Cidade
Em 1960, o Rotary Clube de Luanda publicou um opúsculo com um longo poema chamado "Cidade", da autoria do poeta e médico angolano Cochat Osório.
Nesse poema, o autor imagina-se à janela da sua casa de Luanda, desde antes do amanhecer até depois de o sol raiar, observando a cidade que acorda e vai saindo para a rua. Ele vê o operário a caminho da oficina, vê o polícia, vê a quitandeira, vê as crianças a dirigirem-se para a escola e, por fim, já com o sol alto, vê chegar a casa, depois de uma noite inteira de farra, os membros da classe mais privilegiada, parasitária e ociosa. O poema acaba da seguinte maneira:
(...)
26
Há um sabor gostoso da manhã
nesta mancha da gente que procura
animar a cidade que a não vê.
A cidade que pensa que a cidade
é só daqueles que nunca acordam cedo
e alugando um polícia para cada medo
conseguem saturar esta cidade imensa
da sua vadiagem tola e vã.
27
Mas eu sei que não é!
Esta cidade,
a terra desta gente,
a terra do trabalho que consome
e que contenta
e mata a fome;
esta cidade de calor,
com sangue
e carne
e fel
e amor
e corpo de cidade;
que é cheia de trabalho e de suor
e força
e dignidade;
cidade com as cores do arco-íris,
que o sol acorda e pinta
com as tintas de sangue da paleta inquieta
dum pintor
que além de ser pintor inda é poeta;
a cidade que vibra intensamente
e grita
essa mensagem quente de vigor
e de ansiedade
que é o sangue da gente misturado à cor
da cor
duma cidade;
esta cidade quente
fantasiada com a luz potente
do sol
e da manhã;
cidade que recebe do trabalho
a condição humana;
terra que o sol queimou para a tornar mais sã;
é feita com a força consciente
da luta continuada desta gente
que vive
e sofre
e ri
e canta
e sente
e encharca de suor os dias da semana!
(Cochat Osório, in "Cidade", Luanda 1960)
Comentários: 1
Denudado,
Recebe o meu elogio Pela qualidade do Blog e sobretudo pelo poema sobre Luanda que rebuscaste de "um arquivo" não muito acessível.
Cordialmente,
Soberano Canhanga
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