30 maio 2013

A Nebulosa do Anel

A chamada Nebulosa do Anel, numa imagem que resulta da combinação de duas imagens: uma imagem em luz visível, do telescópio espacial Hubble, e uma imagem em radiação infra-vermelha, feita pelo Grande Telescópio Binocular, situado no Arizona, Estados Unidos da América (Foto: NASA, ESA, C.R. Robert O’Dell, da Universidade Vanderbilt, G.J. Ferland, da Universidade do Kentucky, W.J. Henney e M. Peimbert, da Universidade Autónoma Nacional do México, e David Thompson, da Universidade do Arizona)


Uma das mais famosas fotografias feitas pelo telescópio espacial Hubble representa uma nebulosa que quase parece um olho, observando-nos das profundezas do espaço sideral. Quase se poderia dizer que é o olho de Deus. Este "olho" é a chamada Nebulosa do Anel e está a 2000 anos-luz da Terra. Quer isto dizer que a imagem da nebulosa que agora se vê tem o aspeto que ela tinha no tempo em que Jesus Cristo andou na Terra! A luz que ela emitiu, e que hoje nos permite vê-la, saiu dela há dois mil anos, tão grande é a distância que a separa de nós. Como a luz viaja no vazio à velocidade aproximada de 300 mil quilómetros por segundo e como um minuto tem 60 segundos, uma hora tem 60 minutos, um dia tem 24 horas e um ano tem 365 dias (366 dias nos anos bissextos, que ocorrem uma vez de quatro em quatro anos e uma vez de quatro em quatro séculos), podemos concluir que esta nebulosa está a uma distância superior a

300000 km/s x 60 segundos x 60 minutos x 24 horas x 365 dias x 2000 anos = 18921600000000000 km

O que esta nebulosa nos mostra é o que acontece a uma estrela moribunda. É verdade. Até as estrelas morrem! O próprio Sol, em volta do qual orbitamos, não é eterno; deverá morrer dentro de cerca de 6 mil milhões de anos, quando o combustível que o alimenta, que é o hidrogénio, tiver sido todo convertido em hélio, num processo chamado "fusão nuclear". É esta fusão nuclear que nos dá a luz que nos ilumina e o calor que nos aquece.

A estrela que está na origem desta lindíssima Nebulosa do Anel tinha uma massa que era bastantes vezes maior do que a do Sol. Quando esta estrela chegou perto do fim da sua vida, ela inchou, tornando-se no que os astrónomos chamam "gigante vermelha". No seu processo de dilatação, a gigante vermelha lançou para o espaço os gases que tinha nas suas camadas mais exteriores. Quando o seu processo de fusão nuclear começou a abrandar, por se estar a esgotar totalmente o seu hidrogénio, a estrela contraiu-se, tornando-se no que se chama "anã branca". Esta anã branca, que está a consumir os seus últimos vestígios de hidrogénio, é o ponto branco que se vê no meio do azul do "olho".

É esta anã branca a responsável pelo magnífico espetáculo que esta nebulosa proporciona a quem a observa com os seus telescópios. A luminosidade azul e laranja que se vê no o "olho" é provocada pela intensa radiação ultravioleta que a estrela agora emite, radiação esta que incide nas poeiras interestelares e nos gases que a estrela tinha libertado antes e que faz estas poeiras e estes gases brilhar.

Esta é que é a famosa fotografia da Nebulosa do Anel feita apenas em luz visível pelo telescópio espacial Hubble (Foto: NASA/Hubble Heritage Team)

25 maio 2013

Cantos e danças de África

(Foto de autor desconhecido)

Hoje é o Dia de África. À contagiante dança da bela africana de etnia himba, de Angola ou da Namíbia, que se vê na imagem acima, venho acrescentar um pouco de música oriunda de várias partes do continente africano. Aproveito a efeméride para divagar um pouco ao acaso e dar uma imagem, ainda que extremamente pálida, da diversidade da música africana.



Na Cambança ("Na Passagem" ou "Na Travessia"), pelos Super Mama Djombo, da Guiné-Bissau.


Mon'Ami ("Filho Meu"), por Lilly Tchiumba, de Angola. Esta canção é o lamento de uma mãe pela morte de um filho.


Deeqa, por Aar Maanta, da Somália. Este cantor viu-se obrigado a abandonar o seu país nos princípios dos anos 90, por causa da violência, e vive habitualmente no Reino Unido.


Canções tradicionais berberes da Região de Souss-Massa-Drâa, em Marrocos. «Nós somos africanos!», dizem-nos os marroquinos com orgulho. «Africanos? Sim, está bem», concordamos, «como vocês vivem no Norte de África, são africanos, não há dúvida, mas o que vocês são mesmo é árabes». Respondem-nos: «Não é verdade. Nós só somos árabes (aqueles que o somos) na língua e na cultura, porque os nossos genes não são árabes; são berberes, logo, africanos.» E acrescentam: «Mesmo que não falemos a mesma língua que os berberes e tenhamos costumes diferentes dos deles, nós descendemos deles. Nós somos eles e eles são nós. Salvo algumas exceções, nós, os marroquinos, somos todos berberes. Portanto, somos todos africanos». «Pronto, está bem», acabamos por assentir, «vocês são africanos... brancos». «Não, não, nós não somos brancos!», atalham logo, «nós não somos brancos. Somos mesmo africanos». «Como assim?», estranhamos, «vocês não são brancos, são africanos, mas também não são negros...» Explicam-nos: «Nós temos muitas afinidades com as pessoas que vivem a sul do deserto do Sahara. Muitas afinidades mesmo. Até laços de sangue nós temos com elas. Durante milhares e milhares de anos o deserto tem sido percorrido incessantemente por caravanas que foram mantendo um permanente contacto comercial, cultural e até genético entre as suas margens norte e sul. Além disso, o deserto não é desabitado, apesar de se chamar deserto. No meio dele vivem povos, tuaregues e outros, que estabelecem a ponte entre todos quantos vivem à volta do deserto. O deserto não separa, une. Quer vivamos a norte, a sul ou no meio do deserto, nós somos todos irmãos, somos todos filhos da mesma África».


Uma canção interpretada de improviso por Demba Doka Barry, do grupo musical Lewlewal, de Podor, no Senegal.

23 maio 2013

Discurso tardio à memória de José Dias Coelho

Éramos jovens, falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o verão; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.

Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
do ventre, espaço denso, redondo, maduro,

dizias: espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave
— repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.

Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela não a tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.

Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.

Catarina, ou José — o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?

Eugénio de Andrade (1923-2005)


Morte de Catarina Eufémia, desenho de José Dias Coelho (1923-1961). A camponesa Catarina Eufémia foi assassinada pela GNR em 1954, em Baleizão, e o artista plástico José Dias Coelho foi assassinado pela PIDE, em Lisboa

22 maio 2013

Há 200 anos nasceu Richard Wagner

O compositor alemão Richard Wagner (1813-1883)

Completam-se hoje 200 anos sobre o nascimento de um dos compositores mais extraordinários e mais controversos da história da música europeia: Wilhelm Richard Wagner.

Adorado por uns e odiado por outros, Richard Wagner nunca deixou ninguém indiferente. Uma das maiores acusações que contra ele se fazem é a de ter sido antissemita. Escreveu, nomeadamente, um ensaio intitulado Das Judentum in der Musik (O Judaísmo na Música), em que acusa os judeus de corromper a cultura alemã. Há também quem julgue encontrar vestígios de antissemitismo em algumas das suas óperas. É igualmente por demais sabido o entusiasmo com que os nazis exaltaram a obra de Wagner. Apesar de tudo isto, o maestro e pianista Daniel Barenboim, que é judeu, não desdenha de maneira nenhuma dirigir óperas e outras composições de Wagner. No Youtube estão vários vídeos que mostram Barenboim a reger Wagner.

Politicamente, Wagner seguiu uma linha próxima do anarquismo e foi amigo de Bakunine, entre outros anarquistas notórios. Wagner teve sérios dissabores com o poder por causa das suas opiniões radicais e da sua ação política. Contraditoriamente, ele é visto por muitas pessoas como tendo sido um nacionalista, pois muitas das suas óperas, cujos libretos ele mesmo escreveu, trazem à cena temas da mitologia germânica e exaltam alguns dos seus heróis, como Lohengrin, Siegfried ou Brünhilde.

Independentemente da opinião que possamos ter de Wagner como homem e como político, uma coisa temos que lhe reconhecer. Como compositor, Wagner inovou profundamente a música, abrindo o caminho para as radicais transformações que a música europeia veio a conhecer nos princípios do séc. XX. A renovação introduzida por Wagner esteve muito longe de suscitar um apoio unânime. No séc. XIX, os melómanos formaram duas correntes antagónicas, que se combateram ferozmente em ferventes polémicas nos jornais: por um lado, uma corrente conservadora, que idolatrava Johannes Brahms, cuja música seguia estritamente a linha do romantismo; por outro lado, uma corrente renovadora que endeusava Richard Wagner. Polémicas àparte, há lugar na música para os dois compositores, Brahms e Wagner. Pessoalmente, prefiro Wagner, embora também aprecie muito a música de Brahms.


A Morte de Isolda (Liebestod), da ópera Tristão e Isolda, de Richard Wagner, pela soprano sueca Birgit Nilsson (1918-2005)

20 maio 2013

Regresso

Quem cantará vosso regresso morto
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo?

Portugal tão cansado de morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite?
Porque agoniza e morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia?

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)


Militares portugueses à chegada a Lisboa, a bordo de um navio que os trouxe da Guerra Colonial (Foto: Companhia de Caçadores Independente 1428) 

18 maio 2013

A Whiter Shade of Pale


A Whiter Shade Of Pale, pelos Procol Harum

16 maio 2013

Princípios

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

Nuno Júdice, vencedor do 22º Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana


(Foto de autor desconhecido)

15 maio 2013

Efeito dominó

(Foto: ORF)

O efeito dominó, como toda a gente sabe, é o efeito que se obtém quando se fazem tombar sucessivas pedras de dominó colocadas verticalmente, umas a seguir à outras e próximas entre si, de tal modo que a queda de uma das pedras provoca a queda da pedra seguinte, a queda desta, por sua vez, provoca a queda da que se lhe segue, e assim sucessivamente até à última pedra, numa reação em cadeia.

No caso de as pedras de dominó usadas terem todas a mesma massa e as mesmas dimensões, ninguém duvida de que o efeito dominó se produz. E se as pedras forem de diferentes massas e tamanhos? Será que uma pedra do tamanho de uma pulga conseguirá derrubar outra que seja tão alta como a Torre dos Clérigos? A resposta é sim, desde que entre a primeira e a última haja uma sucessão de pedras progressivamente maiores e de maior massa.

Era geralmente aceite que uma pedra era capaz de derrubar uma outra cuja massa, altura, largura e espessura fossem 1,5 vezes maiores do que as suas. O holandês J. M. J. van Leeuwen, da Universidade de Leiden, demonstrou matematicamente que a proporção entre uma pedra e a seguinte poderia ser de 2 em vez de 1,5, desde que as pedras estivessem colocadas a uma distância ideal umas das outras e desde que se verificassem as seguintes condições teóricas: a colisão entre as pedras ser inelástica (uma pedra não dar saltinhos sobre a seguinte ao tombar sobre ela), a fricção entre as pedras e a superfície sobre que assentam ser infinita (as pedras não escorregarem quando tombam) e a fricção entre as pedras ser nula (a pedra que cai deslizar sem atrito sobre a seguinte).

É evidente que as condições ideais não existem na realidade e, por isso, com uma proporção de 2 entre pedras sucessivas, o efeito dominó não se verifica. Se uma pedra for duas vezes mais pesada, duas vezes mais alta, duas vezes mais larga e duas vezes mais espessa do que a anterior, ela de facto não poderá ser derrubada por ela. A proporção terá que ser menor. De qualquer modo, a proporção poderá ser próxima de 2 desde que a superfície sobre que as pedras assentam seja de alto atrito e desde que a aresta superior da pedra que cai seja lubrificada, para poder deslizar facilmente sobre a pedra que derruba. A proporção de 2 é, portanto, um limite teórico.

No vídeo que se segue, Stephen Morris, da Universidade de Toronto, no Canadá, faz uma demonstração de um efeito dominó em que a proporção entre duas pedras sucessivas é de 1,5. As 13 pedras usadas na demonstração caem todas, desde a mais pequenina até à maior.

Ao cair, cada pedra transmite uma dada quantidade de energia cinética à seguinte. Esta energia cinética faz oscilar a pedra seguinte até para lá do seu ponto de equilíbrio. Durante a sua queda, a energia cinética desta outra pedra irá fazer oscilar a pedra que se lhe segue. E assim sucessivamente, num processo em cadeia.

Afinal — perguntar-se-á — de onde é que vem toda esta energia cinética? Ela vem da energia potencial gravítica que tinha ficado armazenada em cada pedra no momento em que a colocámos na vertical. Ao pôr de pé uma pedra, aplicámos-lhe uma dada quantidade de trabalho, isto é, de energia. É esta energia que fica armazenada na pedra sob a forma de energia potencial.

Quando uma pedra tomba, a sua energia potencial é convertida em energia cinética à medida que cai. Quando ela faz tombar a pedra seguinte, comunicando-lhe uma parte desta sua energia cinética a ponto de a fazer oscilar, ela desencadeia a conversão em energia cinética da energia potencial que, por sua vez, estava armazenada na pedra seguinte. A pedra seguinte, que é maior e mais pesada do que a pedra que a faz tombar, não cai só por efeito da energia cinética que lhe foi transmitida; ela cai porque ela mesma tinha armazenada uma energia potencial, que neste caso é mais elevada.

É preciso comunicar mais energia (aplicar mais trabalho) para pôr na vertical uma pedra grande do que uma pedra pequena. A energia assim transmitida, que fica armazenada sob a forma de energia potencial, é portanto mais elevada numa pedra grande do que numa pedra pequena.

Não há qualquer criação de energia no efeito dominó de pedras desiguais. Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Toda a energia que é gasta no efeito dominó já estava armazenada nas pedras sob a forma de energia potencial. Só é preciso aplicar um pouco de energia cinética inicial (um pequeno empurrão) à primeira pedra, para que toda a energia contida em todas as outras pedras se vá libertando sucessivamente.


13 maio 2013

Momento musical


Moment musical nº 3 em fá menor, de Franz Schubert (1797-1828), D. 780 nº3 (nº 3 da 780ª obra inscrita no catálogo Deutsch de composições de Schubert), por Vladimir Horowitz (1903-1989)

05 maio 2013

Adeus à hora da largada

Minha mãe
(todas as mãe negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz eléctrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
vão em busca de vida.

Agostinho Neto (1922-1979), poeta e primeiro presidente de Angola


(Foto: Selma Fernandes)

01 maio 2013

Maio, maduro maio


Maio, maduro maio, por Zeca Afonso