31 agosto 2024

A Cova do Gigante


Em primeiro plano, vê-se a elevação alongada chamada Cova do Gigante, que faz lembrar a sepultura de um gigante. Pelo vale que se vê em segundo plano, estende-se a vila de Arruda dos Vinhos, que conserva um caráter rural bastante vincado, apesar de ficar quase às portas de Lisboa (Foto de autor desconhecido)

Canta o povo que há muito, muito tempo, deambulava pelos matagais e serras de Arruda dos Vinhos um severo gigante. Era tão grande como perverso e aterrorizava todas as povoações da região.

Como esta terra sempre foi de bom pão e bom vinho, os agricultores tinham de andar, de sol a sol, na lida da terra, ora com a enxada, ora com os bois. Mas ai de algum se era descoberto pelo gigante... Num repente saltava-lhe em cima e... lavrador e bois eram devorados, sem piedade nem dá. E depois, com ar de gozo, apanhava o arado e palitava com ele os dentes. Era um horror! O que acontecia nesta região naquela altura fazia com que a população nunca andasse descansada. Quando alguém saía à rua, o medo quase o fazia desfalecer, principalmente àqueles cujas famílias já haviam sofrido com os ataques do gigante.

Mas, certo dia, no fim de uma tarde de chuva e trovoada, quando o fogo dos relâmpagos iluminava os céus, mesmo no momento em que o gigante se preparava para deitar as garras a uma pobre velhinha que de joelhos já rezava pela sua alma, caiu um raio do céu e fulminou a terrível fera.

A população festejou de alegria, mas um problema surgiu: como remover aquele avantajado corpanzil?

Então o povo, radiante, resolveu que cada um que tivesse na família uma vítima da fera maldita deitava um cesto de terra sobre o seu corpo pestilento.

E tão numerosas tinham sido as vítimas, e tantos foram os cestos acartados e despejados sobre o moribundo gigante, que o outeiro foi crescendo, crescendo e para sempre ali ficou com a forma de uma campa que cobre um corpo acabado de sepultar.



Lenda recolhida em Arruda dos Vinhos por Jorge da Cunha


A elevação chamada Cova do Gigante, em Arruda dos Vinhos, vista segundo uma outra perspetiva (Foto: Ricardo Braz Frade)

28 agosto 2024

Mia irmana fremosa

Mia irmana fremosa, treides comigo
a la igreja de Vigo u é o mar salido
e miraremos las ondas.

Mia irmana fremosa, treides de grado
a la igreja de Vigo u é o mar levado
e miraremos las ondas.

A la igreja de Vigo u é o mar levado
e verrá i, mia madre, o meu amado
e miraremos las ondas.

A la igreja de Vigo u é o mar salido
e verrá i, mia madre, o meu amigo
e miraremos las ondas.

Martim Codax (séc. XIII), jogral galego


GLOSSÁRIO
treides - vinde
u - onde
salido - saído, agitado
levado - levantado
verrá - virá
i - aí



Cantiga de amigo Mia irmana fremosa, poema e música de Martim Codax (séc. XIII), pela soprano alemã Regina Kabis e o Ensemble A Chantar

25 agosto 2024

Sigamos, pois, com confiança


Adeamus ergo cum fiducia, Lição 8ª das Matinas de Sexta-Feira Santa, do compositor português Luciano Xavier dos Santos (1734–1808), pela soprano Mariana Castello-Branco e o organista Nuno Oliveira

22 agosto 2024

A explicação de Gaza


Sabes o que é uma bomba,
uma bomba dia e noite a explodir-te a cabeça,
uma bomba dia e noite a explodir-te o pai, a mãe,
a explodir-te os filhos, os avós, os irmãos,
uma bomba dia e noite a explodir-te os vizinhos,
os amigos, a casa, a rua, o quarteirão,
tu sem pão, sem água, sem luz,
enterrado na metralha, na dor, nos gritos, no medo,
nos escombros empapados de sangue,
tu sem poderes ir para lado nenhum
tu sem teres para onde fugir
nem para dentro de ti?

Sabes?

Sabes o que são cem bombas,
cem bombas dia e noite a explodir-te a cabeça,
cem bombas dia e noite a explodir-te o pai, a mãe,
a explodir-te os filhos, os avós, os irmãos,
cem bombas dia e noite a explodir-te os vizinhos,
os amigos, a casa, a rua, o quarteirão,
tu sem pão, sem água, sem luz,
enterrado na metralha, na dor, nos gritos, no medo,
nos escombros empapados de sangue,
tu sem poderes ir para lado nenhum
tu sem teres para onde fugir
nem para dentro de ti?

Sabes?

Sabes o que são mil bombas,
mil bombas dia e noite a explodir-te a cabeça,
mil bombas dia e noite a explodir-te o pai, a mãe,
a explodir-te os filhos, os avós, os irmãos,
mil bombas dia e noite a explodir-te os vizinhos,
os amigos, a casa, a rua, o quarteirão,
tu sem pão, sem água, sem luz,
enterrado na metralha, na dor, nos gritos, no medo,
nos escombros empapados de sangue,
tu sem poderes ir para lado nenhum
tu sem teres para onde fugir
nem para dentro de ti?

Sabes?

Nesta insânia estão cercados dois milhões
sem poderem ir para lado nenhum
sem terem para onde fugir
nem para dentro de si
são crianças,
são mulheres,
são homens,
como tu!

Isto é Gaza!

Augusto Baptista


(Foto de autor desconhecido)

20 agosto 2024

Os gatos têm sentimentos?


(Foto: Paulo rsmenezes)

Terão sentimentos os gatos, que são considerados independentes, desprendidos, caprichosos e egoístas?

Uma equipa de investigadores da Universidade de Oakland, na Califórnia, analisou o comportamento de mais de 450 gatos domésticos, que tinham vivido na mesma casa com um outro animal de companhia (outro gato ou mesmo um cão), o qual acabou por morrer. Como reagiram os gatos, quando de um dia para o outro ficaram sem o seu companheiro? Sentiram a sua falta? Ficaram tristes? Ou mantiveram-se indiferentes, como se nada tivesse acontecido?

Dos inquéritos feitos pelos investigadores junto dos donos, concluiu-se que os gatos sentiram a falta do seu companheiro morto, mesmo que este fosse um cão. Os gatos enlutados (chamemos-lhes assim) passaram a dormir menos, a comer menos, a miar mais e a pedir mais carícias aos seus donos, em busca de consolo. E quanto mais longa tivesse sido a convivência com o seu companheiro de brincadeiras, mais intensamente se manifestou este seu comportamento afetivo.

Poderemos concluir, então, que os gatos também têm sentimentos? Tudo indica que sim, mas há quem não esteja completamente convencido disto, argumentando que os gatos não fazem mais do que refletir a tristeza do dono, por ter perdido um seu animal de estimação. Não é fácil saber o que é que se passa dentro da cabeça de um gato, mas, até prova em contrário, os gatos têm sentimentos, mesmo quando não pareça.

16 agosto 2024

Música do Brasil colonial


Salve Regina, do compositor brasileiro pardo Ignácio Parreiras Neves (1730–1794), pelo agrupamento musical francês XVIII-21 Musique des Lumières, dirigido por Jean-Christophe Frisch

Magnificat, do compositor brasileiro pardo Manuel Dias de Oliveira (1734 ou 1735 – 1813), pelo agrupamento musical francês XVIII-21 Musique des Lumières, dirigido por Jean-Christophe Frisch

12 agosto 2024

Luar de agosto

Resplende em pleno azul a lua cheia
E uma onda de luar tinge a campina.
Cai num sono profundo a clara aldeia
Nas alvadias faldas da colina…

Nos humildes casais, que a luz prateia
Cobrem-se as telhas duma gaze fina…
Dentro, extinguiu-se a chama da candeia
E a branca lua, agora, é que a ilumina!

Longe, cintila o rio… Aves noturnas
Ainda esperam nas sombrias furnas
Que acabe um dia tão extenso e mudo…

E os rouxinóis nos choupos, cismadores,
Perguntam onde estão os caiadores
De grandes brochas que caiaram tudo!…

João Saraiva (1866–1948)


(Foto de autor desconhecido)

10 agosto 2024

São Pedro de Moel


São Pedro de Moel vista das antigas piscinas (Foto de autor desconhecido)

Para muitos portugueses, São Pedro de Moel (também grafado Muel, com U) dispensa apresentações. É uma afamada povoação costeira do concelho da Marinha Grande, no centro do país, que cresceu junto a uma praia abrigada do vento norte. São Pedro de Moel encontra-se envolvida pelo não menos famoso Pinhal de Leiria, assim como por escarpas sobre o mar com estratos de belo efeito cenográfico. Apesar de ser uma importante atração turística, São Pedro de Moel ainda não foi, até este momento, desvirtuada do seu caráter de tranquila e requintada estância de veraneio.


Vista sobre a praia de São Pedro de Moel (Foto de autor desconhecido)

Toda a vida de São Pedro de Moel gira em torno da sua praia, que é a sua razão de ser. As ondas do mar são por vezes agitadas e desfazem-se em espuma contras as rochas, a água é fria, as neblinas matinais são frequentes e podem prolongar-se pelo dia fora, mas nada disto importa a quem busca a beleza e o repouso. E nem sempre há nevoeiro e mar agitado em São Pedro de Moel. Mas se por acaso houver, existe sempre a possibilidade de dar uma volta pelo pinhal, que tem recantos paradisíacos e onde a mistura do cheiro da maresia com o perfume da seiva dos pinheiros é inebriante.


Há em São Pedro de Moel muitas casas com pitorescas varandas de madeira (Foto: Pedro Domingues)

Eu poderia ficar aqui a descrever São Pedro de Moel e os seus pontos de interesse, como o monumento a D. Dinis e à Rainha Santa Isabel, o farol do Penedo da Saudade, a casa que foi do poeta Afonso Lopes Vieira, os jardins muito cuidados à sombra dos pinheiros, as casas com belas varandas de madeira na parte mais antiga da povoação, etc. Até poderia referir-me à campeã olímpica Rosa Mota, que costumava viver em São Pedro de Moel durante o inverno, mas não sei se ainda o faz. Prefiro socorrer-me do que José Saramago escreveu no seu livro Viagem a Portugal, que, do pinhal mandado plantar pelo rei D. Dinis, fala deste modo, aposto que a propósito da zona envolvente à Ribeira de Moel:
São Pedro de Muel, visto nesta hora, praia deserta, mar forte batendo, muitas casas fechadas à espera de um tempo estival talvez não tão formoso como este, tem uma atmosfera que tranquiliza o viajante. E nessa disposição vai indagar se não há caminho para a Marinha Grande que lhe permita saborear por mais tempo a mata. Dizem-lhe que, haver, há, mas que o risco de perder-se é certo. Correu o risco, e se se perdeu não deu por isso. Sabe o que ganhou: alguns quilómetros de verdadeiro deslumbramento, a floresta densa por onde a luz entra em feixes, em rajadas, em nuvens, transformando o verde das árvores em ouro palpitante, reconvertido depois o ouro em seiva, nem o viajante sabe para onde olhar. A mata de São Pedro de Muel é incomparável. Outras podem ser mais opulentas de espécies e porte, nenhuma mereceria mais ter, como habitantes, o povo pequenino dos gnomos, fadas e duendes. E está pronto a apostar que um súbito remexer de folhas que ali se viu foi obra de um esperto anãozinho de barrete vermelho.

Dentro da mata contígua a São Pedro de Moel (Foto: Ana Lúcia Pinho)

07 agosto 2024

Piano de mesa


Sonata em Dó (Allegro), do compositor português José Joaquim dos Santos (1747–1801), pelo teclista japonês Michio O'Hara, num piano de mesa de 1804. O piano de mesa, também chamado piano quadrado, é um piano em forma de mesa feito para ser tocado num pequeno salão

04 agosto 2024

A Vitória de Samotrácia


Vitória de Samotrácia, escultura de mármore branco sobre uma base de mármore cinzento, feita por um artista desconhecido. Musée du Louvre, Paris, França (Foto de autor desconhecido)
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A estátua da Vitória de Samotrácia representa a deusa grega Nike ou Niké (Νίκη). Como esta deusa era a deusa da vitória para os gregos, os romanos incluíram-na no seu próprio panteão com o nome de Vitória. Portanto, a mesma deusa era chamada Nike pelos gregos e Vitória pelos romanos.

Há inúmeras representações desta deusa, feitas desde a Antiguidade até aos nossos dias, inclusive nas medalhas que são atribuíbuídas aos atletas vencedores dos Jogos Olímpicos modernos. Existe também uma marca de artigos desportivos que adotou o seu nome, que é a marca Nike, mas as pessoas chamam-lhe Naique, à inglesa, porque não sabem de onde vem este nome, que afinal é grego. A marca de automóveis de luxo Rolls-Royce apresenta igualmente uma pequena escultura desta deusa na frente dos veículos que produz, a qual se tornou numa espécie de símbolo da marca.

Nike era a deusa da vitória, da força e da velocidade na mitologia grega. Era aliada de Zeus, de quem era a condutora do seu carro puxado por cavalos. Os gregos veneravam Nike porque acreditavam que ela era capaz de os conduzir à vitória, graças à força e à velocidade que seria capaz de lhes conferir.

A deusa Nike era habitualmente representada com asas e trazendo numa mão uma palma, símbolo da paz, e na outra uma coroa de louros, para colocar na cabeça dos vencedores das batalhas e também dos jogos, como os Jogos Olímpicos. Os atletas da Antiga Grécia tinham-lhe uma especial veneração e procuravam os seus favores, para que os ajudasse a vencer nas competições em que participavam. Os templos dedicados a Nike eram, por isso, numerosos na Grécia. Em Atenas, ela era representada sem asas, segundo alguns testemunhos, para que não voasse da cidade e lhe garantisse sempre a vitória.

(Foto: Wikimedia)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

De todas as representações de Nike que chegaram até nós, a mais famosa é, sem dúvida nenhuma, a Vitória de Samotrácia. Esta estátua, que tem 5,57 metros de altura e está muito danificada, foi encontrada na ilha grega de Samotrácia, que fica no norte do Mar Egeu e perto da costa da Trácia, no ano de 1863, aos pedaços, sem cabeça, sem braços e sem parte do busto. Foi possível reconstituir totalmente o busto, mas a cabeça e os braços não, porque não se sabe como estariam representados. Mesmo mutilada, esta estátua exibe um ímpeto e um vigor extraordinários, como convém a uma deusa da vitória.

Desconhece-se quem foi que fez esta obra-prima da arte helenística. Supõe-se que tenha sido alguém da ilha de Rodes, que a esculpiu em mármore branco da ilha de Paros entre os anos 220 A.C. e 190 A.C., para ser colocada sobre uma base de mármore cinzento com a forma de proa de um barco. Qual seria a vitória que esta obra quereria celebrar? Talvez quisesse celebrar uma vitória dos gregos sobre os persas, numa das batalhas navais que se travaram naquele Mar Egeu.

Pormenor do torso da Vitória de Samotrácia, esculpido como se fosse moldado por uma túnica molhada pelos salpicos do mar e colada ao corpo pelo vento (Foto de autor desconhecido)
(Clicar na imagem para ampliá-la)

01 agosto 2024

Música para o tempo de férias


Personality, por Lloyd Price

Stupid Cupid, por Connie Francis

Vous permettez, monsieur?, por Salvatore Adamo

Bus Stop, por The Hollies

In the Summertime, por Mungo Jerry