Na economia doméstica antiga, nada se perdia, tudo se criava… No aproveitar, ia o ganho — como se dizia. De velhos trapos, reduzidos a tiras, mandavam-se tecer, em arcaicos teares manuais, as mantas de farrapos. Serviam para a cama, para o berço de um filho e até para deitar pelos ombros. Eram um remedeio de pobres como agasalho. Mas, não eram feias de todo. Feio é o diabo… Da variedade de tiras, unidas umas às outras com linha branca, muito apertada, saía uma obra humilde, mas harmoniosa.
Deram tento de semelhante harmonia os amadores da arte popular. Tanto, que fizeram da manta de farrapos objecto de luxo. Deram-lhe brasão, elevando-a à categoria de tapete. Põem nela os olhos quando a penduram como gobelinos.
Em boa hora os amadores da arte popular descobriram a manta de farrapos. Foi a maneira de prolongarem a vida aos agonizantes teares manuais, a manta de farrapos ainda se usa, e usará enquanto houver amadores da arte popular.
João de Araújo Correia (1899-1985), in Manta de Farrapos, 1962
Primeira senha para o desencadeamento da Revolução, lida por João Paulo Dinis aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa, às 22h 55m do dia 24 de abril de 1974: «Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74, E Depois do Adeus»
Segunda senha para o desencadeamento da Revolução, lida por Leite de Vasconcelos aos microfones do Rádio Clube Português, às 00h 20m do dia 25 de abril de 1974: «Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade»
Primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, lido por Joaquim Furtado aos microfones do Rádio Clube Português, às 04h 20m do dia 25 de abril de 1974
Proclamação do Movimento das Forças Armadas, lida às 14h 30m do dia 25 de abril de 1974
Implantada a Revolução dos Cravos, uma canção surgiu a celebrar a liberdade, poucos meses depois. Foi a canção Somos Livres, na voz de Ermelinda Duarte
As crianças tristes passam alegres no autocarro, cantando em altos berros e intrometendo-se com quem passa. Vão todas ao Posto vacinar-se de graça. A vacina é triste, as crianças são tristes, mas passam todas, alegremente, no autocarro. Os soldados tristes passam alegres no autocarro, entoando as canções que cantavam nas romarias da sua terra. Vão para o cais do embarque tomar o paquete que os levará para a [guerra. A guerra é triste, os soldados são tristes, mas passam todos, alegremente, no autocarro. Os operários tristes passam alegremente no autocarro, cantando e gesticulando com a garrafa de vinho na mão. Vão todos para a fábrica vigiar as máquinas e carregar num botão. A fábrica é triste, os operários são tristes, mas passam todos, alegremente, no autocarro. Os camponeses tristes passam alegres no autocarro, cantando e dando vivas ao longo do percurso. Vão todos à cidade, de fato novo, aplaudir o discurso. O discurso é triste, os camponeses são tristes, mas passam todos, alegremente, no autocarro. Alegremente, no autocarro.
António Gedeão, 1965
Um autocarro passando no tabuleiro inferior da Ponte Luis I, entre o Porto e Vila Nova de Gaia (Foto: JHM0284)
Trailer do documentário Médicos da Floresta, realizado por Jun Sakuma
Médicos da Floresta é um filme documentário sobre a ação de equipas médicas voluntárias, compostas por médicos, enfermeiros, dentistas e pessoal auxiliar, que são enviadas por uma organização não-governamental brasileira chamada Expedicionários da Saúde, de São Paulo, até junto de aldeias índias do Brasil, a fim de prestar assistência médica às respetivas populações.
Com o antecipado consentimento da liderança das aldeias e após um trabalho prévio de triagem e preparação, os Expedicionários da Saúde realizam, durante vários dias, consultas no âmbito da clínica geral, ginecologia, odontologia e outras especialidades médicas, assim como realizam operações cirúrgicas a hérnias e cataratas.
Uma reportagem jornalística sobre a ação dos Expedicionários da Saúde junto das populações indígenas brasileiras pode ser lida aqui.
A AvóDezanove sorriu e esperou. A Isaura olhou para ela esperando uma resposta que nunca veio.
– Também queria agradecer o camarada motorista "9", quer dizer, "10", por ter aceitado assim mudar de nome na conta da morte do sapo. E pronto, também isto não é nenhum jogo de futebol – a Isaura sorriu – não precisa demorar 90 minutos. Obrigada a todos.
Escapámos quase bater palmas, mas não se podia. Cada um foi para a sua casa. Ficaram os miúdos. Os miúdos são sempre os últimos a querer ir embora.
– Isaura, se tu quiseres – falou o JorgeTemCalma – um primo meu, de Benguela, mora perto de um rio. Lá tem bué de sapos e são bem grandes. Posso pedir ao meu pai para trazer um de lá. Só não sei se sapo de rio sabe viver aqui na nossa cidade de Luanda...
– Jorge, tem calma e não fales à toa.
– Não fales tu à toa – a Isaura disse. – Obrigado, Jorge, mas acho que não. Aqui em Luanda estão a atropelar muito, é melhor cada sapo ficar na sua província.
O JorgeTemCalma disse que tinha que ir embora porque senão iam lhe ralhar. Olhei de novo para os capins da lagoa: os pirilampos tinham começado a piscar de novo.
– Adoro pirilampos – a Isaura falou.
– Adoro estrelas quando o céu tá todo escuro – eu falei.
– É a mesma coisa.
– Isaura – comecei.
– Diz.
– Desculpa só meter o assunto assim de repente em cima do enterro...
– Podes falar.
– Queria te perguntar se não queres me ajudar a ganhar a tal bicicleta do concurso. Se nós ganhássemos a bicicleta até podia ficar dos dois.
A Isaura sentou no chão.
– Esse concurso da Rádio Nacional?
– Sim, esse mesmo. Inventamos uma estória juntos e ganhamos a bicicleta. Fica dos dois.
– Isso não ia dar problemas?
– Não. A bicicleta fica contigo segunda, quarta e sexta. Depois trocamos, terça, quinta e sábado fica comigo.
– E domingo?
– Domingo fica também comigo.
– Porquê?
– Porque eu sou rapaz.
– E então?
– Nós gostamos mais de bicicletas que vocês.
– Não é verdade, desculpa lá. Eu também gosto de bicicletas.
– Então domingo emprestamos a bicicleta ao tio Rui.
– Boa ideia, ele também gosta de andar de bicicleta.
Sentei-me também no chão ao pé dela. Os pirilampos acendiam e piscavam muito.
– Estes pirilampos aumentaram a potência ou quê?
A Isaura riu.
– Não, acho que tá a ficar mais escuro. Temos de ir para casa.
– Então e a estória?
– Eu não tenho nenhuma boa ideia.
– Mas eu tenho.
– Para a estória? Então podes escrever e ganhar.
– Não, eu tenho uma ideia para conseguirmos uma boa estória.
– Não entendi.
– A caixa do tio Rui – falei baixinho.
– Shiuuu!, já te disse que isso é um segredo, não podes falar a ninguém nisso. Tu tinhas prometido.
– Só estou a falar contigo!
– Nem comigo. Um segredo é uma coisa de pensar, não se diz.
A Isaura levantou-se e foi a correr para a casa dela.
Ondjaki, escritor angolano, in A bicicleta que tinha bigodes, Editorial Caminho, Lisboa
Cantata da paz, de Sophia de Mello Breyner Andresen (poema) e Francisco Fernandes (música), por Francisco Fanhais
Este hino, que foi gravado em 1970 pelo então padre Francisco Fanhais, foi uma das canções de intervenção que mais se cantaram em Portugal a partir desse ano e até 1974, ano da implantação da democracia.
Na origem desta canção esteve uma vigília contra a guerra colonial que teve lugar na igreja de S. Domingos, em Lisboa, na passagem de ano de 1968 para 1969, feita por um grupo de católicos. Entre estes, encontravam-se Sophia de Mello Breyner Andresen, que escreveu o poema propositadamente para a vigília, e Francisco Fanhais, que o cantou pela primeira vez.
Aparecimento de Cristo Ressuscitado à Virgem, óleo sobre madeira de Jorge Afonso (1470-1540), pintor régio de D. Manuel I. Este quadro fazia parte do retábulo do antigo Convento da Madre de Deus em Xabregas, Lisboa, e encontra-se atualmente no Museu Nacional de Arte Antiga, também em Lisboa
Cristo de São João da Cruz, óleo sobre tela pintado em 1951 por Salvador Dalí (1904-1989), Museu e Galeria de Arte de Kelvingrove, Glasgow, Escócia
Asperges Me, de Manuel Mendes (Lisboa, c. 1547 – Évora, 1605), pelo Officium Vocal Ensemble, de Lisboa, dirigido por Pedro Teixeira
Panis Angelicus, de João Lourenço Rebelo (Caminha, 1610 – Apelação (Loures), 1665), pela Capella Duriensis, do Porto, dirigida por Jonathan Ayerst
Pater Peccavi, um dos dois únicos motetos que se conhecem de Duarte Lobo (Alcáçovas ou Lisboa, c. 1565 – Lisboa, 1646), pelo Coro do Queen's College, de Oxford, Inglaterra, sob a direção de Owen Rees
Audivi Vocem de Cælo, o outro dos dois únicos motetos que se conhecem de Duarte Lobo (Alcáçovas ou Lisboa, c. 1565 – Lisboa, 1646), pelo Coro do Queen's College, de Oxford, Inglaterra, sob a direção de Owen Rees
Vinea Mea, de Frei Manuel Cardoso (Fronteira, c. 1566 – Lisboa, 1650), pelo Coro de Câmara de São João da Madeira, dirigido por Joana Castro