Há pouco tempo, descobri que ainda existe o Hospital de Jesus, em Lisboa, onde fui operado aos olhos quando tinha dez anos de idade. É o edifício que se vê na imagem acima, que encontrei na internet, mesmo ao lado da igreja das Mercês (que está à direita) e faz esquina com a Rua da Quintinha (ao fundo), a qual não deve ser confundida com a Calçada da Quintinha, que fica em Campolide. Se seguirmos pela rua em que fica o hospital e continuarmos em frente, em vez de virarmos para a Rua da Quintinha, logo encontraremos umas escadinhas que vão acabar mesmo diante da Assembleia da República. Este hospital pertencia — e deve continuar a pertencer — a uma ordem religiosa. Pois foi dentro das paredes deste edifício que eu fui operado aos olhos por duas vezes, quando tinha dez anos de idade.
Isto é o que resta da casa onde viviam os meus pais. Com um ano de idade, caí de uma das janelas para a rua (Imagem extraída do Google Street View)
Eu sofria de um acentuado estrabismo, resultante de uma queda que sofri de uma janela do 1.º andar para a rua, quando só tinha a idade de um ano. Em consequência da queda, estive em coma durante uma semana, mas sobrevivi, não sem ter ficado estrábico.
Na escola, eu era gozado pelos meus colegas, que me chamavam «caolho» e macaqueavam o meu aspeto, trocando os olhos e fazendo-me caretas. Se fosse agora, diria que fui vítima de bullying.
A primeira operação cirúrgica a que fui submetido neste hospital foi a ambos os olhos, sob anestesia geral. Quando acordei da anestesia, tinha os olhos tapados por pensos. Eu não via nada e não sabia sequer se era de dia ou se era de noite. Sem saber se havia alguém por perto, perguntei em voz alta:
— Que horas são?
Ninguém me respondeu. Pensei: «Se ninguém me responde, é porque não pedi por favor». Por isso, insisti:
— Por favor, que horas são?
Ninguém me respondeu.
Voltei a insistir:
— É de dia ou é de noite?
Mais uma vez ninguém me respondeu. Pensei: «Se calhar é de noite e está toda a gente a dormir». Levei as mãos aos olhos, para verificar os pensos que os tapavam. Imediatamente ouvi um ralho em alta voz:
— O menino não mexa aí!!!
Logo de seguida, ouvi um chamamento:
— Ó fulana! Vem cá depressa, que o menino quer tirar os pensos dos olhos! É preciso amarrá-lo à cama, para ele não arrancar os pensos.
Protestei:
— Não quero arrancar nada!
Mas logo fiquei completamente imobilizado, amarrado à cama. Adormeci, ainda entorpecido pela anestesia.
Quando voltei a acordar, ouvi uma voz indignada, certamente da médica oftalmologista que me tinha operado:
— Quem foi que amarrou este menino à cama?!
Alguém respondeu-lhe:
— Fomos nós, porque ele queria tirar os pensos dos olhos.
Protestei:
— Não queria tirar nada. Só queria apalpar os pensos, para ver como é que isto está…
A médica falou:
— Está a ver como ele não queria tirar os pensos? Isto é maneira de se tratar uma criança?! Desamarre-o imediatamente!
Fui logo desamarrado e a médica disse para mim:
— Amanhã mesmo vamos tirar-te os pensos, para vermos como é que isso ficou. Entretanto, não mexas aí. Amanhã já vais poder voltar a ver.
No dia seguinte tiraram-me os pensos dos olhos e voltei a ver. Depois de uma atenta observação, a oftalmologista concluiu que o olho esquerdo tinha ficado bem, mas o olho direito teria que ser submetido a uma nova intervenção cirúrgica. Esta intervenção ocorreu poucas semanas depois, no mesmo hospital.
Posso dizer que o resultado das operações foi o melhor possível, mas não foi a 100%. Uma ligeira deformação do crânio, resultante da queda que sofri, impede-me de sobrepor as imagens dos dois olhos no sentido de conseguir uma imagem estereoscópica. As imagens não são rigorosamente sobreponíveis, porque uma delas fica ligeiramente inclinada em relação à outra. A estrutura óssea do crâneo assim o impõe.
Conclusão: ambos os meus olhos estão perfeitamente funcionais, mas só consigo ver com um olho de cada vez. Não tenho visão tridimensional, nem sei o que isso é.