D. Miguel I, c. 1828, óleo sobre tela de João Batista Ribeiro (1790–1868). Museu Nacional Soares dos Reis, Porto
(Clicar na imagem para ampliá-la)
D. Pedro IV, 1833, óleo de João Batista Ribeiro (1790–1868). Biblioteca Pública Municipal do Porto (presentemente encerrada para obras)
(Clicar na imagem para ampliá-la)
João Batista Ribeiro foi um pintor, desenhador, gravador e até fotógrafo (foi um dos pioneiros do daguerreótipo em Portugal), nascido em São João de Arroios, no concelho de Vila Real, em 1790 e falecido na cidade do Porto em 1868. Dele, alguém disse que foi «miguelista por convivência e liberal por convicção». Só assim se compreende que tenha conseguido pintar retratos de D. Miguel e de D. Pedro IV, apesar da sangrenta guerra que opôs estes dois irmãos e que tanto dilacerou Portugal.
O cerco que as forças miguelistas puseram ao Porto, no momento em que D. Pedro IV se encontrava dentro da cidade juntamente com as suas tropas vindas da Ilha Terceira, durou treze terríveis meses, de julho de 1832 a agosto de 1833. Foram treze meses de combates ferozes, de mortos e de feridos em grande quantidade, de muita fome e de muitas doenças, que o povo do Porto suportou estoicamente em defesa da liberdade. O próprio rei D. Pedro IV, que se tinha instalado na mais rica residência da cidade (o Palácio dos Carrancas, onde agora está o Museu Soares dos Reis), teve que se mudar para uma casa mais modesta e mais abrigada na Rua de Cedofeita, porque o palácio era alvo de bombardeamentos feitos pela artilharia miguelista postada em Gaia.
Seria de esperar que as questões da Cultura ficassem esquecidas num tempo em que a própria sobrevivência física do rei e dos seus apoiantes estava em causa. Por incrível que pareça, não foi isso o que aconteceu. Além dos combates, da fome e das epidemias, o Cerco do Porto foi um acontecimento de enorme relevância para a cidade também do ponto de vista cultural, porque foi durante o cerco que nasceram duas das mais importantes instituições do Porto, por iniciativa de D. Pedro IV: o Museu de Pinturas e Estampas, que agora é o Museu Nacional Soares dos Reis, e a Real Biblioteca Pública do Porto, que agora se chama Biblioteca Pública Municipal do Porto, onde trabalhou Alexandre Herculano por nomeação do rei.
João Batista Ribeiro também desempenhou um papel de grande relevo na dinamização cultural da cidade durante o Cerco do Porto, tendo sido chamado várias vezes à presença de D. Pedro IV, para aconselhá-lo sobre as medidas a tomar no campo da Cultura. Criou e organizou academias e associações, e recolheu e catalogou o espólio dos conventos e residências da cidade que foram deixados ao abandono pelos seus antigos ocupantes, que se puseram em fuga por serem miguelistas. Também cabe, por isso, dar o devido destaque à actividade desenvolvida por João Batista Ribeiro durante o Cerco do Porto, porque foi realizada em condições extremamente difíceis.
Uma menina africana parece não se importar que a sua boneca tenha uma cor diferente da sua própria cor. As pessoas não nascem com preconceitos (Foto de autor desconhecido)
Sinfonia N.º 5 em Dó Menor, op. 67, de Ludwig van Beethoven (1770–1827), pela West-Eastern Divan Orchestra, dirigida pelo maestro Daniel Barenboim
A orquestra que tem o curioso nome de West-Eastern Divan Orchestra foi fundada em 1999 pelo palestiniano Edward Said e pelo judeu Daniel Barenboim, com vista a integrar, numa mesma orquestra, músicos judeus e músicos árabes, oriundos de Israel, Palestina, Líbano, Síria, Egito e outros países do Médio Oriente, incluindo o Irão, que não é árabe.
A intenção que presidiu à criação desta orquestra consistiu em lançar uma ponte entre irmãos profundamente desavindos, provando que a sua convivência é possível e até desejável. Como a orquestra está sediada em Sevilha, a convite do Governo Regional da Andaluzia, também integra três ou quatro músicos espanhóis. Após a morte do fundador Edward Said, em 2003, o maestro e pianista Daniel Barenboim decidiu continuar o projeto, que se mantém ativo neste ano de 2024.
A designação West–Eastern Divan Orchestra vem do nome de um conjunto de poemas líricos do alemão Johann Wolfgang von Goethe, que se chama West‑östlicher Divan no original e que foi inspirado na obra do poeta persa Hafez, que viveu no séc. XIV. A multiplicidade de referências culturais que o nome da orquestra deste modo evoca é uma expressão dos propósitos de diálogo e de entendimento entre diferentes povos e diversas culturas que presidiram à sua criação.
Em Portugal, esta sinfonia raramente é chamada pelo seu nome. Chamam-lhe a Quinta Sinfonia e está tudo dito. Não é sequer preciso dizer que ela é de Beethoven. Mas o nome que alguém deu a esta sinfonia, que não foi Beethoven, é Sinfonia do Destino. Diz-se que a sinfonia começa com as pancadas dadas pelo destino batendo à porta, mas as pancadas tanto podem ser do destino como de outra coisa qualquer, conforme a imaginação de cada pessoa. Durante a 2.ª Guerra Mundial, estas pancadas passaram a ter um outro significado: elas correspondem à letra V em código Morse. V de Vitória.
Cum Sero Esset, de João Rodrigues Esteves, compositor português do séc. XVIII, pelo Grupo Vocal Ançã-ble, da vila de Ançã, no concelho de Cantanhede, dirigido por Pedro de Miranda, e acompanhamento em órgão de Isaías Hipólito
“
Na tarde desse mesmo dia, o primeiro da semana, os discípulos encontravam-se juntos e tinham as portas fechadas com medo das autoridades judaicas. Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!»
A liberdade bate à minha porta,
tão carente de mim, pedindo abrigo.
Quero ampará-la e penso que consigo
detê-la, mas seria tê-la morta.
Livre para pairar num céu sem peias,
na solidão de um voo sem destino,
por que perder, nos olhos de águia, o tino,
vindo a quem se agrilhoa sem cadeias?
Deusa das asas! Seu vagar escapa
a meus sentidos, seu desejo alcança
tudo que a mim se esconde atrás da capa.
Vá embora daqui! Siga seu rumo!
Sou prisioneiro, um órfão da esperança
e arrasto um voo cego em chão sem prumo.
Tempos Modernos, um filme de Charlie Chaplin (1889–1977), com Charlie Chaplin e Paulette Goddard nos principais papéis. É possível descarregá-lo, por exemplo, a partir do endereço https://archive.org/details/modern-times-1936_chaplin
Música e dança numa parte de uma pintura mural que se encontrava no túmulo de um escriba e funcionário egípcio, chamado Nebamun, que viveu em Tebas por volta do ano 1350 A.C. Este fragmento foi tirado do túmulo e levado para Londres, onde se encontra no British Museum (Foto: Ashley Van Haeften)
Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.
Nuno Júdice (1949–2024)
Nu couché, óleo sobre tela de Amedeo Modigliani (1884–1920). Coleção privada
As leis da Física em ação. Qualquer patinadora no gelo sabe que, para poder rodopiar mais depressa, tem que encolher os braços e juntar as pernas
Alguns órgãos de comunicação social deram a notícia de que o aquecimento global está a alterar a velocidade de rotação da Terra. Esta alteração será mínima, mas é detetável graças aos relógios atómicos, que são relógios tão rigorosos que só se atrasam ou adiantam um segundo em milhões de anos!
Os relógios atómicos (assim chamados porque são baseados em transições do estado de excitação de átomos de césio) fazem parte das nossas vidas mais do que possamos imaginar. São eles, por exemplo, que regulam o funcionamento das redes de telecomunicações e dos sistemas de geolocalização, como o GPS e outros. Sempre que vemos as horas no nosso telemóvel ou no nosso computador, são as horas vindas de um relógio atómico que vemos, as quais chegam até nós através da rede. Se a comunicação com a rede falhar, a contagem do tempo não se perde, porque os relógios de quartzo contidos nos próprios dispositivos ficam a funcionar autonomamente, até que uma nova sincronização volte a ser possível.
Cada operador de telecomunicações possui um ou mais relógios atómicos, que regulam o funcionamento das suas redes e que se encontram por sua vez sincronizados com o do Observatório Astronómico de Lisboa, no caso de Portugal, que é o responsável pela definição da hora legal no país. Já não precisamos, sequer, de adiantar ou atrasar os relógios dos nossos dispositivos sempre que há mudança da hora de inverno para a hora de verão ou vice-versa, porque o acerto é feito automaticamente através da rede.
Um dia na Terra tem 24 horas, que é o tempo que o planeta demora a dar uma volta completa sobre si mesmo; cada hora tem 60 minutos e cada minuto tem 60 segundos. Fazendo as contas, concluímos que um dia tem a duração de 86 400 segundos. Os relógios atómicos são tão rigorosos, que permitem descobrir o aparecimento de uma qualquer variação relativamente a este valor, por mais pequena que seja.
Com efeito, o movimento de rotação da Terra não é rigorosamente uniforme, porque sofre pequeníssimas variações. Estas variações têm diversas causas, algumas das quais podem não ser, sequer, do conhecimento da Ciência, porque podem corresponder, por exemplo, a movimentos ainda não conhecidos das massas ígneas no interior do planeta. As variações de densidade e de distribuição destas massas ao longo do tempo, nomeadamente, podem interferir no movimento de rotação da Terra e, portanto, na duração dos próprios dias. Não é nada de significativo para o quotidiano das nossas vidas; trata-se de variações de mais ou menos 1 ou 2 milésimos de segundo em cada 24 horas. Estas pequenas variações anulam-se umas às outras, se forem da mesma grandeza mas de sinais opostos. Mas se forem do mesmo sinal, elas somam-se e produzem uma variação total maior, que pode continuar a crescer ao longo do tempo.
Chega um momento em que o tempo que a Terra demora a dar uma volta completa em torno do seu eixo já não coincide com o tempo medido pelos relógios atómicos, que é sempre de 86 400 × 24 = 2 073 600 segundos por dia. Esta discrepância, por muito impercetível que nos pareça, pode começar a causar problemas, por exemplo, no encaminhamento dos "pacotes" de informação que circulam na internet e que precisam de chegar ao seu destino pela mesma ordem em que foram enviados, independentemente do caminho que eles tiverem tomado, que não é obrigatoriamente sempre o mesmo, porque depende da ocupação da rede a cada momento.
Antes que surjam quaisquer problemas no funcionamento das redes, torna-se necessário fazer um ajuste, para que o dia medido pelos relógios atómicos volte a ter exatamente a mesma duração do dia real, determinado pelo movimento de rotação da Terra. Este ajuste costuma fazer-se quando a diferença entre o dia medido e o dia real é de 1 segundo, e faz-se por ocasião da passagem de um ano para o ano seguinte. Adiciona-se 1 segundo ao último minuto do ano velho, que assim fica com 61 segundos em vez de 60, e só depois é que começa o ano novo. Nós não nos apercebemos deste ajuste, mas ele é feito e é importante. O último ano que teve 1 segundo a mais foi 2016.
Um dos principais fatores que causam variações no movimento de rotação do nosso planeta é a atração gravítica entre a Terra e a Lua e também entre a Terra e o Sol. Esta atração gravítica é a principal responsável pela existência das marés, por exemplo, mas também tem outra influência: ela provoca um atrito que tende a fazer diminuir cada vez mais a velocidade de rotação da Terra. Em consequência deste atrito, ao fim de um ano medido pelos relógios atómicos, a Terra ainda não concluiu uma volta rigorosamente completa em torno do seu eixo. É preciso que passem mais alguns milissegundos até que a volta completa se dê. Ao fim de vários anos, e quando a soma de vários atrasos chegar a ser de 1 segundo, é preciso acrescentar mais este segundo ao ano velho.
Assim sucederia ao longo dos anos e dos séculos, se entretanto não interviesse um fator que escapa ao conhecimento dos cientistas: o movimento de rotação da Terra tem vindo a acelerar nos últimos anos e não se sabe porquê! Suspeita-se que a causa esteja nos referidos movimentos das massas ígneas no interior do planeta, mas ninguém tem a certeza de nada. Esta aceleração foi tal, que os cientistas até já começaram a pensar em retirar 1 segundo ao fim de vários anos, em vez de acrescentar, como sempre tinham feito.
Esta história não acaba aqui. Desde cerca de 2020, o movimento de rotação da Terra parece ter abrandado outra vez! Afinal, parece que já não vai ser preciso acrescentar ou retirar segundos, pelo menos até ao ano 2029. Mas então em que é que ficamos?
Segundo o que o cientista norte-americano Duncan Agnew escreveu na revista Nature, este novo abrandamento do movimento de rotação da Terra deve-se ao degelo das calotes polares, resultante do aquecimento do planeta. A água que estava concentrada sob a forma de gelo na Antártida e na Groenlândia, sobretudo, está a derreter e a espalhar-se pelos oceanos sob a forma líquida. Portanto, a massa de água que estava concentrada junto ao eixo (imaginário) de rotação da Terra está a afastar-se deste eixo e a fazer baixar a velocidade de rotação do planeta, como faz uma patinadora, que abranda o seu rodopio quando abre os braços ou afasta uma perna.