Oceanos, de Cândido Lima
Oceanos, uma composição de música eletrónica, datada de 1978–1979, da autoria de Cândido Lima, um dos mais destacados compositores contemporâneos portugueses
Ia uma vez um soldado para casa com a baixa; quando ia a passar por uma ponte encontrou um pobre de pedir, que não tinha dinheiro para pagar a passagem e estava ali parado. Ora o soldado nunca tinha feito bem a ninguém; mas naquele instante teve pena do velhinho e carregou com ele às costas e passou a ponte. O soldado não pagou nada, porque os soldados não pagam, e o velho também não pagou nada porque ia às costas do soldado. Logo que chegou ao outro lado, pôs o velho no chão, e ia despedir-se dele, quando o pobre lhe disse:
— Camarada, peça alguma cousa, que o que eu quero é agradecer-lhe.
— Ora o que lhe hei de eu pedir?
— Peça tudo o que quiser.
O soldado pediu: Que todas as vezes que disser «Salta aqui à minha mochilinha!» nenhuma cousa deixe de obedecer à minha ordem. E que onde quer que me eu assente ninguém me possa mandar levantar.
O velho disse-lhe que estava concedido. Foi-se o soldado muito contente para casa e nunca mais trabalhou, e viveu bem, sem lhe faltar nada. Se queria pão, carne, vinho, dinheiro, dizia: «Salta aqui à minha mochilinha», e tinha logo tudo o que lhe era preciso. Veio o tempo e o soldado estava para morrer; os diabos vieram logo para lhe levarem a alma, mas o soldado viu-os e gritou: «Saltem aqui já à minha mochilinha!» Os diabos não tiveram remédio senão obedecer; ele assim que os apanhou dentro da mochila mandou-a a casa do ferreiro para que lhe malhasse em cima até os deixar em estilhas. Por fim o soldado morreu, e como tinha passado sempre na má vida, foi parar ao inferno. Os diabos assim que o lá viram começaram a gritar:
Fecha portas e postigos,
Senão seremos aqui todos batidos.
E aferrolharam as portas, e o soldado não pôde entrar para lá; foi então bater às portas do céu. São Pedro assim que o viu, disse-lhe:
— Vens enganado! Não entras cá. Não te lembras da má vida que levaste?
Responde-lhe o soldado:
— Oh, senhor São Pedro! no inferno não me quiseram. Eu agora para onde hei de ir?
— Arranja-te lá como puderes.
O soldado viu meia porta do céu aberta, e pega no barrete e atira-o lá para dentro, e disse:
— Oh senhor São Pedro, deixe-me ir apanhar o meu barrete.
São Pedro deixou; mas o soldado assim que se viu dentro do portal, sentou-se logo na cadeira dele. São Pedro quis mandá-lo sair mas não pôde e foi dali à pressa queixar-se a Nosso Senhor, que lhe disse:
— Deixa-o entrar, Pedro, não tens outro remédio, porque assim lhe estava prometido.
E o soldado sempre ficou no céu.