Música clássica no musseque
No ano 2008, teve início no município da Samba, em Luanda, Angola, um projeto destinado a dar uma educação musical às crianças pobres do município. Este projeto materializou-se numa escola, chamada Escola de Música Kaposoka, da qual emana uma orquestra constituída por alunos da escola, a Orquestra Infantil Kaposoka. O projeto teve tanto êxito que em 2010 a escola já era frequentada por mais de 600 crianças! O resultado do notável trabalho produzido nesta escola pode ser avaliado no vídeo que se segue, em que se pode ver e ouvir a Orquestra Infantil Kaposoka.
A Igreja Kimbanguista -- assim denominada por ter sido fundada por um pastor congolês chamado Simon Kimbangu -- é uma das mais antigas igrejas cristãs messiânicas africanas e é, certamente, a que tem maior número de fiéis. Está presente em vários países, entre os quais Portugal.
Em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, a Igreja Kimbanguista esteve na origem do aparecimento de uma orquestra sinfónica, a Orquestra Sinfónica de Kinshasa. Os músicos da orquestra são todos amadores, sem qualquer exceção, e pertencem aos mais variados estratos sociais, desempenhando as mais diversas profissões, mesmo as mais duras e humildes.
É evidente que não se pode comparar a amadora (no mais nobre sentido da palavra) Orquestra Sinfónica de Kinshasa com as orquestras sinfónicas profissionais do resto do mundo, tão grandes são as diferenças entre uma e outras. Mas permito-me realçar o extraordinário valor destes músicos congoleses que, em condições tão difíceis e com tanto sacrifício para as suas vidas pessoais, conseguem realizar o verdadeiro milagre que é esta Orquestra Sinfónica de Kinshasa e o seu coro. O vídeo que se segue é por demais elucidativo do que acabo de escrever, apesar de estar falado em francês e legendado em inglês.
Passagens do filme Kinshasa Symphony, sobre a Orquestra Sinfónica de Kinshasa e o seu respetivo coro
Como é possível que pessoas que têm umas vidas tão duras e tão sofridas, que são obrigadas a lutar todos os dias pela sua própria sobrevivência e pela dos seus filhos numa cidade caótica como Kinshasa, que tem 9 milhões de habitantes, conseguem arranjar ainda forças para produzir tamanha beleza? Isto é um milagre, e só em África é que este milagre é possível. A música que esta orquestra toca e que este coro canta pode ser europeia, mas a orquestra e o coro são eles mesmos 100% africanos na força da alma que transmitem.
No vídeo que se segue, que mostra alguns aspetos de um ensaio da orquestra e do coro, pode ver-se bem o cansaço e até o desânimo em muitos rostos, tal como é salientado por um dos seus elementos. No entanto, o resultado do esforço sobre-humano produzido por estes homens e por estas mulheres é verdadeiramente sublime.
Um ensaio da Orquestra Sinfónica de Kinshasa e do seu coro, em mais uma passagem do filme Kinshasa Symphony
Como se vê, as pessoas africanas não são as coitadinhas que os media europeus e americanos tanto gostam de retratar, talvez para calar a má consciência dos antigos colonizadores. São seres humanos que não precisam da nossa compaixão nem do nosso paternalismo. Merecem, isso sim, o nosso profundo respeito.