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O Catitinha, tal como o conheci |
Para mim, aquele senhor de barbas brancas que na minha infância aparecia na praia de Espinho, a chamar as crianças para junto de si com um apito, era o próprio Pai Natal, sem tirar nem pôr. Como estávamos no verão, seria um disparate alguém chamar-lhe Pai Natal, achava eu. Por isso lhe puseram outro nome: Catitinha. Eu estava completamente convencido disto. Então não se estava mesmo a ver que ele era o Pai Natal? As barbas brancas eram as mesmas e o gosto pelas crianças também. Era certo que o Catitinha não distribuía prendas, como o Pai Natal, mas só não o fazia porque não podia. Como conseguiria ele arrastar um pesado saco cheio de prendas pelo areal?
Era verdade que o Catitinha não distribuía prendas, mas distribuía apertos de mão pelas crianças. Como eu ficava vaidoso em ser cumprimentado com um aperto de mão por ele. Eu era cumprimentado como se já fosse um homem!
Embora só aparecesse uma vez por ano, o Catitinha era uma das figuras típicas da praia de Espinho, juntamente com as vendedoras de "línguas da sogra" e o Zé Batateiro, que era um vendedor de batatas fritas muito pitoresco também (ele anunciava-se como sendo o «Zé Batateiiiiiiiiiiiiiro»).
Sempre vestido com um fato completo, com laço, colete e tudo, por muito calor que fizesse, e com umas grandes e respeitáveis barbas brancas, o Catitinha possuía uma figura que só não era imponente, porque os seus olhos irradiavam bondade e não altivez, de tal modo que toda a criançada corria para junto dele, sem qualquer receio, assim que aparecia.
Mas quem era, afinal, o Catitinha? De seu nome próprio António Joaquim Ferreira, o Catitinha nasceu na freguesia de S. Tiago, no concelho de Torres Novas, em 23 de outubro de 1880, e faleceu em Avanca, no concelho de Estarreja, onde está sepultado, em 9 de abril de 1969. Dizia-se que ele tinha enlouquecido em consequência da morte de uma sua filha, por atropelamento, e que, a partir desse trágico acontecimento, ele passou a percorrer as praias todas, desde Moledo do Minho até Cascais, pelo menos, para se ver rodeado de crianças, muitas crianças, todas as crianças. E as crianças sentiam-se atraídas por ele. E ele sentia-se feliz, como se fosse uma criança grande e barbuda no meio das outras crianças.
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O Catitinha ainda novo, semideitado na areia e rodeado de crianças e alguns adultos, na Praia das Maçãs, Sintra, no ano de 1937 (Foto: Margarida Pelágio) |
O Catitinha ainda sem barbas em 1954, na praia da Nazaré (Foto gentilmente cedida por Pedro Freire Lopes, que é a criança que se vê ao colo dele)
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