29 setembro 2017

O Mundo à Noite 2017

Fotografia vencedora da categoria Beleza do Céu Noturno — Categoria principal, feita no deserto de Huacachina, no Peru, por Camilo Jaramillo, da Colômbia. No céu, ao meio, ergue-se a majestosa Via Láctea. Mais abaixo, próximo do horizonte, vê-se a Lua e, à esquerda desta, o planeta Vénus


The World At Night (O Mundo à Noite) é um concurso internacional de fotografia que se realiza todos os anos sob os auspícios de uma organização chamada Astronomers Without Borders. Este ano teve lugar a 8.ª edição deste concurso, que contou com a participação de mais de mil imagens, feitas por fotógrafos de 65 países e territórios diferentes. Estas e outras fotografias podem ser vistas na página oficial do concurso.


Fotografia vencedora da categoria Contra as Luzes — Categoria principal. Os astrónomos abominam a poluição luminosa, produzida pelas iluminação artificial dos espaços urbanos, mas esta iluminação presta-se também a belíssimas fotografias. Aqui se pode ver a cidade de Bruxelas, fotografada do ar pelo piloto aviador Ulrich Beinert, da Alemanha


Fotografia vencedora da categoria Beleza do Céu Noturno — Categoria compósita, feita no Lago Duolin, Mongólia Interior, China, por Haitong Yu, também da China. Várias imagens sobrepostas mostram-nos uma "chuva" de estrelas cadentes, chamadas Perseidas por parecerem provir da constelação de Perseu


Fotografia vencedora da categoria Contra as Luzes — Categoria compósita, por Nicholas Römmelt, da Alemanha. Aqui podemos ver uma escalada noturna nas proximidades da queda de água Lehner, sobre o vale chamado Öztal, Áustria


Fotografia vencedora da categoria Beleza do Céu Noturno — Câmara Rápida e Sequência, feita na Sicília por Dario Giannobile, da Itália. Em primeiro plano, um espelho virado para Norte reflete o céu noturno em torno da Estrela Polar. Os arcos que se veem na imagem, tanto em primeiro como em último plano, resultam de um longo tempo de exposição da câmara fotográfica e mostram as estrelas no seu movimento aparente, à medida que a Terra vai girando em torno do seu eixo no seu movimento de rotação. O arco mais pequeno que se vê no centro do espelho é a própria Estrela Polar, que não indica rigorosamente o Norte, mas apenas muito aproximadamente


Fotografia vencedora da categoria Contra as Luzes — Câmara Rápida e Sequência, feita por Amirreza Kamkar, do Irão, no Parque Nacional Chitwan, Nepal. Os riscos verdes que se veem em primeiro plano foram produzidos por pirilampos


Fotografia vencedora da categoria A Beleza do Céu Noturno — Auroras Boreais e Austrais, feita na Ilha Senja, Noruega, por Nicholas Römmelt, da Alemanha


Fotografia vencedora da categoria Contra as Luzes — Auroras Boreais e Austrais, feita por Sigurður William Brynjarsson, da Islândia

25 setembro 2017

Morte na picada

ao José Gouveia
11-01-1971

O silêncio ouvia-se no ondular do capim
As aves emigravam antes de tempo
O ar não tinha cheiro
Cada palmo de picada era um segredo
Bem longe bebia-se whisky no jardim
Mas no mato a vida era um mísero momento
Seis tábuas a acolher o teu corpo
Se ficasses inteiro
Honras depois de morto
Uma medalha póstuma para calar o teu medo
E foste a enterrar com a raiva como mortalha
E até pensaram que morreste contente
Um funeral com a presença de uma alta patente
E um discurso a dizer que caíste de pé, como uma muralha
Eu fui e voltei
Maldizendo a hora em que não desertei
Uma mina fez crescer a minha revolta
Ao ver-te morto ali mesmo a meu lado
Um bom amigo, mas outro pobre soldado
Que é obrigado a ir e que não volta.
O fumo era muito mas deu para ver a tua dor
O ar tinha o aroma ácido do trotil
Embaciava o teu olhar sem vida a dizer adeus
O teu sangue a borbotar sem nada poder fazer
E senti ódio, sim, ódio, raiva, rancor
Ao ver a tua mão trémula a acariciar o fuzil
De que lado estavas tu, Deus
Que deixaste que nos treinassem para morrer?
31 de dezembro de 2003

Carlos Luzio (1947–2004), ex-alferes miliciano em Moçambique, in Pescador de Sonhos (Poemas de Guerra), edição póstuma, 2005


Era assim, com a desumana frieza de um telegrama entregue por um estafeta dos CTT, que o regime fascista transmitia, aos familiares dos combatentes portugueses na guerra colonial em África, a notícia da morte do seu filho, irmão, marido ou o que quer que fosse o seu grau de parentesco. Quantas mães, muitas delas analfabetas, receberam um telegrama igual a este. Sobressaltadas, iam a correr chamar uma vizinha que soubesse ler, com o coração apertado, mais pequeno do que uma ervilha, adivinhando já o conteúdo do telegrama. A vizinha, que só tinha a terceira classe, lia-lhe (ou melhor, soletrava-lhe), com a voz embargada, a brutal notícia: «Sua Ex.cia Ministro do Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho soldado (…) ocorrido dia 3 corrente Moçambique por motivo combate defesa da Pátria. Sua Ex.cia apresenta mais sentidas condolências. Comandante Depósito Geral Adidos Lisboa»

21 setembro 2017

Demarcação, já!

Canção a favor da demarcação das terras indígenas no Brasil, gravada numa ocasião em que os direitos dos índios brasileiros são seriamente postos em causa. Por exemplo, foi noticiada muito recentemente a provável chacina de um grupo de índios não-contactados na Amazónia

18 setembro 2017

Um cachimbo angolano

Cachimbo, de um escultor impossível de identificar, da província de Benguela, Angola. Existe, no boné da figura masculina, uma assinatura ilegível, que é certamente a assinatura do artista. As cabeças das figuras mexem-se. Real Museu da África Central, Tervuren, Bélgica

16 setembro 2017

Prémios Ig Nobel 2017

Desta, nem Erwin Schrödinger se lembrou: um gato pode ser sólido e líquido ao mesmo tempo? (Foto: g-stockstudio/iStockphoto)

Existem os prémios Nobel, cujos galardoados para 2017 só serão conhecidos lá mais para o fim do ano, e existem os prémios anti-Nobel, chamados prémios Ig Nobel, cujos galardoados foram agora tornados públicos, numa cerimónia ocorrida no Teatro Sanders da Universidade de Harvard, Estados Unidos, no dia 14 de setembro de 2017. Durante a cerimónia foi estreada uma ópera chamada Ópera da Incompetência, sobre o princípio de Peter e o efeito de Dunning-Kruger, que tentam explicar porque é que as pessoas incompetentes atingem o topo da carreira. Os galardoados com o prémio Ig Nobel 2017 receberam um prémio de 10 biliões de dólares do Zimbabwe, cujo valor real é de alguns cêntimos.

Os prémios Ig Nobel são atribuídos todos os anos pela revista humorístico-científica Annals of Improbable Research, que tem como lema «Investigação que faz rir primeiro e pensar depois». Os galardoados com o prémio Ig Nobel 2017 foram os seguintes:

Prémio Ig Nobel 2017 da Física — Marc-Antoine Fardin, por se servir da dinâmica dos fluidos para resolver a questão "Poderá um gato ser sólido e líquido ao mesmo tempo?";

Prémio Ig Nobel 2017 da Paz — Milo Puhan, Alex Suarez, Christian Lo Cascio, Alfred Zahn, Markus Heitz e Otto Braendli, por demonstrarem que tocar um didgeridoo (instrumento de sopro dos aborígenes australianos) é eficaz no tratamento da apneia obstrutiva do sono e no ressonar;

Prémio Ig Nobel 2017 da Economia — Matthew Rockloff e Nancy Greer, pelas suas experiências a respeito da influência do contacto com um crocodilo vivo sobre a vontade de participar em jogos de azar;

Prémio Ig Nobel 2017 da Anatomia — James Heathcote, pelo seu estudo médico "Porque é que os homens idosos têm orelhas grandes?";

Prémio Ig Nobel 2017 da Biologia — Kazunori Yoshizawa, Rodrigo Ferreira, Yoshitaka Kamimura e Charles Lienhard, pela sua descoberta de um pénis feminino e uma vagina masculina em insetos de uma caverna;

Prémio Ig Nobel 2017 da Dinâmica dos Fluidos — Jiwon Han, por estudar a dinâmica do derrame de líquidos, ao descobrir o que acontece quando uma pessoa anda para trás com uma chávena de café na mão;

Prémio Ig Nobel 2017 da Nutrição — Fernanda Ito, Enrico Bernard e Rodrigo Torres, pelo primeiro relato da existência de sangue humano na dieta dos morcegos vampiros de pernas peludas;

Prémio Ig Nobel 2017 da Medicina — Jean-Pierre Royet, David Meunier, Nicolas Torquet, Anne-Marie Mouly e Tao Jiang, por utilizarem uma tecnologia avançada de imagiologia cerebral para medirem até que ponto algumas pessoas não gostam de queijo;

Prémio Ig Nobel 2017 da Cognição — Matteo Martini, Ilaria Bufalari, Maria Antonietta Stazi e Salvatore Maria Aglioti, por demonstrarem que muitos gémeos idênticos não conseguem distinguir-se visualmente entre si;

Prémio Ig Nobel 2017 da Obstetrícia — Marisa López-Teijón, Álex García-Faura, Alberto Prats-Galino e Luis Pallarés Aniorte, por mostrarem que um feto humano reage mais fortemente à música tocada eletromecanicamente dentro da vagina da mãe, do que à música tocada eletromecanicamente sobre a barriga da mãe. Ao seu dispositivo musical vaginal puseram o nome de "babypod".

09 setembro 2017

Peguei na Serra da Estrela

Peguei na Serra da Estrela
para serrar uma cadeira
e apanhei um nevão
numa serra de madeira.

Com as linhas dos comboios
bordei um lindo bordado,
quando o comboio passou
o pano ficou rasgado.

Nas ondas do teu cabelo
já pesquei duas pescadas.
Olha para as ondas do mar,
como estão despenteadas.

Guardo o dinheiro no banco,
guardo o banco na cozinha.
Tenho cem contos de fadas,
que grande fortuna a minha.

Com medo que algum ladrão
um dia me vá roubar,
mandei pôr na minha porta
três grossas correntes de ar.

Encomendei um cachorro
naquela pastelaria;
quem havia de dizer
que o maroto me mordia?!

Apanhei uma raposa
no exame e estou feliz:
vejam que lindo casaco
com a sua pele eu fiz.

Entrei numa carruagem
para voltar à minha terra,
enganei-me na estação
e desci na Primavera!

Luísa Ducla Soares, escritora portuguesa


(Foto: José Varela)

03 setembro 2017

Johann Nepomuk Hummel

Concerto para bandolim em sol maior S. 28 (número 28 do catálogo elaborado por Joel Sachs), de Johann Nepomuk Hummel (1778–1837), por Avi Avital, em bandolim, e o agrupamento Il Giardino Armonico

Johann Nepomuk Hummel foi um compositor nascido em 1778 na cidade de Bratislava, que era então parte do Reino da Hungria, o qual se encontrava subordinado ao poder dos Habsburgos, que reinavam na Áustria. Diz-se, por isso, que ele era austríaco. Se fosse hoje, seria eslovaco. Faleceu em Weimar, na Alemanha, em 1837.

Johann Nepomuk Hummel foi aluno de Mozart, entre outros grandes mestres, e amigo pessoal de Beethoven. Distinguiu-se como pianista, um dos maiores do seu tempo, e mostrou-se muito interessado na guitarra e outros instrumentos de corda dedilhada, que também tocava com grande proficiência. Compôs numerosas obras dos mais diversos géneros, sobretudo para piano, mas não compôs uma única sinfonia. A sua música inseria-se na corrente clássica, evoluindo na continuidade da música de Haydn e de Mozart. Ao mesmo tempo, o revolucionário Beethoven rasgava o caminho de uma nova corrente musical, a corrente romântica. Com o triunfo do Romantismo sobre o Classicismo ao longo do séc. XIX, graças ao próprio Beethoven, Liszt, Schumann e muitos outros, a música de Hummel passou a ser considerada antiquada e mergulhou no quase esquecimento. De qualquer modo, enquanto foi vivo, Johann Nepomuk Hummel foi muito apreciado como compositor e muito aclamado como pianista.

Nos últimos anos tem-se assistido à redescoberta da música de Johann Nepomuk Hummel. As gravações e os concertos multiplicam-se pelo mundo. As rádios clássicas também vão passando cada vez mais música dele, sobretudo alguns dos seus concertos para piano e o seu concerto para trompete, que é talvez a sua obra mais popular. Todas as rádios clássicas? Não. Tal como a aldeia do Astérix, a Antena 2 resiste, insistindo em ignorar a música de Johann Nepomuk Hummel. Só por milagre é possível ouvir nesta rádio pública portuguesa alguma peça dele, e quando passa é sempre o concerto para trompete e é sempre na interpretação de Wynton Marsalis. É claro que Marsalis não tem culpa nenhuma, ele é um extraordinário trompetista, que toca jazz com tanto à-vontade como toca música clássica. Não é o Wynton Marsalis que ponho em causa, é a pouquíssima importância que a Antena 2 dá à música de Johann Nepomuk Hummel.


Concerto para trompete em mi bemol maior S. 49, de Johann Nepomuk Hummel (1778–1837), por Maurice André em trompete E, Éric Aubier e a Orquestra da Bretanha sob a direção de Vincent Barthe