Um artigo sobre dança contemporânea, publicado pela minha amiga Phwo no seu blog "
Às vezes (des)organizo-me em palavras...", refere o nome do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham. Eu não entendo nada de dança, seja ela clássica, moderna, contemporânea, tradicional ou outra. Mas Merce Cunningham foi importante para mim, pois ele ajudou a formar a minha sensibilidade estética quando apresentou um espectáculo que nunca mais esqueci, nos já longínquos anos 60, no Cine-Teatro Vale Formoso, aqui no Porto.
Nessa altura, o bailarino e coreógrafo americano apresentou-se perante o público portuense com a sua própria companhia de dança e fez-se acompanhar pelo polémico (no mínimo...) compositor, também americano, John Cage, falecido há muito poucos anos.
Em vez de discorrer aqui sobre a obra de Merce Cunningham, tarefa para a qual não estou minimamente habilitado, resolvi partir à procura do seu nome no
You Tube. Encontrei o video que abaixo apresento, intitulado
Merce Cunningham digest, e encontrei, também, uma série mais longa de três videos sobre um seu bailado intitulado
Beachbirds for Camera. Aconselho a que se veja este belo bailado, estando a primeira parte
aqui, a segunda parte
aqui e a terceira parte
aqui. A música deste bailado é do já citado Jonh Cage.
John Cage foi um compositor que ultrapassou todas as barreiras e todas as convenções, sendo frequentemente chamado louco, provocador e outros epítetos menos próprios. A sua obra mais emblemática é uma peça em três andamentos chamada
4 Minutos e 33 Segundos, que é uma peça em que não se toca rigorosamente nada! O maestro António Victorino de Almeida chamou-lhe "concerto para silêncio"... O You Tube também tem um video com a (não) interpretação desta peça por uma orquestra sinfónica, o qual pode ser visto e (não) ouvido
aqui.
No caso do espectáculo de Merce Cunningham a que assisti no Vale Formoso, a mais polémica peça de John Cage, ao som da qual os bailarinos dançaram, foi uma sucessão de anedotas! Assim, enquanto os bailarinos evoluíam no palco, uma voz de homem contava várias anedotas em quatro ou cinco línguas, entre elas o português. Todas as anedotas tinham a mesma duração, que era um minuto, se não me falha a memória. Se a anedota fosse comprida, era contada depressa; se fosse curta, era contada devagar. A verdade é que quase todas as anedotas tinham imensa piada e o público fartou-se de rir durante a peça...
No dia seguinte, um jornal da cidade publicou uma entrevista com John Cage, feita a seguir ao fim do espectáculo. Na entrevista, o jornalista pediu desculpa a John Cage pelo comportamento do público do Porto, dizendo que era um público atrasado, por se ter rido de uma sua peça... O compositor respondeu que o jornalista não tinha que pedir desculpa nenhuma e que, pelo contrário, até achou que o público do Porto era muito evoluído, pois aplaudiu muito o espactáculo no fim. E acrescentou: «Na semana passada, em Paris, atiraram-nos tomates e ovos podres»...
Cabe ainda dizer que o coreógrafo Merce Cunningham voltou com a sua companhia ao Porto há dois ou três anos, mas não pude assistir ao espectáculo por razões ponderosas, o que muito me entristeceu.
Para terminar, um apontamento melancólico. Ao palco do Cine-Teatro Vale Formoso, que Merce Cunningham pisou, sobem agora os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus para fazerem exorcismos e curas milagrosas. A IURD não ficou com o Coliseu, mas ficou com o Vale Formoso. Assim acabou um cine-teatro que eu muito estimava, pois nele assisti a muitos e bons filmes durante a minha infância, além do inesquecível espectáculo de Merce Cunningham & Dance Company.