07 março 2025

Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!

Um retângulo oco na parede caiada Mãe

Três barras de ferro horizontais Mãe
Na vertical oito varões Mãe
Ao todo
vinte e quatro quadrados Mãe
No aro exterior
Dois caixilhos Mãe
somam
doze retângulos de vidro Mãe
As barras e os varões nos vidros
projetam sombras nos vidros
feitos espelhos Mãe
Lá fora é noite Mãe
O Campo
a povoação
a ilha
o arquipélago
o mundo que não se vê Mãe
Dum lado e doutro, a Morte, Mãe
A morte como a sombra que passa pela vidraça Mãe
A morte sem boca sem rosto sem gritos Mãe
E lá fora é o lá fora que se não vê Mãe
Cale-se o que não se vê Mãe
e veja-se o que se sente Mãe
que o poema está no que
e como se vê, Mãe
Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!

Mãe
aqui não há poesia
É triste, Mãe
Já não haver poesia
Mãe, não há poesia, não há
Mãe

Num cavalo de nuvens brancas
o luar incendeia carícias
e vem, por sobre meu rosto magro
deixar teus beijos Mãe, teus beijos Mãe

Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!

António Jacinto (1924–1991), poeta angolano e antigo prisioneiro do "Campo de Trabalho de Chão Bom", Tarrafal, Santiago, Cabo Verde

Pormenor de um portão de entrada para as celas do campo de concentração do Tarrafal, Cabo Verde (Foto: Jorge Jacinto)

04 março 2025

Concerto Os Amantes Borboletas


Concerto para violino e orquestra Os Amantes Borboletas, dos compositores contemporâneos chineses He Zhanhao e Chen Gang, interpretado pelo violinista chinês Lü Siqing e pela Orquestra Sinfónica Yomiuri Nippon, de Tóquio, dirigida pelo maestro Jian Wenbin, de Taiwan

Os Amantes Borboletas é o nome de um concerto para violino e orquestra sinfónica composto por He Zhanhao (autor do tema de abertura) e Chen Gang (autor do desenvolvimento do tema), quando ainda eram alunos do Conservatório de Música de Xangai, na China. A obra foi escrita na escala pentatónica chinesa, foi estreada em 1959 e, após ter estado proibida durante a Revolução Cultural (porque alegadamente promovia valores burgueses, ao fazer a exaltação de um amor individual), acabou por se tornar famosa e passou a ser tocada em toda a China e pelo mundo fora.

O nome do concerto, Os Amantes Borboletas, refere-se a uma lenda chinesa sobre o amor trágico de dois jovens apaixonados, Liang Shanbo e Zhu Yingtai. Os progenitores da jovem Zhu, contra a vontade desta, tinham combinado o seu casamento com um rico mercador. Sabendo disto, o enamorado Liang sente o seu coração destroçado, adoece e acaba por morrer. No dia aprazado para o casamento de Zhu com o mercador, um vento muito forte obriga a comitiva que conduz a noiva a parar diante do túmulo de Liang, que ficava no caminho. Zhu abandona a comitiva, chega junto do túmulo do seu falecido amado e manifesta o desejo de que o túmulo se abra. O túmulo abre-se com o estrondo de um trovão e Zhu lança-se para o seu interior, a fim de se juntar a Liang. As almas de Zhu e Liang emergem finalmente do túmulo sob a forma de duas borboletas, que voam para nunca mais se separarem.

No concerto Os Amantes Borboletas, a jovem Zhu Yingtai é simbolizada pelo violino e o seu amado Liang Shanbo pelo violoncelo.

02 março 2025

José Júlio


Paisagem, 1958, óleo sobre tela de José Júlio (1916–1963). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
(Clicar na imagem para ampliá-la)

José Júlio Andrade dos Santos, ou simplesmente José Júlio, foi um pintor autodidata nascido em Lisboa em 1916 e falecido na mesma cidade em 1963. Licenciado em Matemática e Ciência Geofísica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, José Júlio foi docente de Matemática e Desenho no Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa. No que respeita ao Desenho, talvez possamos concluir que as aulas por ele ministradas fossem de Geometria Descritiva, dada a sua formação académica em Matemática.

José Júlio tornou-se pintor para ajudar o seu filho mais velho nos estudos. Para isso, José Júlio aprofundou os seus próprios conhecimentos e desenvolveu a sua prática pessoal de pintura. Participou em diversas exposições individuais e coletivas, além de ter desenvolvido uma intensa atividade na área da promoção das Artes Plásticas junto dos jovens, assim como nas do associativismo e cooperativismo. Foi membro da direção da Sociedade Nacional de Belas-Artes e um dos fundadores da Cooperativa Gravura.