Na folha branca de papel faço o meu risco,
Retas e curvas entrelaçadas,
E prossigo atento e tudo arrisco
Na procura das formas desejadas.
São templos e palácios soltos pelo ar,
Pássaros alados, o que você quiser.
Mas se os olhar um pouco devagar,
Encontrará, em todos, os encantos da mulher.
Deixo de lado o sonho que sonhava.
A miséria do mundo me revolta.
Quero pouco, muito pouco, quase nada.
A arquitetura que faço não importa.
O que eu quero é a pobreza superada,
A vida mais feliz, a pátria mais amada.
Óscar Niemeyer (1907–2012), arquiteto brasileiro
Interior da catedral de Brasília, de Óscar Niemeyer (1907–2012) (Foto: flickr el_floz)
Cantata do Café, BWV 211, de Johann Sebastian Bach (1685–1750), por Lothar Odinus (Tenor) como Narrador, Klaus Mertens (Baixo) como Schlendrian, Anne Grimm (Soprano) como Liesgen, e ainda a Orquestra e Coro Barrocos de Amesterdão. Direção de Ton Koopman, a partir do baixo contínuo. Há no vídeo legendas disponíveis em inglês
A cantata é um género musical cantado (como o nome indica) a uma ou mais vozes, e por vezes também com coro, constituído por vários andamentos e com acompanhamento instrumental, que foi muito apreciado no séc. XVIII. A cantata não é uma ópera, porque não tem enredo.
Um dos maiores criadores de cantatas foi, sem dúvida nenhuma, Johann Sebastian Bach, que compôs mais de trezentas. A maior parte das cantatas que Bach escreveu são de teor religioso, por imposição contratual durante a sua estadia em Leipzig, mas nem todas o são. Bach escreveu também algumas cantatas profanas, de que esta Cantata do Café é um exemplo.
Em vez de ter o caráter místico próprio das cantatas sacras, a Cantata do Café apresenta um caráter ligeiro, o que mostra que Bach não era um homem austero. Austero era o seu emprego na igreja de São Tomás, em Leipzig, que o obrigou a apresentar uma cantata sacra nova todos os domingos ao longo de cinco anos! Se juntarmos a isto a necessidade de ensinar as novas cantatas aos que iriam interpretá-las, os correspondentes ensaios e tudo o mais, concluiremos que Bach tinha uma vida extraordinariamente ocupada. O desgraçado não devia ter tempo nem para respirar... Ainda nós nos queixamos do stress da vida moderna!
A Cantata do Café reflete a generalização do consumo de café na Europa do séc. XVIII. A própria cantata deve ter sido estreada num estabelecimento dedicado à venda e consumo dessa aromática bebida na cidade de Leipzig, o Café Zimmermann, de que Bach era cliente.
O texto da Cantata do Café, da autoria de Picander, reflete o tom ligeiro da mesma. Além de um narrador, que conta o que se passa, esta cantata gira em torno de um diálogo entre um pai, Schlendrian, e a sua filha, Liesgen. O pai tenta em vão convencer a filha a renunciar ao café, mas esta responde que nada a levará a deixar de beber três chávenas por dia dessa bebida, que é mais doce do que mil beijos e mais suave do que vinho moscatel. Por mais promessas e ameaças que o pai lhe faça, a filha responde que não abdica do café. Por fim, o pai diz à sua filha que nunca lhe arranjará um marido enquanto ela não desistir de beber café. Então, a filha responde que um marido é tudo o que mais deseja no mundo e que por ele até será capaz de renunciar à sua bebida preferida. Enquanto o pai, satisfeito com a resposta, parte em procura de um noivo para a sua filha, esta faz secretamente saber que qualquer pretendente que aparecer em sua casa terá que lhe prometer que a deixará tomar café sempre que quiser.
Já foram atribuidos os Prémios Ig Nobel 2022, em antecipação aos Prémios Nobel, que só deverão ser conhecidos dentro de algumas semanas. Estes são os 32.os prémios Ig Nobel, atribuídos pela revista norte-americana "Annals of Improbable Research".
Ao contrário do que se possa julgar, os Prémios Ig Nobel não são uma espécie de Anti-Nobel e não se destinam a humilhar os galardoados. Nada disso. Estes prémios são acima de tudo uma brincadeira, que tem por objetivo distinguir os trabalhos científicos mais insólitos e mais divertidos, que «primeiro fazem rir e a seguir fazem pensar». De uma maneira geral, os galardoados entram no espírito da brincadeira, participam na atribuição dos prémios e aceitam-nos. Segue-se a lista dos Prémios Ig Nobel 2022.
PRÉMIO IG NOBEL DE CARDIOLOGIA APLICADA
Atribuído a uma equipa de investigadores liderada por Eliska Prochazkova, da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, que descobriu que, quando duas pessoas que não se conheciam antes se encontram pela primeira vez e se sentem atraídas uma pela outra, os seus corações passam a bater de modo sincronizado. Além disso, a condutância elétrica da sua pele aumenta. Será isto o tão falado amor à primeira vista?
PRÉMIO IG NOBEL DA LITERATURA
Atribuído a Eric Martínez, do Massachussets Institute of Technology, nos Estados Unidos, e a Francis Mollica e Edward Gibson, que concluíram que aquilo que torna os documentos legais difíceis de entender não é a sua linguagem jurídica, mas sim a forma deficiente como são escritos.
PRÉMIO IG NOBEL DA BIOLOGIA
Atribuído a Solimary García-Hernández e Glauco Machado, da Universidade de São Paulo, no Brasil. À semelhança dos lagartos, os escorpiões são capazes de soltar as suas caudas para escaparem a um predador. Juntamente com as caudas, porém, os escorpiões perdem também a parte final do seu aparelho digestivo, do que resulta uma obstipação e até por vezes a morte do bicharoco. Os investigadores que venceram este prémio descobriram que uma tal prisão de ventre, quando ocorrida em escorpiões machos, dificulta-lhes o acasalamento.
PRÉMIO IG NOBEL DA MEDICINA
Atribuído a uma equipa de cientistas polacos, que concluíram que os efeitos dolorosos provocados pela quimioterapia tóxica podem ser reduzidos usando gelados (sorvetes) em vez dos pedaços ou cubos de gelo habituais.
PRÉMIO IG NOBEL DE ENGENHARIA
Atribuído a Gen Matsuzaki e outros cientistas japoneses. Este galardão premeia um estudo sobre a forma mais eficiente de usar os dedos para fazer girar a maçaneta de uma porta.
PRÉMIO IG NOBEL DE HISTÓRIA DA ARTE
Atribuído a Peter de Smet e Nicholas Hellmuth, que se dedicaram a estudar as representações, em peças de cerâmica maia, da aplicação de clisteres rituais.
PRÉMIO IG NOBEL DA FÍSICA
Atribuído a duas equipas de investigadores, que explicam como é que os patinhos conseguem nadar em formação com toda a facilidade.
PRÉMIO IG NOBEL DA PAZ
Atribuído a uma numerosa equipa encabeçada por Junhui Wu, que desenvolveu um algoritmo que ajuda os mexeriqueiros (fofoqueiros) a saber quando podem mentir e quando devem contar a verdade.
PRÉMIO IG NOBEL DA ECONOMIA
Atribuído a uma equipa de investigadores italianos, cujo trabalho demonstra matematicamente que as pessoas com mais êxito na vida nem sempre são as mais talentosas, mas sim as mais sortudas.
PRÉMIO IG NOBEL DA SEGURANÇA
Atribuído ao sueco Magnus Gens. Como na Suécia são frequentes os acidentes rodoviários que envolvem alces, este sueco desenvolveu um modelo em tamanho natural de um alce para ser usado em crash tests.
A antena emissora rotativa de ondas curtas com 80 m de altura que existia em Sines, juntamente com algumas outras. Esta antena irradiava uma potência de 250 kW e destinava-se a emitir os programas da rádio alemã Deutsche Welle para a América Latina e África. O centro emissor de Sines foi desligado definitivamente em 2011 e seguidamente as antenas foram retiradas, resultando uma sucata de aço com 700 toneladas (Foto de autor desconhecido)
A rádio em AM (modulação de amplitude) está agonizante, tanto em ondas curtas como em ondas médias e em ondas longas (em Portugal nunca houve emissores de ondas longas), mas ainda não morreu. Em ondas médias, ela ainda resiste no Reino Unido e em Espanha, por exemplo, mas em muitos outros países já encerraram todas as estações de ondas médias que havia. Na Noruega, então, até a rádio em FM (modulação de frequência) também já foi extinta, dando lugar à rádio digital DAB (Digital Audio Broadcasting).
Em ondas curtas ainda resistem algumas estações internacionais de rádio, como a Voz da América (que mantém ativo um centro retransmissor em São Tomé e Príncipe, por exemplo), a Rádio Internacional da China, a Rádio Roménia Internacional, a Voz da Turquia e poucas mais. De resto, as ondas curtas estão cada vez mais limitadas a serem usadas apenas por estações religiosas e clandestinas. É verdade que, com a agressão da Rússia à Ucrânia, assistiu-se a uma reativação de algumas estações ocidentais em ondas curtas, como a da austríaca ORF, com vista a cobrirem a Rússia, a Ucrânia e países vizinhos com as suas emissões, mas mais tarde ou mais cedo voltarão a ser desligadas. Portugal, por sua vez, ausentou-se das ondas curtas há alguns anos e assim permanece. A internet e as emissões via satélite suprem a falta que as ondas curtas fazem.
No tempo da chamada guerra fria, havia uma "guerra" paralela nas ondas curtas. Nesse tempo, as emissoras dos mais diversos países atropelavam-se e interferiam-se mutuamente, numa luta feroz por se fazerem ouvir por cima das do "outro lado". Ainda por cima, multiplicavam-se as emissões nas mais diversas línguas. As ondas curtas eram uma impressionante Babel. Só a BBC, a Voz da América ou a Rádio Moscovo transmitiam em mais de quarenta línguas diferentes cada uma, incluindo o português. Além do mais, empregavam os melhores jornalistas e os melhores profissionais de rádio que se podiam encontrar.
Portanto, o espetro de frequências de ondas curtas estava naquele tempo sobrelotado. Havia que arranjar um meio de fazer distinguir cada uma das estações de todas as outras. A solução encontrada consistiu em sinais identificadores facilmente reconhecíveis, que eram transmitidos durante alguns minutos antes da abertura de uma nova emissão, para que os potenciais ouvintes conseguissem encontrá-la no meio da barafunda e pudessem escutar o programa desde o seu início. O nome dado para estes sinais em inglês é interval signals, o que traduzido literalmente para português não quer dizer nada. Prefiro chamar-lhes sinais de sintonia ou identificadores de estação, pois ao escutá-los uma pessoa ficava a saber se aquela era ou não a estação que pretendia ouvir.
Seguem-se os sinais de sintonia de algumas das principais estações de rádio de ondas curtas de há trinta, quarenta ou mais anos. Escolhi alguns dos sinais mais representativos e mais interessantes, de entre o grande número deles que se podem ouvir na internet. Estas gravações foram feitas em Lexington, Kentucky, Estados Unidos, por Jerry Johnston. Como diziam os locutores daquele tempo, desejo uma «boa escuta».
O sinal de sintonia mais facilmente identificável nas ondas curtas era um identificativo que a BBC vinha usando desde a II Guerra Mundial: a letra V, de "Vitória", em código Morse.
Um outro sinal de sintonia usado pela BBC consistia num repicar festivo de sinos.
A Deutsche Welle, da República Federal da Alemanha, identificava-se através de uma curta passagem da Abertura "Fidelio", de Beethoven.
A Rádio Austrália alternava uns acordes da música popular "Waltzing Matilda" com o canto de uma ave chamada kookaburra.
O identificador da Rádio Flandres Internacional, da comunidade de língua flamenga da Bélgica, era cheio de ritmo.
A Rádio Havana Cuba transmitia algumas notas da "Marcha del 26 de Julio", de Agustín Díaz Cartaya.
O sinal identificativo da Rádio Moscovo ouvia-se por toda a banda de ondas curtas, qualquer que fosse a hora e a frequência.
A Rádio Nederland, dos Países Baixos, identificava-se através de uma melodia, tocada em carrilhão, do tempo da Guerra dos Oitenta Anos, que foi a guerra pela qual os Países Baixos se tornaram independentes de Espanha.
A Rádio Pequim identificava-se através dos primeiros acordes do hino "O Oriente é Vermelho".
A Rádio RSA, da África do Sul no tempo do apartheid, alternava o canto de uma ave chamada bokmakierie com uns acordes em guitarra de uma canção africânder.
A Rádio Suíça Internacional identificava-se pelo som de uma caixa de música.
A Rádio Vaticano transmitia os primeiros acordes do hino "Christus Vincit".
A Radiotelevisão Italiana, RAI, dava a ouvir o som de um "canário", produzido por meios mecânicos.
A Voz da América transmitia a marcha "Yankee Doodle".
Imagem obtida pelo novíssimo telescópio espacial Webb de um detalhe da nebulosa Carina, visível no hemisfério sul e situada a cerca de 8500 anos-luz de distância da Terra. Na parte de cima da imagem, vê-se o espaço sideral pontuado de muitas estrelas. Em baixo, um tumultuoso "mar" de poeiras cósmicas com estrelas pelo meio. O que se passa na fotografia é que várias estrelas situadas no cimo da imagem emitem tanta radiação, tanta radiação, que esta varre (para baixo na imagem) uma "nuvem" de poeiras, que se comprimem e que se agregam até que elas mesmas também acabam por dar origem a novas estrelas. Será possível mostrar esta imagem a uma pessoa que não vê? Como? (Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)
A sinestesia é uma condição neurológica que algumas pessoas possuem, que as leva a associar um estímulo sensorial de um determinado tipo (por exemplo, um estímulo visual) a outro estímulo sensorial de tipo diferente (por exemplo, um estímulo auditivo). Uma luz suave poderá provocar-lhes a sensação de ouvirem um som mavioso, uma dada cor poderá produzir-lhes um determinado sabor ou a escuta de uma obra musical poderá dar-lhes a impressão de verem um caleidoscópio de cores e de formas evoluindo em simultâneo com os sons musicais. A sinestesia não é uma doença, é apenas um cruzamento de sensações que ocorrem no cérebro.
Certamente que algumas pessoas a quem falta um dos sentidos também poderão ser dotadas de sinestesia. Uma pessoa cega que tenha esta condição poderá sentir o cheiro de um som, por exemplo, embora não consiga obter qualquer sensação visual correspondente. Por outro lado, diante de uma imagem, essa pessoa não poderá ter qualquer sensação auditiva, táctil ou outra, por muito sinesteta que seja, porque simplesmente não vê.
Agora coloca-se a questão: será possível traduzir uma imagem em som, de tal modo que uma pessoa cega possa "ver" essa imagem com os seus ouvidos, mesmo que não seja sinesteta?
Uma equipa de investigação constituida por cientistas, músicos e um invisual decidiu tentar converter em sons musicais as primeiras imagens obtidas pelo novo telescópio espacial de infravermelhos James Webb. Porquê sons musicais e não outros sons? Porque «a música toca nos centros da emoção», respondeu um dos membros da equipa, Matt Russo, que é músico e professor de Física da Universidade de Toronto, no Canadá. A intenção da equipa era fazer "ver", através da emoção, uma imagem a uma pessoa que não vê. Deste modo, a equipa tentou levá-la a sentir diante de uma imagem o mesmo que sente uma pessoa que vê.
Através de um varrimento vertical de uma imagem, feito linha a linha e da esquerda para a direita, vão sendo produzidos sons musicais que variam em função das formas, dos brilhos, das cores, dos pontos luminosos, etc., que o varrimento vai encontrando no seu percurso ao longo da imagem. Não são sons reais propagados através do espaço, são música composta por Matt Russo e Andrew Santaguida, a que foi posto o nome de "sonificação". Os três curtos vídeos que se seguem mostram o que a equipa conseguiu. Christine Malec, que pertence à comunidade cega e amblíope e apoia o projeto, comentou: «Na primeira vez em que ouvi uma "sonificação", esta agiu sobre mim de uma forma visceral e emocional tal, que imagino ser a mesma que as pessoas que veem sentem quando olham para o céu noturno».
"Sonificação" da imagem obtida no espetro infravermelho curto de um detalhe da nebulosa Carina, pelo telescópio espacial Webb. À medida que vai sendo feito o varrimento da imagem da esquerda para a direita, a intensidade da luz é traduzida por uma intensidade do som, isto é, quanto mais brilhante for um objeto, mais forte é o som que lhe corresponde. A localização de um objeto mais acima ou mais abaixo na imagem é traduzida por uma nota mais aguda ou mais grave, respetivamente
"Sonificação" de duas imagens de uma mesma nebulosa, a nebulosa do Anel Austral, obtidas pelo telescópio espacial Webb. A imagem da esquerda foi obtida no espetro infravermelho curto e a da direita no espetro infravermelho médio. Nesta "sonificação" fez-se uma correspondência entre a frequência da luz, isto é, a sua cor, e a frequência do som correspondente, ou seja, a sua nota musical. Esta nota será tanto mais aguda quanto a cor estiver mais próxima do violeta e tanto mais grave quanto a cor estiver mais próxima do vermelho
"Sonificação" do espetro eletromagnético obtido pelo telescópio espacial Webb de um planeta gigante, identificado como WASP-96 b, que orbita em torno de uma outra estrela que não o Sol. Este espetro ajuda a determinar a composição química da atmosfera desse planeta, tendo-se verificado que ela contém vapor de água. A "assinatura" espetral da água vem representada pelo som de uma gota a cair