Um dia de maio
Recordo esse momento, esse
terrível entusiasmo. Eram
milhares, dezenas de milhar
e todos se esticavam, todos
tentavam ver os carros, sentiam
o solene momento, gritavam
da alegria mais pura. Era
um som de pólvora liberta,
uma explosão de esperança,
de loucura, de vida — sim,
por uma vez, a vida —. Lembro
esse gosto de pão, o corte
brusco na inércia, o fogo
da presença em oferenda,
a compressão da ira vinculada
agora a um caminho. Hoje
contemplo esta praça, estas ruas
que a tristeza semeou
de novo e espero a multidão
que uma vez aqui floresceu.
Confio em que virá. O vento
fala já nos seus passos, faz
da espera alimento; o ar
vai encher-se de vozes, vai
ver-nos todos juntos, livres,
respirando através das mãos
unidas, através do ardente
fluido de alegria que liberta
as raízes do canto estagnado.
Egito Gonçalves (1920–2001)
O Primeiro de Maio de 1974 no Porto (Foto: Sérgio Valente)
(Clicar na imagem para ampliá-la)
Comentários: 3
Belíssimo poema de Egito Gonçalves.
Bom 1º de Maio e um abraço!
Aumentai a imagem
para apreciar a dimensão
da multidão...
Ah, se a nossa força
fosse essa agora...
Abraço esperançoso
Cara Maria João,
Como sabe melhor do que eu, Egito Gonçalves foi um dos maiores poetas neorrealistas portugueses. Este poema demonstra isto mesmo.
Um abraço
Caro Rogério,
O primeiro Primeiro de Maio em librdade foi um acontecimento incomparável. Também no Porto o foi, como se vê na imagem.
Um abraço
Este poema de Egito Gonçalves mostra muita tristeza, mas também muita esperança. Se não tivesse já falecido, certamente ele teria gostado de ver a adesão popular que se verificou às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. A esperança é a última a morrer.
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