Marialva
Vista parcial do interior do castelo de Marialva (Foto: Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro)
Marialva é uma freguesia do concelho de Mêda, distrito da Guarda. Marialva é, também e sobretudo, uma vila histórica, que possui, talvez, as ruínas medievais mais belas e impressionantes que existem em Portugal: as ruínas do seu castelo.
A origem de Marialva perde-se na noite dos tempos. A povoação já existia no tempo dos romanos, que lhe chamavam Civitas Aravorum. Este nome remete para a designação duma tribo de lusitanos que habitava a região, a tribo dos aravaros.
Em Marialva estiveram os mouros, que lhe deram o nome de Malva, e a partir do séc. XI passaram a estar os cristãos, com a conquista empreendida pelo rei Fernando Magno, de Leão.
Com a independência de Portugal, acontecida no séc. XII, Marialva passou a fazer parte do novo reino. Ganhou então uma enorme importância militar e estratégica, pois dominava um extenso trecho da fronteira, que lhe passava muito próxima, com o reino de Castela. Por causa disso, o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, fortificou a vila, povoou-a e deu-lhe carta de foral, na qual se incluíam vastos privilégios. Marialva passou então a ficar na dependência direta do rei de Portugal e não da nobreza. Esta dependência direta da autoridade real era uma vantagem para a vila, pois o rei cobrava menos impostos do que os nobres. Além disso, os habitantes gozavam de uma certa autonomia e liberdade de ação, não estando sujeitos aos variados abusos e humilhações que os membros da nobreza costumavam infligir aos moradores das suas terras.
A importância de Marialva começou a declinar logo no reinado de D. Dinis, no séc. seguinte, quando as terras de Riba Côa, situadas para leste da vila, passaram também a fazer parte do reino de Portugal, em troca com a cidade de Tui, na margem direita do Rio Minho, a qual deixou de ser portuguesa. A fronteira entre Portugal e Castela deixou então de passar nas imediações de Marialva, tendo sido deslocada várias dezenas de quilómetros mais para leste. Em vez de Marialva, foi Pinhel que passou a constituir a fortificação mais importante na defesa do território nacional por aquelas paragens. Marialva entrou, portanto, em decadência, foi-se esvaziando de habitantes e acabou, mesmo, por deixar de ser sede de concelho, no séc. XIX, passando a ser apenas uma freguesia do concelho de Mêda.
O castelo de Marialva era, de facto, uma vila fortificada inteira, ou quase. No interior das suas muralhas havia uma casa da câmara, um pelourinho, uma cadeia, igrejas, um cemitério e tudo o mais que se requeria numa comunidade urbana em Portugal, na Idade Média. As ruínas de todos estes antigos equipamentos sociais, além das de diversas ruas e habitações, podem hoje admirar-se no desabitado interior do castelo. Os moradores atuais de Marialva vivem fora das muralhas e não dentro.
Aquilo que sentimos quando visitamos o castelo de Marialva foi magistralmente descrito por José Saramago. Subscrevo completamente as palavras do grande escritor. Passo, portanto, a transcrever algumas das belas palavras que, a respeito de Marialva, Saramago escreveu no seu livro Viagem a Portugal:
«O viajante entra no castelo, (...) vai à descoberta do que, a partir deste dia, ficará sendo, no seu espírito, o castelo da atmosfera perfeita, o mais habitado de invisíveis presenças, o lugar bruxo, para dizer tudo em duas palavras. Neste largo onde está a cisterna, onde o pelourinho está, dividido entre a luz e a sombra, adeja um silêncio sussurrante. Há restos de casas, a alcáçova, o tribunal, a cadeia, outros que não se distinguem já, e é este conjunto de edificações em ruínas, o elo misterioso que as liga, a memória presente dos que viveram aqui, que subitamente comove o viajante, lhe aperta a garganta e faz subir lágrimas aos olhos. Não se diga daí que o viajante é um romântico, diga-se antes que é homem de muita sorte: ter vindo neste dia, nesta hora, sozinho entrar e sozinho estar, e ser dotado de sensibilidade capaz de captar e reter esta presença do passado, da história, dos homens e das mulheres que neste castelo viveram, amaram, trabalharam, sofreram, morreram. O viajante sente no Castelo de Marialva uma grande responsabilidade. Por um minuto, e tão intensamente que chegou a tornar-se insuportável, viu-se como ponto mediano entre o que passou e o que virá. Experimente quem o lê ver-se assim, e venha depois dizer como se sentiu.»
Muito antes de Saramago, já o arquiteto Francisco Keil do Amaral tinha escrito sobre Marialva as seguintes palavras, que se podem ler no Guia de Portugal, 5º Volume, II Tomo:
«Há em Portugal castelos mais impressionantes, igrejas de outra imponência e beleza, solares de maior aparato, fontes ao pé das quais as de Marialva não passam de parentes pobres. Mas não são muitos, neste nosso rincão do Mundo, os conjuntos de ruínas dum antigo burgo fortificado, assim chegados até nós sem marcas profundas de evolução. Tão-pouco são frequentes os exemplos de pequenos recintos públicos em que o jogo das diferenças de nível e dos volumes, a curiosa «desarrumação» dos elementos valorizadores e uma cuidadosa espontaneidade, se conjugam com tamanha singeleza e encanto. Os arranjos urbanos que antecedem a porta de S. Miguel Arcanjo, do castelo e os que dentro deste enquadram, completam e dignificam o solar da administração e da justiça são expoentes altos dum sábio aproveitamento das condições naturais, valorizadas com meios modestos, sem grandiloquência nem rigidez formal, mas duma rústica harmonia, a um tempo forte e imaginosa (...).»
(Foto: RTP)