14 maio 2024

João Cristino da Silva


Autorretrato, 1854, óleo sobre tela de João Cristino da Silva (1829–1877). Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa
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Cinco Artistas em Sintra, 1855, óleo sobre tela de João Cristino da Silva (1829–1877). Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa
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João Cristino da Silva foi um pintor português nascido em 1829 na cidade de Lisboa. De temperamento insubmisso, João Cristino da Silva frequentou a Academia de Belas Artes de Lisboa sem terminar o curso, por discordar dos métodos de ensino, e em 1860 regressou à mesma instituição, desta feita como professor, mas saiu nove anos depois, insatisfeito com ela. Em 1867 passou a receber um subsídio oficial, que lhe permitiu viajar e contactar com a pintura naturalista que então se fazia em França e na Suíça. Depois de regressar a Portugal, acabou por ser dado como louco e internado no Hospital Psiquiátrico de Rilhafoles, mais tarde chamado de Miguel Bombarda, em Lisboa, onde morreu em 1877.

O quadro mais famoso de João Cristino da Silva, Cinco Artistas em Sintra, retrata quatro artistas plásticos seus contemporâneos, além dele próprio. A figura central do quadro é o pintor Tomás da Anunciação, observado com curiosidade por um grupo de camponeses. Atrás dele, está o pintor Francisco Metrass. Mais à direita, veem-se outros três artistas: o escultor Vítor Bastos, à esquerda, o próprio João Cristino da Silva, desenhando, e José Rodrigues de Carvalho, sentado. A caprichosa formação rochosa de cor branca que serve de fundo ao quadro parece ser um lapiás, que é o resultado da erosão química do calcário. O quadro pode ter sido pintado na vizinhança de Negrais ou entre Negrais e Pero Pinheiro, onde existem lapiás, e não na Serra de Sintra, como erradamente se poderia pensar, porque esta é granítica e por isso não tem lapiás.

11 maio 2024

À Sombra das Árvores Milenares

Passaram muitos anos mas não passou
o momento único irrepetível
o som abafado do estilhaço no corpo
o eco estridente do ricochete no metal
o cheiro da pólvora misturado com sangue e terra
o sabor da morte na última viagem de Portugal.

À sombra das árvores milenares ouvi tambores
ouvi o rugido do leão e o zumbido da bala
ouvi as vozes do mato e o silêncio mineral.
E ouvi um jipe que rolava na picada
um jipe sem sentido
na última viagem de Portugal.

Vi o fulgor das queimadas senti o cheiro do medo
o silvo da cobra cuspideira o deslizar da onça
as pacaças à noite como luzes de cidade
a ferida que não fecha o buraco na femural
no meio da selva escura em um lugar sem nome
na última viagem de Portugal.

Soberbo e frágil tempo
intensa vida à beira morte
amores de verão amores de guerra amores perdidos.
Uma ferida por dentro um tinir de cristal
passaram os anos o ser permanece.
Fiz a última viagem de Portugal.

Manuel Alegre


Militares em operações no norte de Angola, provavelmente na Serra de Mucaba, antes de 25 de abril de 1974 (Foto: Luís Cabral)
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07 maio 2024

Juventude


Juventude, 1929, do escultor Henrique Moreira (1890–1979). Avenida dos Aliados, Porto (Foto: Manuel V Botelho)

A estátua mais estimada pela população da cidade do Porto é, sem dúvida nenhuma, a da "Menina Nua", na Avenida dos Aliados. "Menina Nua" é a designação popular, mas o seu autor, que foi o escultor Henrique Moreira, deu-lhe o nome de Juventude. É uma bela escultura, que representa uma jovem e sorridente mulher, nua e sentada num plinto em estilo Art Déco.

Henrique Moreira nasceu no seio de uma família muito humilde de Avintes, Vila Nova de Gaia, e tornou-se um dos mais importantes escultores portugueses do séc. XX. As suas obras são quase sempre bastante conservadoras do ponto de vista estético, mas a sua qualidade e mestria são absolutamente indiscutíveis.

Na cidade do Porto abundam as estátuas, os bustos, os baixos-relevos e outras obras criadas por Henrique Moreira. O Porto de hoje não seria o que é, sem o imponente Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, no centro da Rotunda da Boavista, a estátua dedicada ao Pedreiro, em frente à Escola Infante D. Henrique, o Monumento aos Combatentes da Grande Guerra, na Praça Carlos Alberto, a estátua do Padre Américo, na Praça da República, o busto de Camilo Castelo Branco, na Avenida Camilo, a escultura chamada Abundância (a que por vezes dão o nome de "Meninos Nus"), também na Avenida dos Aliados, etc. etc. A lista completa do legado escultórico que Henrique Moreira deixou no Porto é interminável. A cada passo que damos na cidade, "tropeçamos" numa criação sua, por vezes em locais onde menos esperamos.


Antes. A Avenida dos Aliados, no Porto, num postal ilustrado de finais dos anos 60. Em primeiro plano, vê-se a estátua Juventude, do escultor Henrique Moreira (1890–1979) (Foto de autor desconhecido)

Depois. A Avenida dos Aliados, tal como agora se apresenta. A avenida, que era um jardim florido e muito bem cuidado, foi transformada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira num inóspito deserto de pedra. Que mal fizeram as flores ao arquiteto, para que ele tivesse pavimentado a avenida de alto a baixo com paralelepípedos de granito? (Foto: maria margarida)

Sabe-se quem foi a mulher que serviu de modelo a Henrique Moreira, como símbolo da Juventude. Chamava-se Aurélia Magalhães Monteiro e era uma das mulheres mais bonitas do Porto no seu tempo. Infelizmente, o tempo passa, faz os seus estragos e Aurélia Magalhães Monteiro não lhe escapou. A juventude de Aurélia passou, ela ficou cega aos 43 anos de idade e acabou por falecer em 1992, com 82 anos. A beleza e a frescura da sua juventude, porém, permanecem eternizadas na pedra, graças ao talento do escultor Henrique Moreira.


Antes e depois. Aurélia Magalhães Monteiro (1910–1992), que serviu de modelo para a escultura Juventude, de Henrique Moreira (1890-1979), sentada com um vaso de manjerico nas mãos diante da sua própria representação de quando era jovem (Foto: Raul Simões Pinto)

03 maio 2024

Divertimento para duas guitarras


Divertimento para duas guitarras, op. 62, do compositor catalão Fernando Sor (1778–1839), pelos intérpretes finlandeses de guitarra clássica Timo Korhonen e Patrik Kleemola

01 maio 2024

Um dia de maio

Recordo esse momento, esse
terrível entusiasmo. Eram
milhares, dezenas de milhar
e todos se esticavam, todos
tentavam ver os carros, sentiam
o solene momento, gritavam
da alegria mais pura. Era
um som de pólvora liberta,
uma explosão de esperança,
de loucura, de vida — sim,
por uma vez, a vida —. Lembro
esse gosto de pão, o corte
brusco na inércia, o fogo
da presença em oferenda,
a compressão da ira vinculada
agora a um caminho. Hoje
contemplo esta praça, estas ruas
que a tristeza semeou
de novo e espero a multidão
que uma vez aqui floresceu.
Confio em que virá. O vento
fala já nos seus passos, faz
da espera alimento; o ar
vai encher-se de vozes, vai
ver-nos todos juntos, livres,
respirando através das mãos
unidas, através do ardente
fluido de alegria que liberta
as raízes do canto estagnado.

Egito Gonçalves (1920–2001)


O Primeiro de Maio de 1974 no Porto (Foto: Sérgio Valente)
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