Rigor, exigência, profissionalismo, contemporaneidade, africanidade. Estas são algumas das palavras que podem caracterizar a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, uma companhia de bailado contemporâneo que Ana Clara Guerra Marques fundou e de que é diretora artística e coreógrafa. Com a fundadora, estão na CDC Angola Nuno Guimarães, Rui Tavares, Jorge António e um corpo de baile da mais alta qualidade e cujos elementos se vão sucedendo e rendendo ao longo do tempo.
No próximo mês de outubro de 2019, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola realiza uma digressão pela Europa, mais concretamente pela Holanda (Amesterdão) e Portugal (Almada, Faro, Montemor-o-Novo, Vila Nova de Gaia, Ponte de Lima e Coimbra). Em todas estas localidades será exibida a peça O Monstro Está em Cena, com exceção de Vila Nova de Gaia, onde a peça a apresentar se chama Mysterium Coniunctionis.
Há poucos anos, tive a grata oportunidade de assistir a um espetáculo desta companhia no Teatro Nacional de S. João, no Porto, chamado Paisagens Propícias, e fiquei fascinado com o que vi e ouvi. Troquei pessoalmente algumas impressões com a diretora artística e fiquei muito bem impressionado. Aliás, já a "conhecia" da Internet, através de um blog que ela manteve durante alguns anos, mas que já não publica mais. Enquanto eu trocava impressões com Ana Clara Guerra Marques, verifiquei que alguns antigos bailarinos da companhia, que entretanto tinham seguido outros rumos em palcos europeus, vieram propositadamente de Barcelona ao Porto para poderem estar uns momentos com ela.
Aqui fica, pois, a minha recomendação: assistir, se possível, a um espetáculo da CDC Angola nesta sua próxima digressão. Estou convencido de que ninguém se vai arrepender.
Hino do Minho ou Hino da Maria da Fonte, por Vitorino, com música de Angelo Frondoni e letra de origem popular
O Hino do Minho, mais conhecido como Hino da Maria da Fonte, é o segundo hino mais importante de Portugal, logo a seguir ao Hino Nacional. É tocado em cerimónias oficiais, encontrando-se a sua execução regulamentada pelo Decreto-Lei N.º 331/80, de 28 de agosto. Segundo este diploma, o Hino da Maria da Fonte deve ser tocado por uma banda de música ou um terno de corneteiros (clarins), quando uma guarda de honra prestar continência a pé firme às seguintes personalidades: Presidente da Assembleia da República, Primeiro-ministro, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Presidente do Supremo Tribunal Militar, Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea, Ministros e Secretários e Subsecretários de Estado. Só durante uma continência a pé firme prestada ao Presidente da República e aos chefes de estado estrangeiros em visita oficial, é que o Hino Nacional deve ser tocado.
A música do Hino do Minho, ou da Maria da Fonte, é da autoria de Angelo Frondoni (1812–1891), um músico italiano que se radicou em Portugal e faleceu em Lisboa. A letra original do hino é de Paulo Midosi Júnior (1821–1888), que por acaso também era de ascendência italiana e que escreveu vários libretos para operetas compostas por Angelo Frondoni. Além da letra original, muitas outras letras se adaptaram à mesma música, umas anónimas e outras não, em função da evolução dos acontecimentos políticos que foram ocorrendo durante o turbulento século XIX português.
Passo a transcrever um trecho do Volume II do Cancioneiro de Musicas Populares contendo Letra e Musica de Canções, serenatas, chulas, danças, descantes, cantigas dos campos e das ruas, fados, romances, hymnos nacionaes, cantos patrioticos, canticos religiosos de origem popular, canticos liturgicos popularisados, canções politicas, cantilenas, cantos maritimos, etc. e cançonetas estrangeiras vulgarisadas em Portugal, por Cesar das Neves e Gualdino de Campos, publicado em 1895 no Porto.
HYMNO DO MINHO
Baqueou a tyrannia,
Nobre povo, és vencedor.
Generoso, ousado e livre,
Dêmos gloria ao teu valor.
Eia, ávante, portuguezes,
Eia, ávante! Não temer!
Pela Santa liberdade
Triumphar ou perecer!
Algemada era a nação,
Mas é livre ainda uma vez;
Ora, e sempre, é caro á Patria
O heroismo portuguez.
Eia, ávante, etc.
Lá raiou a liberdade,
Que a nação ha de additar!
Gloria ao Minho, que primeiro
O seu grito fez soar.
Eia, ávante, etc.
Segue, oh povo, o bello exemplo
De tamanha heroicidade,
Nunca mais deixes tyrannos
Ameaçar a liberdade.
Eia, ávante, etc.
Fugi, despotas, fugi,
Vós, algozes da nação!
Livre, a Patria vos repulsa!
Terminou a escravidão.
Eia, ávante, etc.
(...)
Este hymno foi muito cantado no theatro de S. João, onde, n'aquella epocha, estava em scena um aproposito da revolução do Minho, em que o personagem principal se chamava Maria da Fonte. Foi do theatro que sahiram muitas das estrophes que se cantavam pela rua, e que eram da lavra do actor Abel, e talvez a denominação que deram ao movimento revolucionario da Junta do Porto.
Eis as cantigas das ruas:
Viva a Maria da Fonte,
Com as pistolas na mão,
Para matar os Cabraes,
Que são falsos á nação.
Eia, ávante, portuguezes,
Eia, ávante, e não temer,
Pela Patria e liberdade
Triumphar até morrer!
Viva a Maria da Fonte,
A cavallo, sem cahir,
Com as pistolas á cinta,
A tocar a reunir.
Eia, ávante, portuguezes,
Eia, ávante, sem temer,
Pela Patria e liberdade
Batalhar até morrer.
As duas quadras seguintes attribuem-se ao partido miguelista, representado então na guerrilha do padre Casimiro:
Temos um rei estrangeiro,
Estrangeirada facção,
A rainha estrangeirada,
Só portugueza a nação!
Leva ávante, portuguezes,
Leva ávante d'uma vez,
Nós não queremos que governe
Senão um rei portuguez!
[A "rainha estrangeirada" acima referida é D. Maria II, que foi casada com um alemão, D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha. O próprio coração de D. Maria II encontra-se na Alemanha, conservado em formol num vaso de cristal, na cripta da igreja de S. Miguel no centro histórico de Munique, que é o panteão da casa real da Baviera.]
A lettra que se segue é coimbrã; n'ella transparece o vigor e o enthusiasmo do nobre patriotismo da mocidade academica d'aquella epocha:
Cáia um throno, cáia um rei,
Onde impéra a tyrannia,
Mas d'um povo a liberdade
Não se perca nem um dia!
Eia, ávante, portuguezes,
Eia, ávante, e não temer,
Pela Patria e liberdade
Triumphar até morrer.
Tendo entrado no Porto o general Povoas, organisou-se no dia 22 de fevereiro de 1847 um espectaculo de gala no theatro de S. João, em que se cantou o hymno com a seguinte lettra:
Fulgiu hontem sobre o Porto
Um meteóro de gloria:
Chegou Povoas, e com elle
Chegou o deus da victoria.
Armas! ferro! guerra! guerra!
Tremulem nossos pendões.
Contra a vil horda de escravos
Marchae, livres, batalhões.
Atravez d'eternos gêlos
Passou com sabia ousadia 1.
Deus proteje o nobre arrojo
Contra a feroz tyrannia.
Armas! ferro!, etc.
Uma côrte corrompida
Fascina o sceptro real;
Escravisar em vão querendo
Este nosso Portugal.
Armas! ferro!, etc.
Opprimir tentam o povo
Com perversa atrocidade?
Querem sangue? haja sangue!
Regue sangue a liberdade.
Armas! ferro!, etc.
Povoas, Antas, Guedes, Cesar,
Almargem, Sá da Bandeira,
Vão cingir d'immortaes louros
A mocidade guerreira.
Armas! ferro!, etc.
Ora sus! ergue-te oh povo,
Qual gigante ingente e forte,
Eis o teu grito de guerra:
Ou liberdade ou a morte.
Armas! ferro!, etc.
1 Povoas tinha sido cercado na serra da Estrella pelos generaes Solla e Lapa; mas de noite escapou-se com os seus por um atalho, ficando logrados os sitiantes. Povoas era miguelista, mas prestou serviço á Patuleia.
D'entre os numerosos versos que o povo applicava ao hymno do Minho, durante a revolução da Patuleia, recordamos os seguintes, por terem directa ou figuradamente descripto os factos que se iam succedendo:
O Saldanha já mandou,
Suas tropas retirar,
Porque tem medo da fome
E a palha está-se a acabar 2.
Já lá vae para Hespanha,
A divisão do Casal 3;
Deus a leve em boa hora,
Que não volte a Portugal.
A rainha não podendo
Vencer os nossos guerreiros,
Foi pedir, oh que vergonha!
Protecção aos estrangeiros 4.
2 O general Saldanha era cabralista; porém depois foi elle que derrubou aquelle governo.
3 General que em dezembro de 1847 atacou o Porto e em seguida retirou-se para Hespanha.
4 Allude á intervenção hespanhola e ingleza.
Deu origem a muitos versos populares a revolução do Minho, cuja lenda é a seguinte:
Os excessivos tributos com que o governo do marquez de Thomar, Antonio Bernardo da Costa Cabral, havia sobrecarregado o povo, traziam este excitado a ponto de que o menor pretexto, serviria a uma explosão hostil. Foi o caso, que, tendo ordenado o governo não fazerem mais exhumações dentro dos templos, como era de uso, encontrou esta lei grande opposição, principalmente nas aldeias, onde não havia cemiterios. Succedeu então na Povoa de Lanhoso ter fallecido uma mulher, e o regedor, no cumprimento da lei, não consentiu que se enterrasse na egreja; porém, umas sete mulheres que tinham acompanhado o cadaver, teimaram em fazer alli a exhumação, resultando grande lucta com a auctoridade. Salientou-se d'entre aquellas, uma chamada Maria Angelina, do logar da Fonte, ou natural de Fonte Arcada, que mandou tocar o sino a rebate com todo o vigor. N'um instante, alarmou-se toda a freguezia, e o regedor teve de fugir ás unhas das matronas, que enterraram o cadaver na egreja:
As sete mulheres do Minho,
Mulheres de grande valor,
Armadas de fuso e roca,
Correram o regedor!
Findo o enterro, o povo amotinado percorre as estradas e praças, armado dos instrumentos agricolas, que mais á mão encontrou, clamando pela revogação da lei e dos tributos; a Maria lá marchava na frente, enthusiasmada e enthusiasmando, até que teve de entregar o commando ao celebre padre Casimiro 1, de quem o povo cantou:
Viva o padre Casimiro,
Que é mesmo um anjo do céo:
Pois traz sempre o crucifixo
No forro do seu chapéo.
1 O padre Casimiro José Vieira falleceu, na casa da Alegria, em Felgueiras, a 30 de junho do corrente anno de 1895, com 78 annos de idade, pobre e abandonado. Aos 29 annos tomou parte importante na revolta do Minho, querendo encaminhar a revolução para o seu ideal absolutista. Era muito estimado pelo povo, que o acclamou Defensor das Cinco Chagas, e general commandante das forças populares do Minho e Traz-os-Montes. Em 1847, por diploma de 7 d'abril, foi nomeado pelo logar-tenente de D. Miguel I, n'este reino, (dr. Candido Rodrigues Alves de Figueiredo Lima), Commandante geral de todas as forças populares ao norte do Minho, com honras de brigadeiro.
A Maria tambem teve a sua glorificação:
Essa mulher lá do Minho,
Que da fouce fez espada,
Ha de ter na lusa historia
Uma pagina dourada.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Golegã, Portugal (Foto: João Correia)
A vila da Golegã, embora pequena, tem muito que ver. Situada em plena planície aluvial do Ribatejo (a chamada lezíria), a Golegã encontra-se rodeada de campos férteis, que se estendem por quilómetros e quilómetros, de um lado e do outro do rio Tejo, para montante e para jusante. Há também nas proximidades da Golegã uma zona alagadiça que tem uma fauna e uma flora muito ricas, que é o Paul do Boquilobo, o qual, aliás, é atravessado pelos comboios da Linha do Norte a uma velocidade tal que os passageiros não veem nada… Junto ao Paul do Boquilobo situa-se Azinhaga, a modesta aldeia de trabalhadores rurais onde nasceu José Saramago, um dos maiores vultos das letras portuguesas.
Seria um pecado de lesa-Golegã e de lesa-Ribatejo não referir a Feira Nacional do Cavalo, que todos os anos se realiza na Golegã por alturas do São Martinho. Esta feira, que, mais do que uma simples feira, é uma autêntica festa do cavalo, é um acontecimento que não se deve perder. O cavalo é um dos mais bonitos, elegantes e nobres animais que existem e à Golegã são levados os mais belos exemplares. Mesmo alguém como eu, que vive num apartamento na cidade e, portanto, não tem condições para levar um cavalo para casa, ficará certamente encantado com tanto garbo e tanta beleza, que na Golegã se exibem.
Em termos de património edificado, tem a Golegã, nomeadamente, a Casa-Estúdio Carlos Relvas, a Quinta da Cardiga (a poucos quilómetros da vila, já perto do Entroncamento) e, sobretudo, a mais bela igreja rural em estilo manuelino que em Portugal existe: a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a igreja matriz da vila.
Arco triunfal e capela-mor da Igreja da Golegã (Foto: Luís Paiva Boléo)
A igreja matriz da Golegã, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, é um templo construído no séc. XVI, provavelmente por iniciativa do rei D. Manuel I. Existiu em Almeirim um palácio real, o Paço de Almeirim, onde os reis de Portugal costumavam refugiar-se sempre que em Lisboa ocorria uma epidemia de peste, ou simplemente para se divertirem com caçadas e passeios a cavalo pelas redondezas. Assim, a Golegã foi também frequentada pelos soberanos e D. Manuel I terá sido um deles.
Se alguém achar que há alguma parecença entre a igreja da Golegã e o mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, não se enganou. O autor da igreja matriz da Golegã foi Diogo de Boytac, um arquiteto de origem obscura (provavelmente francesa), que é exatamente o mesmo arquiteto que concebeu e iniciou a construção do mosteiro dos Jerónimos. O extraordinário portal manuelino da igreja da Golegã tem a marca do seu génio. Quem mais seria capaz de conceber um portal tão harmonioso e tão equilibrado como este? Nada está a mais, ou a menos, ou fora do sítio. É um deslumbramento.
Portal da Igreja Matriz da Golegã (Foto: Waugsberg)
Concerto Brandeburguês N.º 1 em fá maior, BWV 1046, Concerto Brandeburgês N.º 6 em si maior, BWV 1051, e Concerto Brandeburguês N.º 3 em sol maior, BWV 1048, de Johann Sebastian Bach (1685–1750), pela Orquestra Barroca Casa da Música dirigida por Laurence Cummings
Eu hesitei bastante antes de publicar este vídeo. É um vídeo longo, praticamente com 1 hora de duração, que inclui, não um, não dois, mas três Concertos Brandeburgueses de Bach. É muita música de uma vez só, para um blog generalista (chamemos-lhe assim) como é este. Acabei por decidir publicar o vídeo por várias razões.
Johann Sebastian Bach não foi um compositor qualquer. Pessoalmente, considero-o um dos mais geniais, se não mesmo o mais genial, de todos os autores de música europeia de sempre. Acho, portanto, que é da maior importância dar a ouvir música de Bach a quem visitar o meu modesto blog.
«Mas logo três concertos de uma vez só?», perguntar-me-ão. «Porque não apenas um, ou então só um andamento de um destes concertos?» Eu sou contra a escuta de um único andamento de uma obra que tem mais do que um. Um concerto, uma sonata, uma sinfonia ou o que quer que seja que tenha mais do que um andamento só faz sentido se for ouvido na totalidade. Ouvir um andamento apenas é truncar uma obra de arte. Embora já o tenha feito, evito dar a escutar uma obra truncada neste blog. O "Hino à Alegria", que faz parte do quarto andamento da Nona Sinfonia de Beethoven, por exemplo, é muito bonito e muito popular, mas só faz sentido se ele for o culminar de uma sinfonia inteira e muito longa, que Beethoven escreveu da forma mais penosa possível para um compositor: mergulhado na mais completa surdez. É preciso ouvir toda a Nona Sinfonia, desde o princípio até ao fim, para que se possa sentir a verdadeira alegria vivida por Beethoven, quando conseguiu superar a sorte que o destino que lhe tinha reservado compondo uma sinfonia. É uma alegria sentida por quem vence a própria dor. Portanto, uma obra com vários andamentos deve ser sempre ouvida completa.
«Pronto, está bem, ouça-se então uma obra completa. Mas só uma! Agora três?! Porquê três Concertos Brandeburgueses em vez de um só? Você podia passar o Concerto Brandeburguês n.º 3, por exemplo.» O vídeo que aqui apresento tem três concertos e não um só, porque é uma gravação de um espetáculo dado na Casa da Música, no Porto, em 8 de novembro de 2015, foi transmitido pela RTP e não fui eu quem o publicou no Youtube. Tocou a Orquestra Barroca Casa da Música, que além de ser uma das melhores orquestras do mundo neste género de agrupamento musical, é da Casa da Música e é da cidade do Porto. E ouve-se música de Bach. E é introduzida em português, o que também é importante.
Jessé Manuel, de seu nome completo Jessé Balança António Manuel, é um fotógrafo angolano nascido em 1988 no Lubango, cidade onde reside. É formado em engenharia civil. Começou a dedicar-se à fotografia em 2012, sendo desde então agraciado com diversos prémios. Tem vindo a partilhar nas redes sociais muitas centenas de fotografias da sua autoria, que mostram muita criatividade e uma grande sensibilidade. Aqui se reproduzem algumas das suas imagens.