27 junho 2014

Fala de um soldado da 1ª Guerra Mundial


A Butcher's Tale (Western Front 1914), uma canção editada em 1968 pelo grupo de rock inglês The Zombies e interpretada por dois membros do grupo apenas: Chris White, voz solista, e Rod Argent, em harmónio. O autor da canção é Chris White. A letra é a seguinte:

A butcher, yes, that was my trade
But the king's shilling is now my fee
A butcher I may as well have stayed
For the slaughter that I see

And the preacher in his pulpit
Sermon: "Go and fight, do what is right"
But he don't have to hear these guns
And I'll bet he sleeps at night

And I
And I can't stop shaking
My hands won't stop shaking
My arms won't stop shaking
My mind won't stop shaking
I want to go home
Please let me go home
Go home

And I have seen a friend of mine
Hang on the wire
Like some rag toy
Then in the heat the flies come down
And cover up the boy
And the flies come down in
Gommecourt, Thiepval,
Mametz Wood, and French Verdun
If the preacher, he could see those flies,
Wouldn't preach for the sound of guns

And I
And I can't stop shaking
My hands won't stop shaking
My arms won't stop shaking
My mind won't stop shaking
I want to go home
Please let me go home
Go home

23 junho 2014

Cancioneiro do S. João portuense

Pormenor de uma cascata de S. João (Foto de autor desconhecido, encontrada em Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos Nossos Dias)

Como todas as manifestações sociais, um acontecimento com a grandeza cívica das festas mais populares do universo portuense teria as suas tradições poéticas e musicais. Delas, destaca-se o conjunto das canções popularizadas através de mais de um século de despiques, «rusgas», e «ranchos» que, cantando mais do que dançando (a «rusga» sanjoaneira caracteriza-se por percorrer itinerários mais ou menos longos), originaram um cancioneiro próprio da cidade, evocativo dos seus lugares, pessoas e eventos.

As barqueiras do Douro cantavam, com intenções sarcásticas e eróticas:

O S. João prometeu,
prometeu e há-de dar,
ramalhos para a capela,
raparigas para os armar.

No altar de S. João,
nasceu uma cerejeira:
ditosa será aquela
que colher a primeira.

Os bairros e locais de festa são recordados desta maneira:

S. João foi à Lapa,
da Lapa foi ao Bonfim,
e viu tudo embandeirado
com bandeiras de cetim.

Ó meu S. João do Porto,
quando chegas está tudo morto
pra nas fogueiras saltar!
Ai, meu S. João do Bolhão e Fontaínhas,
das cascatas enfeitadinhas
e dos balões pelo ar!…

Um dos rituais sanjoaneiros era descrito na quadra seguinte, associado às cebolas procuradas neste dia como bruxedo:

De onde vindes, S. João,
que vindes tão molhadinho?
— Venho de entre aquelas hortas,
de regar o cebolinho.

Os símbolos vegetais dos ritos são também motivo de canções:

Não há S. João sem cravos,
alfazema e rosmaninho;
nem coração que se preze,
sem moçoila no caminho.

A crença nas virtudes casamenteiras do santo é assim expressa:

O S. João, no Porto,
faz casamentos a esmo.
Em Lisboa, Santo António,
por pirraça, faz o mesmo!

Se fordes ao S. João,
trazei-me um S. Joãozinho.
Se não puderdes cum grande,
trazei-me um mais pequenino.

Ó meu S. João do Porto,
ó meu santo pequenino!
Quero-vos para padrinho
do meu primeiro menino.

O poeta António Aleixo não deixou de cantar a feição amorosa, bem portuense, do culto sanjoaneiro:

São no Porto as Fontaínhas,
onde as raparigas vão,
como bandos de andorinhas,
na noite de S. João.

Na revista popular «O Sonho do Zé», apresentada nas «Janeiras» de 1931 pelo grupo de cantadores «Os graciosos», apareciam os três santos populares cantando ao desafio:

Santo António:

Estou deveras descontente
Com o que se passa na Terra.
Vou já para o céu de repente,
Só desgraça a Terra encerra.
Julguei que vinha gozar
As delícias dum peixão,
Mas só cá vim encontrar
Miséria e podridão.
Não quero mais
Tempo perder,
Com mulheres tais
Não quero entreter,
As vossas bilhas
Quebradas… estão,
Por elas — ó filhas
Não dou um tostão.

S. Pedro:

Todos me chamam careca,
mas eu sorrio-me com isso,
Muitas damas para aí
Já também rapam o toutiço.
Se não fosse recear
Cometer um crime grave,
Gostava eu de lhes rapar,
Com a ajuda desta chave.

S. João:

Ó raparigas formosas,
Acendei vossas fogueiras,
Correi para mim pressurosas,
Sorridentes e fagueiras.
Dai ao vosso S. João
Todo o vosso amor,
Que ele em compensação
Dá-vos um menino primor.

Meus amores, quem me dera.
Gozar convosco um bocado;
Nunca mais santo eu era,
Que cometeria um pecado.

Coro:

Somos três santinhos
Muito foliões,
Queridos dos povinhos,
Vimos aos peixões,
Sentir sensações,
Gozar aos bocadinhos.

Num dos arraiais dos subúrbios, que se manteve com certa autonomia (embora decrescendo de fulgor nos últimos anos, voltou, impante, com as suas luzes do Passeio Alegre a quebrarem a cerração fozeira), no S. João da Foz, uma canção de raparigas dizia:

Ó meu S. João Baptista,
quem vos deu as calças largas?
— Foram as sanjoaneiras
co dinheiro das pescadas.

O cancioneiro sanjoanino está vivo. Nas cascatas de 1987 poetou-se farta e tripeirissimamente. Assim, as cascatas do Largo da Bouça ostentavam quadras como estas:

Meu querido S. João,
meu santo abençoado:
agradeço-te humildemente
este festivo feriado.

Atenção às marteladas,
ó raparigas solteiras;
nesta noite é tudo festa,
e depois vê-se as asneiras.

E na cascata da Rua de Álvaro Castelões, entre outros versos, lia-se:

S. Joãozinho, meu santo,
és um amigo a valer,
faço a cascata em teu nome,
fi-la este ano, anda cá ver.

E na cascata do Carvalhido:

São João, meu amor,
dá-me um disco voador.
São João, meu amigo,
anda passear comigo.

São João, meu amigo,
dá-me um balão,
pra ir ter contigo
e te dar um beijão.

E fechamos a amostra do cancioneiro dedicado ao santo-mais-popular, com esta quadra simpática e expressiva do afecto que o envolve:

S. João adormeceu,
de cansado, no caminho,
e ficou fazendo guarda,
a seus pés, o cordeirinho.


Hélder Pacheco, Tradições Populares do Porto, Edição revista e atualizada, Editorial Presença, Lisboa, 1991


O meu barbeiro é poeta popular e todos os anos participa nos concursos de quadras de S. João, que são organizados pelo Jornal de Notícias. Até agora ainda não ganhou qualquer prémio, mas não desiste. O seu entusiasmo não esmorece nem um bocadinho. Todos os anos envia as suas quadras para o jornal, cheio de esperança renovada. «Será que vai ser desta vez que vou ganhar algum prémio?», perguntou-me ele com um brilho nos olhos. «No ano passado já tive uma menção honrosa!»

Eu não sei se este ano ele ganhou alguma coisa, mas desconfio que ainda não foi desta. É que, no concurso de quadras de S. João do Jornal de Notícias, aparecem quadras de elevado nível literário. Não têm semelhança com algumas das quadras de pé quebrado aqui citadas por Hélder Pacheco.

As quadras vencedoras do 86º Concurso de Quadras de S. João do Jornal de Notícias, referente a este ano de 2014 e distiguidas por um júri constituído por Germano Silva, Isabel Pereira Leite e Maria Luísa Malato, foram as seguintes:


1º PRÉMIO

Do barro fomos tirados
e somos, desde essa data,
bonecos articulados
em monumental cascata.

Tlim


2º PRÉMIO

A saudade é o que resta
de uma fogueira apagada.
É como vir de uma festa
trazendo o cheiro e mais nada.

Saudosa


3º PRÉMIO

S. João já foi a votos
e ganhou com maioria.
O lema dos seus devotos
é reinar até ser dia.

Craveiro


4º PRÉMIO

Como um balão bem aceso
não quero baraço ou grade.
Quem viveu num fogo-preso
quer morrer em liberdade!

Liberal


5º PRÉMIO

O São João é do Porto,
deste Porto hospitaleiro,
uma fonte de conforto
onde bebe o mundo inteiro.

Rodela


6º PRÉMIO

Desde a minha tenra idade
bebi em fontes sem fim;
hoje resta-me a saudade
da sede que havia em mim.

Augusto Fernando


7º PRÉMIO

Sinto que ao pôr na cascata
o meu olhar de menino,
mesmo de fato e gravata,
serei sempre pequenino.

Olhar


8º PRÉMIO

Não busques trevos da sorte
em jardins que desconheces
porque um viver sem ter norte
dá-te a sorte que mereces.

Leocádia


9º PRÉMIO

O mais lindo par de dança
pode bem ser, São João,
a mãe que embala a criança
bem juntinho ao coração.

Joana Margarida


10º PRÉMIO

Tantos há que vão correndo
a mostrar o que não são;
lembram os balões ardendo
que em cinzas caem no chão...

Chão


11º PRÉMIO

Eu não sei porque me pedes
que d'outros amores te conte...
Não fala de outras sedes
ao dar de beber a fonte!...

Gui-gui


12º PRÉMIO

Na noite de São João
ninguém consegue ser pobre!
Porque mesmo sem tostão
baila sempre como o nobre...

Arisca


Estas quadras e as vencedoras de todos os concursos anteriores, desde o ano 1929, podem ser lidas aqui: http://fotos.afasoft.net/porto/saojoao.htm.

17 junho 2014

La Portugaise


La Portugaise, de Antoine Forqueray, numa transcrição para cravo de Jean-Baptiste-Antoine Forqueray, por Jean Rondeau em cravo

La Portugaise é o nome de uma peça musical do compositor barroco francês Antoine Forqueray (1671/2-1745).

A peça La Portugaise é uma sarabanda rápida e é habitualmente interpretada em cravo, como acima se pode ouvir. Esta versão para cravo foi transcrita para este instrumento pelo filho do autor da obra, Jean-Baptiste-Antoine Forqueray (1699-1782).

A versão original da peça é para viola da gamba e não para cravo. Com efeito, La Portugaise é o quinto dos seis andamentos que constituem a Suite nº 1, em ré menor, para viola da gamba e baixo contínuo, de Antoine Forqueray. A versão original de La Portugaise, que é mais raramente interpretada do que a sua transcrição para cravo, pode ser ouvida na gravação seguinte.



La Portugaise, de Antoine Forqueray, por Nima Ben David, em viola da gamba, Jonathan Rubin, Sophie Bauchet e Hélène Clerc-Murgier

15 junho 2014

Tradição e modernidade — 3

Siratan Pataxó, um índio pataxó da aldeia Jaqueira, Porto Seguro, Baía, Brasil (Foto: Renato Soares)

10 junho 2014

Verdes são os campos

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
Luís de Camões (1524-1580)



05 junho 2014

As Fisgas de Ermelo


Fisgas, Ermelo, Mondim de Basto (Foto: Húsönd)

Embora se situe em Trás-os-Montes, o concelho de Mondim de Basto é tido como um concelho de transição entre o Minho e Trás-os-Montes. E é verdade. Há partes do concelho que são claramente minhotas e há partes que são claramente transmontanas. A designação Basto, que é acrescentada ao nome da vila sede do concelho, remete-nos imediatamente para as Terras de Basto, que são indiscutivelmente minhotas. Celorico de Basto, Cabeceiras de Basto, Arco de Baúlhe e outras localidades ficam no Minho. Das Terras de Basto, só Mondim fica em Trás-os-Montes. É verdade que fica em Trás-os-Montes, mas a vila apresenta características que são muito mais minhotas que transmontanas.

Para simplificar, podemos dizer o seguinte: as zonas baixas do concelho de Mondim de Basto, nomeadamente as que bordejam o Rio Tâmega e a própria sede do concelho, são mais minhotas que transmontanas; as zonas serranas, essas, são mais transmontanas que minhotas.

Esta diversidade de paisagens, e até de costumes e tradições, torna o concelho de Mondim de Basto extraordinariamente interessante. Ainda mais interessante ele nos aparece se nos lembrarmos que é nele que se encontram algumas das paisagens mais belas que em Portugal continental existem. Desde as verdejantes margens do Tâmega até aos píncaros do Monte Farinha e, sobretudo, até às Fisgas de Ermelo e ao Parque Natural do Alvão em geral, não faltam no concelho de Mondim de Basto motivos de deslumbramento.

As Fisgas de Ermelo são uma enorme fenda natural aberta no flanco da Serra do Alvão, por onde se despenham, em cascata, as águas límpidas e cristalinas do pequeno Rio Olo, afluente do Rio Tâmega. A beleza do lugar é de cortar a respiração. A grandiosidade das Fisgas é de provocar vertigens. Não posso deixar de citar Miguel Torga, ele mesmo um transmontano de antes quebrar que torcer, que escreveu:
Ermelo, Marão, 2 de Outubro de 1959 — Cá me vim debruçar também sobre o despenhadeiro das Fisgas, com os pés seguros pelos companheiros por causa das vertigens. E apreciei devidamente este misto de espanto e terror. A contemplação dos abismos naturais é necessária de vez em quando a quem tem a atracção dos outros. Toma-se consciência, com rigor físico, das asas que nos faltam para estar à altura da máxima de Nietzsche…
Miguel Torga, Diário VIII (1959)

Uma última palavra se impõe a quem visita as Fisgas de Ermelo: respeito. As Fisgas de Ermelo são uma oferta da Natureza que temos a obrigação de respeitar e preservar. As gerações que se seguirem à nossa têm tanto direito a disfrutá-las como nós próprios. Por isso, não conspurquemos o lugar. Deixemos os nossos carros de lado e andemos a pé ou de bicicleta pela região, sempre que nos for possível. Nesta época do ano, então, um passeio a pé pela serra é particularmente agradável. Além disso, é preciso não esquecer que no verão há bois e vacas (da escura raça maronesa) que andam mais ou menos à solta pela serra, e nenhum automobilista gostará de chocar contra várias centenas de quilos de carne, com quatro patas e um par de chifres, que lhe apareçam paradas no meio da estrada a seguir a uma curva.


A aldeia de Varzigueto, que fica a montante da cascata. O rio que se vê em primeiro plano é o Olo, antes de se despenhar no abismo. A estrada que passa por esta aldeia conduz a uma outra aldeia, chamada Barreiro, que foi talvez ao longo dos séculos a mais recôndita de todo o Alvão, mas que, agora, tem estrada, eletricidade, telecomunicações, rede de água, saneamento, transporte público, etc. Também já teve escola, que deve ter sido encerrada (Foto de autor desconhecido)


Paisagem vista de um ponto sobranceiro às Fisgas. O monte cónico que se vê ao fundo à direita é o Monte Farinha, também chamado Senhora da Graça, segundo o nome do santuário que está no seu cume. Esse monte é o terror dos ciclistas da Volta a Portugal… (Foto: fim)


Em primeiro plano, a fenda aberta na rocha das Fisgas de Ermelo. Ao fundo, a crista da Serra do Alvão (Foto: Fatinha Machado)


A aproximação às Fisgas de Ermelo causa vertigens (Foto: Luis Ferreira)


O Rio Olo inicia a sua descida ao abismo (Foto: Quinta do Fundo)


Tomar banho em algumas das piscinas naturais abertas na rocha pelo Rio Olo é uma experiência inesquecível (Foto: Um Par de Botas)


As Fisgas de Ermelo apresentam condições ideais para a prática de escalada, canyoning, etc. (Foto: Animado e Spagurja)


O Rio Olo a meio da sua descida das Fisgas (Foto: António Nunes)


O Rio Olo depois da descida (Foto: amadalena)

04 junho 2014

Esta é em tua memória, mãe


Missa pro Defunctis, de Filipe de Magalhães (Azeitão, c. 1571 - Lisboa, 1652), pelo Studium Chorale, de Maastricht, Holanda, dirigido por Eric Hermans

02 junho 2014

Elegia

A mãe beijou a pólvora
no sorriso morto do filho.
Despiu a capulana e cobriu-o.

E depois vestiu as lágrimas.

Nelson Saúte, escritor moçambicano

(Foto de autor desconhecido)

Capulana — pano com que as moçambicanas tradicionalmente cingem o corpo.

01 junho 2014

Pedro e o Lobo


Conto infantil por música Pedro e o Lobo, op. 67, de Sergei Prokofiev (1891-1953), pela Orquestra Sinfónica de Vancouver, dirigida por Bramwell Tovey. Narração feita em inglês pelo próprio maestro