o ditador Salazar e pagou com a vida tamanho atrevimento.

Homem saído do próprio regime que acabou por combater, o General Humberto Delgado protagonizou em 1958 uma candidatura à Presidência da República, que trouxe multidões para as ruas de Portugal, apesar da repressão, do clima de medo e da censura que a ditadura impunha então. Com a sua temeridade e o seu desassombro, o "General Sem Medo" acendeu um clarão de esperança na alma do povo português.

«Obviamente demito-o», disse ele a respeito do que faria a Salazar se fosse eleito. É claro que não foi eleito; o regime nunca o permitiria. O "eleito" foi Américo Thomaz e Humberto Delgado teve que partir para o exílio, onde continuou o seu combate pela Liberdade.

Atraído para uma armadilha montada em Espanha pela pide, Humberto Delgado foi assassinado em 1965. O seu assassino, Casimiro Monteiro, morreu na África do Sul, sem ter pago pelo crime que cometeu. O chefe da brigada assassina, Rosa Casaco, continua vivo e reside impunemente em Portugal. Espantoso!

Esta é a minha modestíssima homenagem ao Herói Humberto Delgado, o "General Sem Medo", neste dia do seu centenário.

14 maio 2006

A Sagração da Primavera

Henri Matisse, A Dança (1910)

Le Sacre du Printemps é o nome de um bailado do compositor russo Igor Stravinsky, cuja estreia pelos Ballets Russes de Sergei Diaghilev e com coreografia de Vaslav Nijinski, em 29 de Maio de 1913 no Théatre des Champs Élysées, em Paris, causou um enorme escândalo. O escândalo foi tão grande que ainda agora se fala nele, apesar de já ter passado quase um século. «Vão para o Inferno!», gritou Stravinsky para o público.

O bailado evoca ritos de fertilidade da Rússia pagã, que incluem o sacrifício de uma jovem. «Os sábios anciãos estão sentados num círculo e observam a dança que antecede a morte da jovem que vão oferecer como sacrifício ao deus da Primavera, com vista a conquistar a sua benevolência», descreveu o compositor.

A música fortemente ritmada, dissonante e "selvagem" sugere uma atmosfera primordial e uma época primitiva. A coreografia, por seu lado, tinha um carácter erótico e também primitivo, indo ao arrepio de tudo quanto o público parisiense estava habituado a ver.

Não sei se foi Maurice Ravel ou se foi outra pessoa que, a propósito do carácter revolucionário do bailado, comentou mais ou menos o seguinte: «Algo de profundamente revolucionário está para acontecer na Rússia». Efectivamente, quatro anos mais tarde acontecia a Revolução de Outubro.

Actualmente, o Sacre du Printemps já não escandaliza o público. É mesmo uma das mais celebradas peças para bailado, tendo vindo a integrar o repertório de muitas companhias. Aqui pode ser ouvida a música das duas primeiras cenas da peça, interpretada pela Orquestra Sinfónica Columbia sob a direcção do próprio Igor Stravinsky, numa gravação de 1960. Aqui pode ser visto um curto video mostrando um pouco da coreografia concebida por Maurice Béjart, um dos mais célebres bailarinos e coreógrafos de sempre. Das duas fotografias que se seguem, a primeira mostra um momento da coreografia de Béjart e a segunda refere-se à coreografia de Angelin Preljocaj, apresentada em 2001.

Foto: Digitale Scool

Foto: Digitale Scool

11 maio 2006

Primavera

Sandro Boticelli, Primavera (1482)


Primavera

As heras de outras eras água pedra
E passa devagar memória antiga
Com brisa madressilva e primavera
E o desejo da jovem noite nua
Música passando pelas veias
E a sombra da folhagem nas paredes
Descalço o passo sobre os musgos verdes
E a noite transparente e distraída
Com seu sabor de rosa densa e breve
Onde me lembro amor de ter morrido
- Sangue feroz do tempo possuído

(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Primavera, de Antonio Vivaldi

Abertura "Guilherme Tell", de Gioacchino Rossini

Primavera Porteña, de Astor Piazzolla


10 maio 2006

Barcos do Rio Tejo

Proa

Proa de barco no areal da Moita

Sem vento

Barco parado, sem vento; em último plano, Lisboa à direita do barco e o Barreiro à esquerda

Fragata do Tejo
As fragatas do Tejo possuem um casco negro

Bote de meia quilha

Um bote de meia quilha atracando ao cais do Rosário, Moita

A bordo

A bordo do bote de meia quilha

08 maio 2006

O primeiro brasileiro


O quadro que acima se mostra chama-se Adoração dos Magos e foi pintado entre 1501 e 1506 por Vasco Fernandes (Grão Vasco), um dos maiores pintores portugueses de sempre. Repare-se na figura do Rei Mago que está ao centro: é um índio brasileiro.

Além do seu enorme valor artístico, esta pintura tem por isso um valor que é também documental. Pela primeira vez na Europa se representou um ameríndio.

Este e outros quadros de Grão Vasco e de outros pintores da escola de Viseu podem ser admirados no Museu Grão Vasco, na cidade de Viseu, um dos mais importantes museus portugueses. É imperdoável ir a Viseu e não visitar este museu.

06 maio 2006

Um pouco de bom humor

Ao longo da sua carreira, o actor cómico Raul Solnado demonstrou à saciedade que é possível ter graça sem chafurdar na lama. Para ouvi-lo, apontar para aqui.

05 maio 2006

Porto antigo


Um desafio que me foi lançado por A. Leitão, no seu blog Fotos do Tempo, levou-me a publicar esta minha fotografia, que mostra casas da Rua do Comércio do Porto, no centro histórico da Invicta.

02 maio 2006

Bettencourt Faria e o seu Centro Espacial da Mulemba

Quando visitei o Centro Espacial da Mulemba, a nordeste de Luanda, em Angola, encontrei Bettencourt Faria sentado a uma bancada, ao lado da sua assistente, que era uma senhora negra. Ambos estavam a escolher agulhas de seringas usadas e esterilizadas, de um lote enviado por um hospital de Luanda. «Estas agulhas são muito úteis», disse ele. «Com elas posso fazer circuitos electrónicos para os aparelhos de que preciso». E acrescentou, apontando para um rádio que tinha ao seu lado e que debitava um programa da emissora francesa de ondas curtas: «Este rádio fui eu que o fiz e também tem agulhas destas». Ainda hoje estou para perceber como é que se podem fazer circuitos electrónicos com agulhas de seringas...

Carlos Mar Bettencourt Faria, de seu nome completo, foi um autodidacta genial, dotado de um notável dinamismo e de uma enorme capacidade de trabalho. Ergueu com as suas próprias mãos aquilo a que chamou Centro Espacial da Mulemba. Neste Centro, ele deu largas à sua paixão pela exploração do Espaço, pela Rádio e pela Astronomia, construindo aparelhos de detecção remota, telescópios, antenas, etc. Dada a sua fraca capacidade económica, ele não podia dar-se ao luxo de comprar as coisas já feitas; fazia-as ele mesmo, aproveitando materiais usados, como foi o caso das agulhas de que falei acima. Mas não eram só agulhas de seringas que ele aproveitava; por exemplo, as grandes antenas que ele construiu foram feitas com sucata ferroviária.

Num tempo em que a Terra ainda não estava rodeada por satélites de comunicações, a NASA tinha necessidade de dispor de uma rede de colaboradores espalhados pelo mundo, que recolhessem os dados enviados pelos satélites ou que estabelecessem contacto com os astronautas, servindo de "ponte" entre o Espaço e a sede da NASA. O Centro Espacial da Mulemba, em Angola, era o único observatório em todo o continente africano a fazer essa "ponte". Nenhum outro existia em África.

Para tal, Bettencourt Faria dispunha de um estúdio, pejado de aparelhagem, onde ele recebia e descodificava os sinais enviados pelos satélites e onde entrava em contacto com os astronautas. Tive a oportunidade de ouvir uma gravação de uma conversa que ele teve com o astronauta Neil Armstrong na Lua.

Era desse mesmo estúdio que Bettencourt Faria falava para o público, através de um programa de rádio do malogrado Sebastião Coelho (falecido no ano passado na Argentina), explicando de modo simples e claro o que se ia passando no campo da exploração espacial. Neste aspecto, ele fazia, em Angola, o mesmo que fazia em Portugal um outro notável autodidacta, inventor e apaixonado pelo Espaço, chamado Eurico da Fonseca. Ouvir um deles era quase o mesmo que ouvir o outro.

Não se pense, porém, que Bettencourt Faria se interessava apenas pelo Espaço e pela Astronomia. Os seus interesses eram muitos e variados. Fez investigação etnológica, tendo publicado livros sobre usos e costumes tradicionais de Angola. Era um profundo conhecedor de conchas marinhas, de que possuía uma notável colecção. Inventou máquinas de diversos tipos, entre as quais uma espécie de helicóptero individual, com o qual, aliás, sofreu um acidente e partiu vários ossos. Pintava quadros. Tocava piano. Era radioamador. Apetece perguntar onde é que aquele homem arranjava tempo para poder fazer tantas coisas diferentes.

Como já disse, Bettencourt Faria não nadava em dinheiro. Na verdade, ele estava sempre "com a corda na garganta". As autoridades coloniais de Angola sempre foram de uma extrema sovinice para com a sua obra. Depois da independência de Angola, o regime do MPLA passou mesmo a hostilizá-lo, mas durou pouco tempo esta nova situação. Em Julho de 1976, Bettencourt Faria foi assassinado.

Dois links sobre a vida e obra de Bettencourt Faria:

http://www.netangola.com/lfbettencourt/


http://www.radioamadores.net/patrono_rad_CT1UX.htm



01 maio 2006

1º de Maio

Edvard Munch (1863-1944), Operários regressando a casa, 1913/1915