Pesadelo
A guerra é um pesadelo
que te ocupa a cabeça toda a noite
com cadáveres caminhando destroçados
pelos interstícios do sono
e bombas que rebentam e espalham
fel e pregos
em todas as cartilagens,
e uma procissão de fístulas
deixando a sua baba pestilenta
pelo peito, pela boca, pelos joelhos.
A guerra é um pesadelo
onde as pombas choram
e os cavalos uivam com horror
ao ver as patas arrancadas a fugir do corpo.
A guerra é um pesadelo
onde as prostitutas implodem
na mais cruel virgindade
e a criança voa,
cirurgicamente fragmentada,
como uma romã perdida do seu ser.
E quando a noite se esvai e a manhã chega
para te abraçar com os seus olhos
trémulos de água
e um cheiro branco a pão,
descobres que o pesadelo
e a guerra
e os homens que fazem a guerra
continuam a espalhar a sua sementeira negra
pelas searas mais perdidas
deste mundo.
José Fanha, in Poesia, Lápis de Memórias, Coimbra, 2012
Crianças fugindo de um bombardeamento aéreo com napalm à aldeia de Trang Bang, Vietname, em 8 de junho de 1972. A menina, com nove anos de idade e chamada Phan Thị Kim Phúc, sofreu sérias queimaduras nas suas costas e braços, mas sobreviveu, tendo sido submetida a 17 cirurgias. Esta fotografia valeu ao seu autor diversos prémios (Foto: Huynh Cong Ut, mais conhecido como Nick Ut, da agência Associated Press) |