27 janeiro 2010

Esperando o Sucesso, de Henrique Pousão


Henrique Pousão (1859-1884) foi um dos maiores pintores portugueses do séc. XIX. Morreu apenas com 25 anos de idade, vítima de tuberculose, quando tanto havia ainda a esperar do seu génio artístico. O quadro a óleo Esperando o Sucesso, acima reproduzido, é a sua obra mais famosa. Foi pintado em Itália e representa um rapaz napolitano no ateliê do artista, onde serviu de modelo, mostrando um desenho infantil feito por si. Esta e outras obras do grande pintor alentejano, natural de Vila Viçosa, podem ser admiradas no Museu Nacional de Soares dos Reis, aqui na cidade do Porto.

17 janeiro 2010

Uma celebração dos Yawanawá



(Foto: Sérgio Vale - Governo do Acre/Divulgação)


Os Yawanawá são índios que vivem na parte sul da Terra Indígena do Rio Gregório, município de Tarauacá, estado do Acre, na Amazónia brasileira.

O Festival Yawá é uma antiga manifestação cultural e social que esta tribo tinha sido forçada a abandonar, mas que no ano 2002 retomou por decisão dos seus líderes. A partir de então, o festival é realizado anualmente e dura uma semana.



O Festival Yawá, dos índios Yawanawá, numa reportagem da TV Aldeia, de Rio Branco, Acre, Brasil

06 janeiro 2010

O Maciço de Porto de Mós e o polje de Minde


Inundação no polje de Minde, no concelho de Alcanena (Foto: Rui da Eira)


O Maciço Calcário Estremenho, também chamado Maciço de Porto de Mós, é um maciço montanhoso situado a norte de Rio Maior, a sul de Porto de Mós, a este de Alcobaça e a oeste de Ourém. É composto pelas serras de Aire e dos Candeeiros e ainda pelos planaltos de São Mamede e de Santo António. O santuário de Fátima, nomeadamente, fica no planalto de São Mamede. A rocha que predomina neste maciço é o calcário, facto de que resulta a existência, neste maciço, de características geológicas deveras interessantes.

O calcário é uma rocha que é lentamente solúvel na água. Por isso, a água das chuvas que se infiltra nesta rocha vai, ao longo dos séculos e dos milénios, escavando galerias, grutas e algares, em cujo interior ela vai também construindo estalactites e estalagmites, de formas fantásticas e caprichosas. É isto o que se passa no Maciço Estremenho, onde o número de grutas existentes anda à volta de 1500! Mil e quinhentas grutas são muitas grutas! Este maciço está todo esburacado!

Algumas grutas do Maciço Estremenho estão abertas ao público, que as pode visitar e nelas pode admirar as belíssimas esculturas criadas pela interação entre a água e o calcário. Nomeadamente, podem ser visitadas as grutas de Alvados, Santo António, São Mamede e Mira de Aire. A mais grandiosa é a gruta de Mira de Aire e a mais bonita é talvez a de Alvados.

Embora este maciço tenha um clima bastante chuvoso, a sua vegetação é quase toda bastante rala, como se quase não chovesse nunca. A serra dos Candeeiros, então, impressiona por ser particularmente pedregosa. A escassa agricultura que nesta serra se faz, em que se aproveita a mais pequena parcela de solo arável para plantar uma videira ou uma oliveira, faz lembrar a da cultura da vinha na ilha do Pico, nos Açores, entre as vilas da Madalena e das Lages. Parece quase um milagre que se consiga cultivar alguma coisa no meio de tanta pedra.

A aridez deste maciço montanhoso, a despeito da abundância de precipitação, deve-se ao facto de que a água da chuva não fica retida à superfície o tempo suficiente para permitir o crescimento de vegetação. A água infiltra-se pela rocha dentro, escoa-se pelas grutas e galerias e acaba por alimentar os rios subterrâneos que no interior do maciço se formam. Um destes rios é o Alviela, que durante muitos anos tem dado de beber à cidade de Lisboa (embora o grosso da água que agora é fornecida à capital provenha do rio Zêzere) e que aparece à luz do dia saindo de uma gruta, nas imediações da localidade de Amiais de Baixo, no concelho de Alcanena.

Um outro rio que sai das entranhas do Maciço Estremenho não é de água doce, como qualquer rio que se preze, mas sim de água salgada! Tão salgada que até possibilita a existência de salinas nas proximidades de Rio Maior, longe do mar. O que é que se passa com tão estranho rio? É muito simples. No interior do maciço existe um depósito de sal-gema. O rio em questão atravessa o depósito, dissolve o sal à sua passagem e, quando sai cá para fora, vem salgado.

Até aos primeiros anos da década de 90 do século passado, as salinas de Rio Maior eram conhecidas por quem quer que viajasse de carro entre o Porto e Lisboa. Naquele tempo, ainda faltavam muitos quilómetros para que a auto-estrada A1 ficasse completa e o IC2 ainda não existia. Entre os Carvalhos e Aveiras de Cima só existia a Estrada Nacional nº 1 e mais nada. A norte de Rio Maior, esta estrada passava pelo chamado Alto da Serra, que era um dos pontos mais amaldiçoados pelos automobilistas, sobretudo pelos que viajavam no sentido sul-norte. Formavam-se então longas filas de trânsito, atrás dos muitos veículos pesados que muito lentamente subiam a estreita e tortuosa estrada, até que o Alto da Serra fosse atingido. As salinas de Rio Maior eram perfeitamente visíveis ao longo de uma boa parte da subida. Os condutores e seus acompanhantes tinham tempo mais do que suficiente para vê-las.


O polje de Minde costuma estar sempre seco, tal como se pode ver na foto da esquerda; em anos muito chuvosos ele fica inundado, formando um lago temporário, tal como se vê na foto da direita. A povoação que se vê à direita é a vila de Minde. (Fotos: Minderico - O Portal do Ninhou)


Um dos fenómenos mais interessantes do Maciço Estremenho é o que ocorre durante os Invernos mais chuvosos no chamado polje de Minde. O polje de Minde é uma depressão cársica que existe entre a serra de Aire e o planalto de Santo António. Nesta depressão ficam situadas as vilas de Minde e de Mira de Aire, no concelho de Alcanena. Habitualmente, a depressão está seca; a água da chuva escoa-se pelo maciço dentro sem deixar rasto. Mas quando a chuva é excepcionalmente abundante, o maciço não consegue escoar a água toda que lhe cai em cima e forma-se então um lago na depressão. Isto só acontece, como disse, nos Invernos mais chuvosos.

Um aspeto a salientar no lago temporário que se forma no polje de Minde é que nele não existe lodo, nem algas, nem nada que possa turvar a água. Esta é de uma limpidez tão cristalina que até apetece bebê-la. O suave céu azul e o sol dourado, próprios dos dias bonitos que por vezes ocorrem no Inverno, refletem-se no lago como num espelho de cristal. Só por isto vale a pena ir ao Maciço Estremenho ver o polje de Minde inundado. Não admira, portanto, que muitas pessoas o visitem quando tal acontece, e que não falte quem aproveite para praticar no lago mergulho, canoagem, vela, windsurf, etc. É uma alegria.


A água do lago temporário é extraordinariamente cristalina (Foto: Rui da Eira)


A auto-estrada A1 passa sobranceira ao polje de Minde no troço compreendido entre Fátima e Torres Novas. O polje só é visível para quem nela viaja no sentido norte-sul. Mas contrariamente ao que acontecia com as salinas de Rio Maior, aqui os viajantes praticamente não conseguem ver nada, por causa da grande velocidade a que circulam. Vêem o polje durante um instante e imediatamente a seguir já deixam de o ver.

Eu não sei se o polje de Minde está neste momento inundado ou não ou, em caso negativo, se tal ainda virá a acontecer neste Inverno. Até agora, o Inverno tem sido muito chuvoso, mas é possível que ainda não tenha caído água suficiente para inundar o polje. Seja como for, aqui fica a lembrança. Se a inundação ainda não aconteceu, ela pode vir a acontecer dentro em breve, se continuar a chover.


A vila de Mira de Aire reflectida nas águas do polje. (Foto: Rui da Eira)

01 janeiro 2010

Deixa passar o meu povo



Go down, Moses, por Paul Robeson


DEIXA PASSAR O MEU POVO

Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar...
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
«Let my people go»
— oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo —,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».

Nervosamente,
sento-me à mesa e escrevo...
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
«oh let my people go...»)
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha Irmã.

Escrevo...
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irmão — e Saul,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho luminoso do rádio
— «let my people go».
Oh let my people go.

E enquanto me vierem de Harlem
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
Let my people go
OH DEIXA PASSAR O MEU POVO.

Noémia de Sousa (1926-2002), poetisa de Moçambique



My Lord, What a Morning, por Marian Anderson