30 outubro 2017

Castro Marim


Igreja matriz de Castro Marim (Foto: José Varela)

Castro Marim é uma vila situada no extremo oriental do Algarve que, apesar de estar muito próxima da costa com todo o seu afluxo de turistas, tem permanecido, de certa forma, esquecida. A sua reduzida população o confirma: Castro Marim não chega a ter dois mil habitantes. No entanto, Castro Marim foi um importante reduto de defesa do território nacional contra as ambições expansionistas de Espanha, pelo menos até à fundação de Vila Real de Santo António na foz do rio Guadiana, ocorrida no séc. XVIII. As poderosas fortificações que em Castro Marim se encontram não enganam.


Atualmente, o castelo de Castro Marim vigia apenas os flamingos que frequentam o sapal (Foto de autor desconhecido)

Para quem quiser conhecer o Sotavento Algarvio (quero dizer o verdadeiro Sotavento em todas as suas múltiplas facetas), tem em Castro Marim um excelente ponto de partida. Praias, sapal, rio, salinas, serra, Espanha e, um pouco mais longe, a planície alentejana, tudo ou quase tudo está praticamente ao alcance da mão de quem se encontrar em Castro Marim. Poucas localidades algarvias oferecem uma tal variedade de paisagens, tradições e locais diferenciados.



Já que se fala de tradições, não se pode esquecer a arte da renda de bilros, que ainda se pratica em Castro Marim e, sobretudo, na freguesia do Azinhal. Não é preciso vir a Vila do Conde ou a Peniche para apreciar a enorme beleza de uma tão difícil arte. Basta ir ao concelho de Castro Marim.


Renda de bilros de Azinhal e Castro Marim (Foto: Baixo Guadiana)

Entre os muitos locais a merecerem uma atenta visita de quem se encontrar em Castro Marim, contam-se a Serra do Caldeirão e o Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António. Agora que o sol se apresenta doirado e (relativamente) morno, com as temperaturas a tenderem a baixar (embora este ano o façam muito tardiamente), é uma excelente ocasião para se passear pela zona húmida e alagadiça do sapal, a sul, ou pelo interminável "mar" de cabeços rescendendo a alfazema e alecrim que constituem a serra, até para além de Alcoutim e do Barranco do Velho, a norte.


O pernilongo (Himantopus himantopus) é o símbolo do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António (Foto: Agostinho Gomes)

27 outubro 2017

Ao jeito cigano

Zigeunerweisen, do compositor espanhol Pablo de Sarasate (1844–1908), uma peça em dó menor inspirada nas csárdás da Hungria, pelo violinista israelo-americano Itzhak Perlman (que foi vítima de poliomielite quando tinha 4 anos de idade) e uma orquestra não identificada dirigida pelo maestro norte-americano James Levine

20 outubro 2017

Dor

Incêndio no histórico Pinhal de Leiria, um dos muitos incêndios florestais ocorridos em Portugal no passado domingo, 15 de outubro de 2017, de que resultaram mais de 40 mortos, cerca de 70 feridos (mais de uma dezena dos quais graves) e muitas centenas de desalojados. A povoação que se vê em primeiro plano é a vila de Vieira de Leiria, que o fogo não atingiu (Foto: Hélio Madeiras)

Uma dor assim, se tivesse podido prevê-la saberia suportá‑la.
Virgílio (70 A.C.–19 A.C.), poeta romano

15 outubro 2017

Sousa Lopes


Num Jardim de Paris, c. 1904-10, óleo sobre madeira de Adriano de Sousa Lopes, Museu Nacional de Arte Comtemporânea do Chiado, Lisboa, Portugal


Adriano de Sousa Lopes (1879–1944) foi um eclético pintor e desenhador português, cuja obra oscilou entre o impressionismo e um certo academismo. Participou na 1.ª Guerra Mundial como oficial encarregado de representar graficamente a participação das tropas portuguesas nesse conflito, do que resultou um conjunto de notáveis gravuras a água forte, a que deu o nome de Portugal na Grande Guerra. Além das imagens de guerra, Sousa Lopes pintou e desenhou temas dos mais diversos tipos, como retratos, paisagens, naturezas mortas, cenas históricas, etc.


Caçador de Águias, 1905, óleo sobre tela de Adriano de Sousa Lopes, Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa, Portugal


A Blusa Azul, c. 1920, óleo sobre tela de Adriano de Sousa Lopes, Museu de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa, Portugal

13 outubro 2017

Mais música vintage de Angola


Belita Palma, que faleceu em 1988 e foi uma das maiores divas da música popular angolana, interpreta duas canções, uma em quimbundo e outra em português, acompanhada pelo mítico conjunto Ngola Ritmos


Tchinina, cantora natural do Huambo, interpreta em umbundo Somaiangue (Soma Yange na ortografia atual)


A endiabrada Bazooka, de Carlos Lamartine e o seu conjunto Águias Reais. Certamente por razões políticas, no tempo colonial os discos de Carlos Lamartine não passavam na estação de rádio oficial A Voz de Angola. Só no Rádio Clube de Angola era possível ouvi-los. Depois do 25 de Abril, com o fim da censura, Carlos Lamartine passou a poder ser tocado em todas as rádios e viu a sua canção Pala Ku Nu Abesa o Muxima tornar-se imediatamente um grande êxito


Manuelé, cantado em quimbundo por Sabu Guimarães. Tal como aconteceu com Carlos Lamartine, Sabu estava proscrito da rádio oficial A Voz de Angola na época colonial. Era preciso sintonizar o Rádio Clube de Angola para que se pudesse ouvir a sua voz


Milá Melo, que foi outra diva da música popular de Angola, canta Vamos à Anhara, acompanhada pelo conjunto Os Kiezos. Anhara ou chana é uma extensa superfície plana, arenosa e alagadiça, muito comum no Leste de Angola

10 outubro 2017

Zero em comportamento



Zéro de conduite: Jeunes diables au collège, filme de Jean Vigo (1905–1934), rodado em 1932 e estreado em 1933


Agora que as aulas estão a funcionar em pleno, parece-me ser esta a ocasião indicada para vermos o filme "Zéro de Conduite", do cineasta francês Jean Vigo, falecido em 1934 com apenas 29 anos de idade. Este filme foi por muitos considerado anarquista, por incitar os alunos das escolas e colégios de França à indisciplina e à rebeldia, segundo diziam. Foi proibido pela censura até 1946, como sendo um filme «antifrancês». Esta proibição não impediu que o filme fosse exibido frequentemente nos cineclubes da Bélgica.

"Zéro de Conduite" é um filme marcante, que tem um lugar merecido na história do cinema. Foi rodado em 1932 no colégio para rapazes de Saint-Cloud, nos arredores de Paris, que o próprio realizador frequentou durante parte da sua infância.

No filme, terminadas as férias, os rapazes regressam ao colégio, que é um lugar sombrio e repressivo, onde eles são tratados severamente pelos professores, que lhes atribuem a nota zero em comportamento e os privam de liberdade e de criatividade. Um novo vigilante do colégio, chamado Huguet, torna-se aliado e cúmplice dos rapazes, que desencadeiam uma revolta por ocasião da festa do colégio. O filme termina com os rapazes caminhando livres pelos telhados da repressiva instituição.

06 outubro 2017

A saia de esquilhas


No Algarve (Foto de autor desconhecido)

Um homem rico tinha três filhas, e costumava ir passar o verão com elas para o campo; ao voltar para a corte ficou a filha mais velha, que era muito esperta, encarregada de arranjar a bagagem. Depois de ter tudo arrumado e pronto para partir, foi ter com a caseira da quinta, que andava no arranjo da sua casa. Em cima de uma caixa estava uma roca com estopa, e a menina pegou nela para se entreter:

— Menina, não pegue nessa roca; pode meter alguma pua pelas unhas, e olhe que faz grandes dores.

A velha continuou a governar a sua casa, quando sentiu um grito; veio ver o que era. Era a menina que tinha caído desmaiada, sem sentidos. Deu-lhe a cheirar alecrim, alfazema, mas ela não voltava a si. Apoquentada com aquela desgraça, escondeu a menina, e logo que anoiteceu foi deitá-la na tapada real; pôs-lhe uma almofada para recostar a cabeça e cobriu-a com uma manta, fingindo que estava ali a dormir. Passado outro dia foi lá ver se a menina teria dado acordo de si. Nada. Calou-se muito calada e voltou para sua casa.

O príncipe costumava sempre andar à caça, e num dia recolheu-se áquela tapada, porque lhe anoiteceu depressa; mas foi grande o seu espanto quando descobriu ali uma menina muito formosa, a dormir, sozinha. Esteve primeiro a olhar para ela muito tempo; já se sentia apaixonado, e quis acordá-la; ela estava corada e risonha, mas não se movia. O príncipe quis acordá-la, porque bem conhecia que não estava morta, queria-lhe falar. Foi tudo impossível. Ali ficou junto dela, e todas as vezes que podia, fingia que ia para a caça, mas não fazia senão vir sentar-se para o pé da menina que ele já amava com loucura. Só o criado que o acompanhava é que sabia do segredo. O príncipe vinha à corte de fugida só quando era preciso, e tornava para a tapada, onde guardava a menina adormecida, que ainda assim veio a ter três filhos.

As crianças foram crescendo, e cada vez se tornavam mais encantadoras; mas o príncipe tinha uma grande pena de a mãe estar naquele estado. Um dia, andando um dos pequeninos a brincar em cima da cama, começou a pegar nas unhas da mãe, e por acaso, sem saber como, fez-lhe saltar da unha a pua que causara aquela doença. O príncipe, que estava ali, ficou maravilhado por vê-la mexer-se logo e começar a falar e a beijar os filhos, como se tivesse voltado à vida. O príncipe contou-lhe tudo como se tinha passado até ali, e disse-lhe que os seus três filhos se chamavam Cravo, Rosa e Jasmim. A rainha já andava desconfiada daquelas ausências do filho, e tratava de ver se descobria alguma coisa.

Uma ocasião o príncipe teve de ir a uma grande feira, e perguntou à sua namorada se queria que lhe trouxesse de lá alguma coisa; depois de muitas instâncias sempre disse:

— Pois traz-me de lá uma saia de esquilhas.

Não havia lá isso, mas o príncipe mandou-a fazer de propósito; era uma saia cheia de guisos, que tintelintavam. A menina ficou muito contente com a lembrança. Mas a rainha que maquinava a sua vingança, e que pelo pajem que acompanhava o filho já sabia tudo, fez com que o príncipe se demorasse muitos dias na corte. O filho com medo do génio ruim da rainha não dizia nada, mas andava cheio de saudades; foi de uma vez que ela lhe ouviu um suspiro:

— Ai de mim,

Cravo, Rosa e Jasmim.

Isto lhe confirmou a verdade; a rainha chamou o pajem e disse-lhe:

— Vai já, quando não mando-te matar, e traz-me aqui o menino Cravo. Diz lá á minha nora que é ordem do príncipe, que me contou tudo.

O pajem trouxe o menino; mas a velha rainha entregou-o à criada, dizendo:

— Ensopa-me esse menino para o jantar.

Quando o filho estava jantando, e com fastio, porque andava muito triste, a mãe disse-lhe:

— Come, come, que teu é.

Passados dias a rainha deu ordem ao pajem para ir buscar a menina Rosa. Seguiram-se as mesmas coisas. Depois deu ordem para lhe trazer o menino Jasmim. O príncipe já andava doente, e a velha rainha dizia-lhe sempre à mesa:

— Come, come, que teu é.

Por fim, não contente ainda desta vingança, mandou dizer à nora, que viesse à corte, porque a queria casar com o seu filho. A menina que já andava morta de saudades, por se ver sem os seus filhos, vestiu-se à pressa com a sua saia de esquilhas, e partiu para a corte. A rainha estava à espera dela e assim que a viu, deixou-a entrar para um corredor, e lançou-lhe as unhas furiosa para a afogar. A menina lutou para ver se lhe escapava, e quanto mais lutava, mais barulho fazia a saia de esquilhas.

O príncipe, que estava de cama, assim que ouviu aquele som lembrou-se de sua mulher e levantou-se para ir ver o que era. Viu a rainha querendo estrangular a nora. Chamou gente; e foi então que se soube das ordens que a rainha tinha dado para matarem os netos. O príncipe ainda ficou mais aflito e começou a gritar:

— Ai de mim,

Cravo, Rosa e Jasmim!

Foi então que a criada da cozinha disse que não tinha cumprido as ordens da rainha, e que tinha escondido os meninos. A rainha foi condenada, e o pajem sentenciado à morte, e a cozinheira em paga foi feita dama da nova rainha.

Conto tradicional do Algarve, in Contos Tradicionais do Povo Português, por Teófilo Braga