30 janeiro 2013

Descida num planeta estranho


Descida da sonda robótica Huygens na superfície do planeta Titã

Imagine-se um planeta que está envolto numa atmosfera densa e alaranjada, onde chove metano líquido, que tem rios, lagos e mares também constituídos por metano e etano líquidos, onde há vulcões que deitam água e amoníaco e onde a temperatura média à superfície é de -179 °C, isto é, 94 graus acima do zero absoluto. Será que um tal planeta existe?

Existe. Chama-se Titã, é uma lua de Saturno e, apesar de ser um satélite natural de um outro planeta, é maior do que o planeta Mercúrio, embora não muito.

No ano de 1997, as agências espaciais norte-americana (NASA), europeia (ESA) e italiana (ASI) lançaram uma nave não-tripulada com destino a Saturno, chamada Cassini. A bordo dessa nave seguia uma sonda robótica da Agência Espacial Europeia, chamada Huygens, que tinha por destino Titã. No ano de 2004, a nave e a sonda chegaram às proximidades de Saturno, entrando na órbita deste planeta. No dia 25 de dezembro de 2004, a sonda Huygens separou-se da nave-mãe Cassini e, em 14 de janeiro de 2005, desceu na superfície de Titã.

Durante a sua descida, a sonda foi registando e enviando dados e imagens para Terra. Mesmo depois de ter pousado, ainda ficou ativa durante cerca de 90 minutos, ao longo dos quais continuou a enviar dados, até acabar por ficar inoperacional. Correu tudo de acordo com o previsto.

O vídeo acima mostra-nos as imagens que a sonda captou durante a sua descida, tal como as veria uma pessoa que fizesse uma tal viagem. As imagens são-nos apresentadas como num filme muito acelerado, isto é, condensando num par de minutos as duas horas, aproximadamente, que a descida na verdade demorou. Independentemente da rapidez com que nos são apresentadas, as imagens são reais.

Logo a seguir ao pouso da sonda, vê-se uma sombra que percorre a imagem da direita para a esquerda: é a sombra do paraquedas que auxiliou a sonda na descida. Os blocos brancos que se veem no solo do planeta têm o tamanho aproximado de punhos fechados e são constituídos maioritariamente por gelo (água sólida).

Entretanto, a nave Cassini continua a orbitar Saturno e a enviar dados para Terra, até que a sua missão seja dada por terminada, o que se espera que venha a acontecer durante este ano de 2013. Podem ver-se admiráveis imagens de Saturno e dos seus satélites, incluindo Titã, na página da NASA que é dedicada a esta missão: http://www.nasa.gov/mission_pages/cassini/main/index.html.

24 janeiro 2013

O Gaulês Moribundo

O Gaulês Moribundo, Museus Capitolinos, Roma (Foto: Jean-Christophe Benoist)

A estátua de mármore chamada Gaulês Moribundo, que está na Sala do Gladiador do Palazzo Nuovo de Roma, não é uma obra original. É uma cópia, feita na Roma antiga, de uma estátua grega desaparecida. A peça original, que provavelmente seria de bronze, deve ter sido esculpida por volta dos anos 230 a 220 A.C., em Pérgamo, na Ásia Menor, que constitui a parte asiática da atual Turquia. A sua autoria é habitualmente atribuída a Epígonas.

Para os romanos, a estátua certamente representava um gladiador gaulês (celta da Gália, a atual França) ferido de morte. Daí o seu nome corrente de Gaulês Moribundo. Mas os antigos gregos, antes da ocupação romana, não organizavam combates de gladiadores, nem teriam da Gália senão a ideia de ser uma terra distante e bárbara. O que a estátua por certo representa é um guerreiro gálata (celta da Ásia Menor) vencido e moribundo. Ela deve ter sido esculpida para assinalar a vitória do rei de Pérgamo sobre os gálatas, os quais ficaram a partir de então remetidos ao interior do planalto da Anatólia, a região onde se encontra atualmente a capital da Turquia, Ankara.

Os celtas foram um povo que viveu na Europa Central, de onde saiu em duas vagas migratórias nos sécs. VII e V A.C., conquistando e assimilando outros povos e tribos. Espalharam-se por uma grande parte da Europa, incluindo o atual território continental português. Portugal é hoje o terceiro país europeu que tem maior percentagem de topónimos celtas, a seguir à Irlanda e ao Reino Unido.

No séc. III A.C., os celtas que tinham migrado para a Península Balcânica entraram em confronto aberto com os gregos, tendo sido derrotados. Alguns dos celtas atravessaram então o Estreito do Bósforo e instalaram-se na Ásia Menor, onde lhes foi dado o nome de gálatas. Foram estes gálatas que acabaram por ser vencidos, de novo, pelas forças de Pérgamo. A estátua, portanto, deveria chamar-se Gálata Moribundo, em vez de Gaulês Moribundo.

Esta dramática estátua é um dos exemplares mais representativos da escultura helenística. A seu respeito, escreveu Sophia de Mello Breyner Andressen:

No Gaulês Moribundo aparecem dois elementos profundamente novos: a atenção dada ao sofrimento e a atenção dada a um corpo bárbaro (...) a dor que aparece não é o sofrimento do indivíduo, mas o pathos, a grande dor universal.

20 janeiro 2013

Feira do Fumeiro em Montalegre, de 24 a 27 de janeiro de 2013


18 janeiro 2013

Meu país desgraçado

Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Meu Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!

Sebastião da Gama (1924-1952)


17 janeiro 2013

Vietnam Blues


Vietnam Blues, por J. B. Lenoir (1929-1967)

11 janeiro 2013

Campos de lapiás

Lapiás na Granja dos Serrões, Sintra (Foto: Associação de Defesa do Património de Sintra)

O calcário é uma rocha de origem sedimentar constituída predominantemente por carbonato de cálcio, que é um composto solúvel na água. Não o é diretamente, mas sim através de um processo químico que envolve o dióxido de carbono.

A água da chuva, quando cai das nuvens, reage com o dióxido de carbono existente na atmosfera. Desta reação resulta ácido carbónico, que vai ficando dissolvido na água à medida que a chuva cai:
CO2 + H2O ⇒ H2CO3
(dióxido de carbono + água ⇒ ácido carbónico)
Quando a água da chuva incide sobre o calcário, o ácido carbónico nela contido reage por sua vez com o carbonato de cálcio que compõe esta rocha, do que resulta a libertação de iões cálcio e hidrogenocarbonato, que também ficam dissolvidos na água:
CaCO3 + H2CO3 ⇒ Ca2+ + 2 HCO3-
(carbonato de cálcio + ácido carbónico ⇒ ião cálcio + 2 iões hidrogenocarbonato)
Este processo, em que na prática os constituintes do calcário acabam por ficar dissolvidos na água, corresponde a uma erosão química desta rocha, à qual se juntam uma erosão mecânica, correspondente ao desgaste causado pela própria água («água mole em pedra dura tanto dá até que fura», como diz o provérbio), pelo vento e por outros agentes físicos, e também uma fratura e desagregação progressiva da rocha, em resultado das dilatações e contrações provocadas pelas variações de temperatura. A esta erosão do calcário dá-se o nome de carsificação e dela resulta a formação de grutas, algares, lapiás, etc.

Os lapiás são relevos que se formam à superfície do calcário e são constituídos por fendas, canais, buracos, fragmentos, campos de rochas, etc. Em Portugal há dois campos de lapiás costeiros: um no Cabo Carvoeiro, junto a Peniche, e outro em Cascais, entre a vila e a Praia do Guincho, incluindo a famosa Boca do Inferno. Na zona do Farol da Guia este campo de lapiás é estreito, mas no Cabo Raso ele é muito mais amplo.

De entre os campos de lapiás que não se encontram à beira-mar, permito-me distinguir dois, que estão classificados como monumentos naturais: o Campo de Lapiás da Granja dos Serrões e o de Negrais. Ambos os campos de lapiás ficam muito próximos um do outro e podem ser facilmente acedidos através de uma estrada que liga Pero Pinheiro, no concelho de Sintra, à Ponte de Lousa, no concelho de Loures, passando pelas aldeias de Pedra Furada, Negrais e Santa Eulália. O Campo de Lapiás da Granja dos Serrões fica junto ao troço da estrada entre Pero Pinheiro e Pedra Furada e o Campo de Lapiás de Negrais fica nas imediações da aldeia de Negrais, como o seu nome indica. Se puder, vá até lá e admire as formas caprichosas que a natureza esculpiu na rocha calcária ao longo dos séculos.

Admirando um lapiá em Maceira, nas proximidades da Granja dos Serrões (Foto de autor desconhecido)

08 janeiro 2013

Arcangelo Corelli

O compositor italiano Arcangelo Corelli (1653-1713), num retrato de Jan Frans van Douven

Completam-se hoje 300 anos sobre a morte de Arcangelo Corelli, que foi um dos mais importantes compositores italianos do período barroco. Além de compositor, Corelli foi também um violinista muito aclamado, tendo morrido no meio de grande abastança.

Para assinalar a efeméride dos 300 anos do seu falecimento, proponho que se ouça o seu Concerto Grosso op. 6, nº 4, dos doze que ele compôs. A interpretação é do Ensemble L'Aura Soave, de Cremona, Itália.


1º andamento, Adagio — Allegro
2º andamento, Adagio
3º andamento, Vivace
4º andamento, Allegro — Giga: Presto

03 janeiro 2013

A Companhia de Dança Contemporânea de Angola vem a Portugal


A Companhia de Dança Contemporânea de Angola vai realizar este mês uma série de atuações em Portugal, nomeadamente em Lisboa, Bragança e Porto.

Durante esta sua digressão, a CDC Angola irá apresentar um espetáculo intitulado Paisagens Propícias, inspirado na obra do escritor, cineasta e antropólogo Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), que é focada predominantemente na vida, arte, costumes e tradições dos povos do sul de Angola.

A coreografia do espetáculo é de Rui Lopes Graça, a música de João Lucas, as luzes de Jorge Ribeiro, os figurinos de Nuno Guimarães e a direção artística da companhia é de Ana Clara Guerra Marques. O espetáculo terá a duração aproximada de 60 minutos.

As atuações que a CDC Angola irá realizar em Portugal serão em concreto as seguintes:

— Em Lisboa, no Teatro Camões, na sexta-feira 18 de janeiro e sábado 19, às 21H; no domingo 20 de janeiro, às 16H. Preços dos bilhetes: plateias A1 e A2, 15€; plateias B e C, 12,50€; plateia D, 10€; plateia C1, 5€. Descontos: para menores de 18 anos, 50%; para menores de 25 e maiores de 65 anos, 35%; para grupos de mais de 15 pessoas, 25%; para profissionais do espetáculo (plateia D) 5€. Os bilhetes já estão à venda.

— Em Bragança, no Teatro Municipal, na quarta-feira 23 de janeiro, às 21H30. Preço único: 6€.

— No Porto, no Teatro Nacional de S. João, na sexta-feira 25 de janeiro e sábado 26, às 21H30. Preços dos bilhetes: plateia e tribuna, 16€; 1º balcão e frisas, 12€; 2º balcão e camarotes de 1ª ordem, 10€; 3º balcão e camarotes de 2ª ordem, 7,50€. Bilhetes à venda a partir do dia 8 de janeiro.



01 janeiro 2013

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões