Numa expedição de 1535 o navegador Francisco de Orellana, penetrou pela foz do rio Orinoco. No médio Amazonas teve um encontro com mulheres guerreiras que atacaram sua embarcação. Conforme consta da Relación de frei Gaspar de Carvajal, a viagem empreendida por Orellana pelo maior rio do mundo ajudou recriar a lenda das mulheres guerreiras, as amazonas da mitologia grega clássica. O rio ainda era chamado de Rio Grande, Mar Dulce ou Rio da Canela, por causa das grandes árvores de canela que existiam ali. A belicosa vitória das icamiabas contra os invasores espanhóis foi tamanha que o fato foi narrado ao rei Carlos V, o qual, inspirado nas antigas guerreiras hititas ou amazonas, batizou o rio de Amazonas.
(Foto: Iano Mac Yawalapiti)
Certamente Orellana e Carvajal tiveram um encontro com uma aldeia em dia de Yamurikumã. Ritual onde as mulheres tomam os pertences dos homens como cocares de penas, lanças, flechas, braçadeiras e entoam cantos onde provocam os homens. Nestes dias a aldeia ganha um novo ritmo dominado pelo universo feminino.
Vergílio Ferreira (1916–1996), um dos maiores escritores portugueses do séc. XX (Foto de autor desconhecido)
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.
Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.
Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.
Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.
Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenarmo-nos em gado sob o comando de um pastor.
Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.
E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.
A Duquesa Feia (c. 1513), óleo sobre madeira de carvalho do pintor flamengo Quentin Matsys ou Massys (1466–1530). National Gallery, Londres, Reino Unido
Este quadro é a obra mais famosa do pintor flamengo Quentin Matsys (Quinten Matsijs em flamengo) e é considerado uma caricatura grotesca de uma velha que quer parecer nova para arranjar noivo. Na sua mão direita ela tem um botão de flor vermelha, que tem sido interpretada como significando que a retratada é como um botão que nunca florescerá.
No entanto, surgiu há poucos anos uma outra interpretação para este quadro, feita por Michael Baum, professor emérito de cirurgia do University College de Londres, e um seu aluno chamado Christopher Cook. Depois de o terem analisado em pormenor, eles concluiram que este quadro deve ser um retrato fiel de uma pessoa que existiu realmente e não uma caricatura. Ainda de acordo com estes investigadores, a fealdade da mulher retratada dever-se-ia ao facto de ela sofrer de uma forma adiantada e muito rara de doença de Paget, que é uma doença muito dolorosa que provoca deformações ósseas e que foi descrita, pela primeira vez, por sir James Paget, um cirurgião britânico dos finais do séc. XIX.
Seja como for, é enorme a semelhança entre esta pintura de Quentin Matsys e um desenho que se julga ser anterior, que é atribuído a Leonardo da Vinci e que o pintor flamengo teria copiado. Talvez a mulher que sofria de doença de Paget tenha sido a que foi supostamente desenhada por Leonardo da Vinci.
Desenho de uma cabeça grotesca atribuído a Leonardo da Vinci e datado de c. 1480 a c. 1510. Palácio de Windsor, Biblioteca Real, Reino Unido
Adagio para Cordas, do compositor norte-americano Samuel Barber (1910–1981), pela Orquestra Raízes Ibéricas dirigida pelo maestro José Atalaya. Esta é, talvez, a melhor interpretação deste Adagio que eu já ouvi, apesar de a má qualidade do som prejudicar seriamente a sua fruição. Mesmo assim, acho que vale a pena ouvi-la. José Atalaya mostra aqui, para lá de qualquer dúvida, que é um grande maestro e que em Portugal existem excelente jovens músicos
O Adagio para Cordas é uma peça musical escrita para orquestra de cordas em 1936, pelo compositor norte-americano Samuel Barber. Em rigor, o Adagio não foi originalmente composto para orquestra de cordas, mas sim para quarteto de cordas apenas, constituindo o segundo andamento do Quarteto de Cordas op. 11 de Barber. Foi só depois de ter composto este Quarteto que Samuel Barber fez um arranjo do Adagio para orquestra de cordas. Desta maneira, o Adagio autonomizou-se e acabou por se tornar a obra mais conhecida e apreciada de todas as que Samuel Barber compôs. Mais tarde, no ano de 1967, o autor fez um novo arranjo deste Adagio, desta vez para coro, acrescentando-lhe as palavras latinas da oração Agnus Dei, do ordinário da missa. Neste mesmo blog, já tive oportunidade de postar uma interpretação do Agnus Dei de Samuel Barber.
O Adagio para Cordas, pelo seu caráter profundamente comovente, tem feito parte da banda sonora de vários filmes e séries de televisão. Um particular destaque deve ser dado ao excelente filme Platoon (que em Portugal tomou o nome Os Bravos do Pelotão), de Oliver Stone, que ganhou quatro óscares em 1987 e que usa o Adagio para Cordas de Samuel Barber como tema. Platoon é um filme a todos os títulos notável, embora seja extraordinariamente "pesado" e violento. É um filme que aborda a guerra do Vietname de uma forma particularmente realista e profundamente humana, nos antípodas da fantasia delirante de Coppola em Apocalypse Now (que também é um grande filme, mas por outras razões) ou das infantis fanfarronadas de Sylvester Stallone nos filmes de Rambo e quejandos. Só quem viveu a guerra do Vietname por dentro, como aconteceu a Oliver Stone, é que poderia realizar um filme como Platoon.
Trailer do filme Platoon — Os Bravos do Pelotão, de Oliver Stone
Esta é a janela mais famosa de Beja. É a Janela de Mértola, no Convento da Conceição, através da qual Mariana Alcoforado terá visto muitas vezes o seu amado passar na rua (Foto: Museu Regional de Beja)
Janela manuelina na Rua Dr. Afonso Costa (Foto: Desporto: viajar)
Janela de rótulas na Rua do Ulmo. Sendo uma herança da presença islâmica, as janelas de rótulas permitiam às moradoras observar a rua, ao mesmo tempo que conservavam o seu recato (Foto: Paulo Gonçalves)
Janela manuelina da Casa dos Pereiras e Lacerdas, trazida da Quinta do Castelo na década de 50 do séc. XX (Foto: Paulo Gonçalves)
Há cidades que me fazem sentir em casa quando as visito, seja pela sua escala humana (caso de Viana do Castelo), seja pela simpatia da sua população (caso de Viena), seja porque me sinto tratado como um habitante local, quase como um familiar (caso de Munique), seja por tudo isto ao mesmo tempo e ainda mais um "não sei o quê". A cidade de Beja está neste último caso. Quem diria que, sendo eu tripeiro, me sentiria tão bem em Beja, que é uma cidade tão diferente do Porto? A verdade é que sinto.
Beja é uma cidade antiquíssima, que dizem ter sido fundada pelos celtas há 2500 anos. Certamente ela é ainda mais antiga, a avaliar pelos vestígios pré-históricos que na cidade se têm encontrado, mas é pelo menos desde os celtas que a cidade é habitada permanentemente. De então para cá, passaram por Beja diversos povos e civilizações que, de forma pacífica ou violenta, vindos da Europa ou do Norte de África, tomaram a cidade, nela se fixaram e passaram a chamar-lhe sua. Celtas, romanos, visigodos, mouros e outros mais deixaram a sua marca em Beja. Infelizmente, muitíssimos vestígios e construções que havia em Beja desapareceram completamente, por ação da passagem do tempo ou da insensibilidade dos homens. O séc. XIX, então, foi catastrófico, tendo sido demolidas nesse tempo muitas e preciosas construções, a pretexto da modernização da cidade. Alguma coisa ficou, é certo, mas dizem que o que se perdeu tinha muito mais valor artístico e arquitetónico do que tudo o que agora em Beja está.
Não pretendo, de maneira nenhuma, fazer um roteiro do que pode ser visto em Beja. Não faltam na internet sites turísticos que o fazem com muito mais competência, do que eu alguma vez poderia fazer. Mas se uma visita eu posso neste momento recomendar, então será o Museu Regional de Beja, também chamado Museu Rainha Dona Leonor. Tanto o seu núcleo principal, no antigo Convento da Conceição, como o seu núcleo visigótico, na antiga Igreja de Santo Amaro, merecem uma visita muito cuidada. Atente-se, por exemplo, na preciosíssima tela quinhentista que representa São Vicente e que é atribuída a Vicente Gil e Manuel Vicente, Mestres do Sardoal.
São Vicente, provavelmente dos Mestres do Sardoal, Vicente Gil e Manuel Vicente (Foto: Museu Regional de Beja)
Recuerdos de la Alhambra, do compositor espanhol Francisco Tárrega (1852–1909), pelos Índios Tabajaras
Os "Índios Tabajaras" foram um duo de guitarra clássica constituído por dois irmãos, chamados Muçaperê e Erundi, que eram índios genuínos do povo Tabajara, do estado do Ceará, no Nordeste do Brasil. Em 1933 eles saíram do seu Ceará natal e mudaram-se para o Rio de Janeiro, tendo percorrido dois mil quilómetros a pé. Na capital carioca, Muçaperê e Erundi foram batizados e registados pelo tenente Hildebrando Moreira Lima, com os nomes de Antenor Moreyra Lima e Natalício Moreyra Lima, respetivamente.
Músicos autodidatas, os dois irmãos assinaram um contrato de gravação com a RCA em 1943, provavelmente, e tocaram pela primeira vez numa rádio do Rio, a Rádio Cruzeiro do Sul, em 1944. Em 1950, interromperam a sua carreira para receberem lições formais de guitarra. Em 1953 reapareceram com um novo disco e o seu êxito não parou de aumentar, tendo efetuado digressões pela Argentina, Venezuela e México. Em 1957 foram para os Estados Unidos, três anos depois regressaram ao Brasil. Fizeram digressões pela Europa e pela América do Norte até que acabaram por se fixar nos Estados Unidos mais uma vez. Os "Índios Tabajaras" gravaram os seu últimos discos durante os anos 80. Nesta década, Antenor (Muçaperê) retirou-se da vida artística e o seu irmão Natalino (Erundi) continuou a tocar com a sua esposa, Michiko, até aos anos 90. Erundi faleceu em 2009.
Uma das características principais da música tocada pelos "Índios Tabajaras" é o seu enorme ecletismo. Os "Índios Tabajaras" tocaram música de géneros tão diversos como música popular brasileira, música de dança de vários estilos (um seu fox-trot, chamado "Maria Helena", teve um êxito extraordinário nas Américas e na Europa), música clássica, etc. Foi no domínio da música clássica que os "Índios Tabajaras" atingiram o apogeu da sua execução musical, tocando e gravando adaptações para duas guitarras de obras de Heitor Villa-Lobos, Chopin, Tchaikovsky, etc.
Adaptação para duas guitarras clássicas da Valsa para piano nº 7 em dó sustenido menor, op. 64 nº 2, de Chopin (1810–1849), pelos Índios Tabajaras
O Paraíso Terrestre, iluminura contida no capítulo Orações da Virgem do livro Les Très Riches Heures du Duc de Berry
Um livro de horas é um livro litúrgico cristão feito para ser usado por leigos, tal como o breviário se destina a ser usado pelos clérigos. À semelhança do que sucede com um breviário, a função principal de um livro de horas é providenciar ao seu leitor um conjunto de orações, chamadas ofícios, destinadas a ser rezadas em algumas horas do dia. A diferença entre um livro de horas e um breviário reside, sobretudo, no facto de que a liturgia contida num livro de horas é simplificada relativamente à que está contida num breviário.
Os livros de horas surgiram na Europa durante o séc. XIII e a sua popularidade atingiu o apogeu no séc. XV. Além de apresentarem três capítulos habituais — as horas da Virgem, os salmos penitenciais e o ofício dos mortos —, os livros de horas publicados a partir do séc. XV incluem frequentemente um calendário, com a indicação dos santos de cada dia e das festas litúrgicas mais importantes.
O livro de horas medieval mais famoso que existe é certamente o livro chamado Les Très Riches Heures du Duc de Berry, que é uma obra manuscrita do séc. XV e que é sumptuosamente iluminado. Foi encomendado por um membro da alta nobreza francesa — o duque de Berry João I — aos irmãos Paul, Jean e Herman de Limbourg, que morreram antes de o terem acabado. Um pintor anónimo retomou o trabalho por eles deixado e o pintor Jean Colombe concluiu-o por volta de 1485 ou 1486.
O calendário é o capítulo mais famoso deste livro, por causa das suas extraordinárias iluminuras. Além do seu enorme valor artístico, estas iluminuras têm uma grande importância documental, não só pelo rigor dos dados astronómicos que fornecem, mas também, e sobretudo, pelas representações que mostram da vida quotidiana na Europa medieval.
Janeiro, iluminura do livro Les Très Riches Heures du Duc de Berry